Os Padres da Igreja (I)
Por Susana Costa Coutinho
O
cristianismo nasceu no meio de um povo simples, que foi se abrindo à mensagem
de vida e esperança trazida pelo jovem de Nazaré e espalhada por seus
seguidores missionários. Quando a mensagem do evangelho chegou aos filósofos
dos séculos I ao VIII, encontrou um terreno diferente: a reflexão elaborada
pela metodologia filosófica que debruçou-se sobre a mensagem e a pessoa de
Jesus e procurou dar, ao anúncio missionário, um corpo teórico. Nasceu a
teologia cristã. Por causa desse “nascimento”, os filósofos que fizeram essa
ligação são chamados “padres (pais) da Igreja” e seu período é conhecido como
patrística. Alguns deles se tornaram pastores e bispos de comunidades cristãs e
nos deixaram um rico testemunho da compreensão que fizeram da vida cristã dos
sacramentos da iniciação cristã, da moral que deve guiar a conduta dos
seguidores de Jesus e da beleza e profundidade da liturgia cristã, entre
outros.
A PATRÍSTICA: O ENCONTRO DA FÉ
COM A RAZÃO
A
patrística é um período que vai do século I ao século VIII, podendo, para
alguns estudiosos do tema, estender-se até o século XI, marcado por esse
esforço de explicar a fé cristã por meio dos instrumentos da época, baseados
nas filosofias romana e grega. Os padres da Igreja eram intelectuais,
estudiosos, professores e escritores. Mas, também, seguidores de Jesus,
proclamadores do evangelho, missionários, catequistas e pastores. São
considerados os primeiros teólogos da Igreja cristã. Colocaram, a serviço do
evangelho, seus dons e talentos.
Seus
textos são parte fundamental do magistério da Igreja e procuram dar razão à fé
cristã, ou seja, inculturar a mensagem evangélica na linguagem filosófica,
científica. Explicaram, aprofundaram e defenderam a fé da Igreja, de forma que
não houvesse deturpações, ou seja, heresias. Atuaram nos concílios, buscando
explicar o sentido da fé, colaborando para a formulação do Credo. Como entender
que Jesus é “verdadeiro Deus e verdadeiro homem”? Qual o papel de Maria na
história da salvação? Atuaram para a organização e vivência do catecumenato, a
iniciação à vida cristã dos adultos. Questões assim foram objetos de estudo e profundas
reflexões dos santos padres, que chegaram até nós por meio da tradição viva da
Igreja, ou seja, da transmissão do evangelho, de pessoa a pessoa, de geração a
geração, uma herança espiritual, como afirmou são João Paulo II, na
Constituição Apostólica Fidei Depositum, para a publicação do Catecismo
da Igreja Católica.
Por conta
de seus lugares de atuação teológico-pastoral, são organizados em seus grandes
grupos os do Ocidente, como agostinho, santo Ambrósio, são Jerônimo e são
Gregório Magno, e os do Oriente, como santo Atanásio, são Basílio, são Gregório
Nazianzeno e são João Crisóstomo. Viveram em lugares e épocas diferentes,
exerceram ministérios diferentes, mas procuraram servir a missão da Igreja com
o mesmo recurso: a inteligência filosófica.
Os padres
da Igreja, assim, trabalharam para a formulação dos dogmas da fé cristã,
corrigindo as interpretações deturpadas, ou heresias, e contribuíram
imensamente para a vida pastoral da Igreja, bem como orientaram para a vivência
dos valores evangélicos. Poderíamos dizer que realizaram aquilo que é a proposta
para a nossa catequese: levar as pessoas ao encontro com Jesus, conhecendo,
vivendo e celebrando a fé, de forma madura, junto com a comunidade cristã.
DO QUE FALAVAM OS PADRES DA
IGREJA?
Como
vimos, a exposição do tema é objetivo principal do trabalho da patrística. Mas
como aqueles cristãos convertidos, vindos da tradição filosófica grega e
romana, buscaram entender a fé anunciada pelos seguidores de Jesus de Nazaré?
Eles voltaram-se à principal fonte: a Palavra de Deus, a Bíblia. É de autoria
desses cristãos vários comentários aos textos bíblicos, verdadeiras homilias,
no sentido mais profundo da palavra, uma “conversa”, nos quais buscavam escutar
a voz de Deus e as situações da vida do povo (o da Bíblia e do pastoreio) e
também fundamentar as posições teológicas assumidas pela Igreja contra as
heresias. Santo Agostinho, por exemplo, escreveu comentários aos textos
iniciais do livro do Gênesis. Para contrapor-se às ideias que se apresentavam
de um “Deus” destruidor e vingativo, santo Agostinho apresenta um Deus bondoso
e providente.
Os
padres da Igreja eram, também, como vimos, membros das comunidades cristãs,
muitos foram bispos e presbíteros. Portanto, como tema importantes em suas
reflexões era a fé vivida por essas comunidades. Seus textos eram diálogos com
essas experiências e com pessoas com as quais conviviam, por meio de sermões,
catequeses, cartas, orientações para uma vida simples, regrada e disciplinada
pela oração (ascética) e conduzida pelos valores do evangelho (moral). Tinham
uma preocupação pastoral, de forma a não separar a reflexão teológica da vida
concreta das comunidades cristãs. Preocupavam-se com a comunhão eclesial, com a
unidade da Igreja, num contexto em que muitos se opunham aos ensinamentos de
Cristo, mesmo dentro das comunidades, levando os cristãos aos cismas
(separações), E, diante das perseguições externas, animavam os que sofriam a
continuarem firmes na fé. É o caso de são João Crisóstomo, escrevendo a
diaconisa Olímpia e suas companheiras da comunidade de Constantinopla, para que
suportassem as perseguições sofridas, venda-as como passageiras, pois eterno é
o amor de Deus.
A
liturgia foi outro tema importante nos escritos dos padres da Igreja, tendo
destaque o batismo, tanto as explicações teológicas como as catequéticas. Estas
últimas, muitas vezes, eram as cartas enviadas aos catecúmenos adultos que se
preparavam para receber o sacramento de iniciação à vida cristã. Um conjunto de
belíssimas cartas de santo Ambrósio, intitulado Sobre os sacramentos,
revela toda a riqueza do batismo para a vida da Igreja e do cristão,
explicando, por meio dos sinais litúrgicos, a força da salvação (mistagogia).
Sobre a eucaristia, destacam-se as homilias de são João Crisóstomo, unindo a
recepção do sacramento com o compromisso social do cristão. Questiona o santo:
“De que serviria, afinal, adornar a mesa de Cristo com vasos de ouro, se ele
morre de fome na pessoa dos pobres?”
UMA HERANÇA A SER COMPARTILHADA
Por
certo que a patrística está muito presente no magistério, na teologia e na
pastoral da Igreja ainda hoje. O pensamento, a reflexão e os estudos daqueles
homens nos revelam a riqueza do evangelho e nos ajudam a viver nossa fé. Foi
assim que entenderam os padres, bispos e teólogos que trabalharam intensamente
pela renovação da liturgia, as catequese, dos estudos bíblicos, da missão da
Igreja no início do século XX e que contribuíram com as reflexões feitas no
Concílio Vaticano II. Assim, a patrística se tornou uma fonte importante para
as mudanças ocorridas na Igreja Católica, por meio dos documentos conciliares.
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