Os desafios de lidar com o envelhecimento dos pais – e como evitar conflitos
Por Vinícius Lemos
24 de fevereiro de 2024
Da BBC News Brasil em São Paulo
Uma dura fase marcada por conflitos e dificuldades.
É assim que especialistas resumem a forma como o envelhecimento dos
pais é encarado diversas vezes, porque muitos filhos não estão preparados para
lidar com as exigências desse período.
À medida que a idade avança,
uma pessoa tende a precisar de cada vez mais apoio, seja em atividades simples
do dia a dia ou mesmo uma ajuda financeira - e isso pode cobrar um preço de
quem fica responsável por esses cuidados, como apontam especialistas.
“Em alguns casos, esses filhos podem experimentar
níveis significativos de estresse e sobrecarga ao lidar com as demandas do
envelhecimento dos pais, especialmente quando há questões de saúde ou
limitações funcionais”, diz a psicóloga Deusivania Falcão, professora de
Psicogerontologia – área da psicologia que estuda o envelhecimento – da
Universidade de São Paulo (USP).
Há, inclusive, um nome para definir esse senso de
obrigação dos filhos em apoiar pais mais velhos: responsabilidade filial.
“É uma obrigação baseada em um padrão cultural,
relacionado à percepção de que esse é um comportamento socialmente responsável
em resposta ao envelhecimento e a dependência dos pais”, explica Falcão.
"Ou
seja, de que é dever do filho adulto ajudar ou ser responsável pelos pais
idosos."
Esse tipo de situação e a discussão sobre como
encarar estes desafios são cada vez mais frequentes com aumento de
idosos no Brasil.
O número de pessoas com mais de 60 anos passou de
20,5 milhões no Censo de 2010 para 32,1 milhões no mesmo levantamento em 2022 –
um crescimento de 56% em pouco mais de uma década.
E as estimativas apontam que a população de idosos
deve se tornar ainda maior ao longo das próximas décadas.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram
a tendência de que o brasileiro deve viver cada vez mais: a expectativa de
vida, que era de 69,8 anos no início dos anos 2000, segundo o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), hoje é de 75,5 anos.
Isso não só aumenta o período em que uma pessoa
pode precisar de auxílio, mas também torna mais comum que os filhos acompanhem
diferentes fases do envelhecimento dos pais.
Um ponto importante nesse período é a forma como
filhos encaram o envelhecimento dos pais - e, como em tantas outras fases da
vida, não há uma cartilha universal a seguir.
Essa experiência, dizem especialistas, costuma ser
influenciada por padrões familiares do passado e pela forma como uma pessoa foi
criada, além de aspectos culturais, históricos, sociais e religiosos de uma
família.
"Há vários modelos de envelhecimento e de
velhice. Cada indivíduo envelhece de maneira diferenciada, na singularidade de
suas condições genéticas, ambientais, familiares, sociais, educacionais,
econômicas, históricas e culturais", diz Falcão.
“Isso tudo depende do tipo de sistema desenvolvido
(pela família) ao longo dos anos.”
Pais teimosos x filhos mandões
Um dos principais desafios e motivos de atrito está
nos papéis que pais e filhos assumem nessa fase da vida, apontam especialistas.
De um lado, os filhos podem enxergar uma pessoa
fragilizada, adoecida e que precisa de cuidados e limitações e tentam proteger
seus pais e fazer com que não se exponham a riscos.
Do outro, há uma pessoa que não quer perder sua
autonomia e que pode até perceber que precisa de cuidados, mas tem dificuldade
de aceitar isso, afirma a geriatra Fernanda Andrade.
“Na imensa maioria das vezes, há uma grande
diferença entre a visão dos filhos e dos pais. Os filhos não costumam lidar bem
com as escolhas dos pais nesse período", afirma Andrade.
Um dos comentários mais recorrentes que a médica
ouve dos filhos é que seus pais são “teimosos” por não seguirem à risca como os
filhos acreditam que eles devem agir.
"É angustiante assistir ao envelhecimento – e,
muitas vezes, ao adoecimento – de uma pessoa que se ama e não conseguir
controlar nada disso."
Mas, por trás dessa “teimosia”, apontam
especialistas, estão características que podem ser atribuídas à idade avançada.
Entre elas, o sentimento de solidão, a perda de
sentido da vida, a saudade de amigos ou parentes que já faleceram e o medo da
morte.
Além disso, o temor de depender dos outros, ainda
que sejam os próprios filhos, causa preocupação em muitos idosos e faz com que
sejam resistentes a cuidados.
“Imagina passar 50 anos da sua vida totalmente
independente e começar a precisar de alguém para ir ao mercado para você, te
ajudar a vestir uma roupa ou realizar sua higiene íntima?”, diz Andrade.
Para não perder a autonomia, diz Fernanda, muitos
idosos não querem parar de dirigir, não aceitam ir ao médico ou não querem
abandonar outras atividades que costumavam fazer sozinhos.
Aí é que podem surgir conflitos na relação com os
filhos, caso não haja uma comunicação aberta na família sobre as expectativas,
desejos e necessidades dos dois lados, pontuam os especialistas.
Muitas vezes, é preciso entender que se trata de
uma fase de constante adaptação às demandas que surgem com o passar dos anos.
Por isso, é fundamental perceber que as
necessidades dos pais podem mudar ao longo do tempo.
Uma das principais dificuldades na relação entre
pais e filhos nessa fase é causada por falhas de comunicação em razão do
conflito geracional, diz Renato Veras, que é professor da Universidade Estadual
do Rio de Janeiro (Uerj) e diretor do projeto Universidade Aberta da Terceira
Idade (UnATI).
“O ideal é que os pais conversem muito com os
filhos e mostrem as diferenças geracionais", afirma o médico.
"Esse diálogo é importante, mas é difícil,
porque muitos pais não conseguem puxar essa conversa e muitos filhos se
consideram senhores da verdade, o que dificulta muito essa situação.”
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese
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