Os desafios de lidar com o envelhecimento dos pais – e como evitar conflitos
Por Vinícius Lemos
24 de fevereiro de 2024
Da BBC News Brasil em São Paulo
Inversão de papéis?
Nos casos em que os idosos preservam sua autonomia,
é importante que as decisões e escolhas dos pais sejam respeitadas pelos
filhos, dizem os especialistas.
“Incentivar a tomada de decisões (dos pais) sempre
que possível e respeitar suas escolhas contribui para uma relação mais
positiva”, afirma Falcão.
A dificuldade em respeitar a autonomia dos pais
pode ocorrer por estereótipos relacionados à velhice e pelo etarismo (ou
idadismo), o preconceito com pessoas mais velhas.
Mas, enquanto muitos idosos conseguem permanecer
independentes, outros precisam de auxílio constante.
Em diversos cenários, principalmente quando se fala
em cuidados intensos, muitas mulheres acabam sobrecarregadas.
Um levantamento divulgado em 2023 pela Fundação
Seade, um sistema de análise de dados, mostrou que 90% dos cuidadores de
pessoas com demência em São Paulo são do sexo feminino.
O número ilustra uma realidade que pesquisadores
sobre o envelhecimento apontam que ocorre em todo o país.
“Comumente, as filhas que assumem o cuidado de pais
idosos com doença de Alzheimer, por exemplo, com a evolução da demência,
percebem uma inversão hierárquica de papéis, em que elas passam a ter mais
poder e controle em relação a eles, levando-as muitas vezes a terem a sensação
de que passaram a ser mãe deles”, diz Falcão.
Mas a geriatra Fernanda Andrade diz que o
envelhecimento, embora implique que pais e filhos assumirão novos papeis, não
significa que estes papeis serão invertidos e que os pais passam a ser os
filhos da relação.
“Os pais nunca se tornam filhos. Filhos estão
aprendendo, filhos estão sendo preparados para a vida adulta e são uma tela em
branco para os pais colorirem da forma que julgam melhor”, diz.
"Pessoas idosas são telas rabiscadas, cheias
de experiências e valores prévios já muito bem estabelecidos."
Cuidar de um pai ou mãe idosa ou de um filho
pequeno são situações bem diferentes, diz Andrade.
"Um pai com sequela de AVC ou uma mãe com
Alzheimer não está no script da vida de ninguém. Isso vira a vida dos filhos de
cabeça para baixo, afeta o trabalho e aumenta os custos familiares, sem
planejamento algum”, pontua.
"Coletivamente falando, são poucas as pessoas
compreensivas com os filhos cuidadores. Ai de você caso falte no emprego porque
a sua mãe teve febre!”, acrescenta Andrade.
Envelhecimento saudável
De forma geral, é difícil prever quais serão
exatamente os desafios enfrentados nesta fase da vida.
"A realidade do envelhecimento no Brasil é bem
heterogênea", diz a geriatra Fernanda Andrade.
"Envelhecer bem não é só uma questão genética,
mas também ambiental e está relacionada ao acesso a melhores cuidados de
saúde.”
Os especialistas defendem que pessoas idosas não
devem ser vistas como alguém que está necessariamente doente ou que está perto
de morrer.
Possíveis problemas de saúde física ou mental,
fragilidade e diminuição da capacidade funcional não devem ser um impedimento
para uma velhice confortável, dentro do possível que a saúde permitir.
Em qualquer cenário, que varia conforme os cuidados
que os pais precisarem, é importante que os filhos sempre tentem ser uma forma
de apoio.
“Antigamente a pessoa envelhecia, adoecia e morria.
Ser velho era quase uma sentença de dependência física ou cognitiva”, pontua
Andrade.
"Hoje, temos uma gama enorme de pessoas
envelhecendo e bem. Ativas, trabalhando, saudáveis. Mas isso ainda é recente.
Leva-se tempo para mudar uma cultura.”
Cada situação e condição de saúde dos pais vai
exigir um tipo de apoio diferente.
Uma das principais formas com que filhos podem
apoiar seus pais nesse período, segundo especialistas, é incentivar que uma
pessoa idosa cuide das doenças crônicas que surgem nessa idade para que tenham
boa qualidade de vida.
Ao mesmo tempo, é importante que os filhos
incentivem os pais a se exercitarem fisicamente e mentalmente – por meio de
leituras e diferentes tipos de aprendizados, como o de um novo idioma.
“É importante reconhecer e apoiar o bem-estar
emocional dos pais. Isso envolve estar atento a sinais de depressão, solidão ou
ansiedade, e buscar ajuda profissional quando necessário”, diz Falcão.
Os benefícios de se planejar e
de ter uma relação próxima
Uma forma de tornar esse período da vida mais suave
é se planejar para o envelhecimento, apontam as especialistas ouvidas pela
reportagem.
“Aqueles filhos que participam de discussões sobre
planejamento antecipado, como cuidados de saúde e decisões financeiras, tendem
a lidar de maneira mais eficaz com o envelhecimento dos pais”, afirma Falcão.
Mas esse planejamento, dizem as especialistas,
ainda é pouco debatido nas famílias, que acabam enfrentando cada problema
conforme eles vão surgindo.
“A educação para o envelhecimento é vital, pois nos
capacita a enfrentar as transições com compreensão e empatia, o que favorece a
qualidade de vida e a autonomia”, declara Falcão.
Ao mesmo tempo, nem tudo é dificuldade quando se
fala em acompanhar o envelhecimento dos pais. Há benefícios ao tentar estar
perto deles durante esse período.
“Conviver com os pais mais velhos e cuidar deles
permite que a gente reveja laços e acerte pendências”, diz Andrade.
“Encarar o declínio e a finitude da vida de alguém
também nos faz refletir sobre a nossa própria vida, valores e sobre como
queremos ser cuidados na nossa velhice.”
O bom relacionamento com os filhos costuma ser fundamental
para que os pais encarem os momentos mais difíceis do envelhecimento. Isso
também pode ajudar os próprios filhos.
“A dinâmica familiar positiva, com expressões de
afeto e envolvimento do idoso nas atividades familiares, contribui para
melhorar o relacionamento entre pais e filhos”, afirma Falcão.
Pesquisas sugerem que os vínculos positivos com os
pais idosos são também uma fonte de apoio para os filhos cuidadores, acrescenta
a especialista.
“É importante destacar que, embora os desafios sejam
comuns, o envelhecimento também pode trazer oportunidades de crescimento
pessoal, novos aprendizados e formas de se envolver com a vida", diz
Falcão.
"Adotar uma abordagem positiva e proativa para
enfrentar esses desafios pode contribuir para um envelhecimento mais saudável e
satisfatório.”
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese
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