UMA SOCIEDADE ADOECIDA?
Dom Dirceu de Oliveira Medeiros
Bispo de Camaçari (BA)
Parto desta pergunta como premissa para falar
da Campanha da Fraternidade 2024 que abordará o tema
“Fraternidade e Amizade Social” e será iluminada pelo lema “vós todos sois
irmãos”. Há uma ciência específica que estuda o fenômeno das patologias sociais
e coletivas, mas não é preciso ser um pesquisador para perceber que há algo que
não vai bem em nossa sociedade. O tema da CF 2024, claramente, percebe essa
realidade e se inspira na Encíclica Fratelli Tutti (Vós todos
sois irmãos) do Papa Francisco, que por sua vez, bebe da fonte franciscana, do
pobrezinho de Assis para dar uma resposta adequada aos desafios
contemporâneos.
Há coisas que são óbvias e que vamos nos
esquecendo ao longo do tempo. Por exemplo o fato de que somos irmãos. Algo tão
elementar! Se nos esquecemos do óbvio é, exatamente, porque alguma coisa não
vai muito bem.
Talvez o advento das redes sociais tenha
acentuado a agressividade e destruído essa verdade, uma vez que hoje é possível
atacar e destruir a honra de alguém, sem se identificar e se escondendo por
detrás de um perfil falso na internet.
O certo é que cresce a intolerância e a alterofobia. Aqui
vale a pena uma consideração. Abrir-se ao diferente não significa, em hipótese
alguma, renunciar à própria identidade e ao ethos. Talvez aqui
esteja o ponto nevrálgico e a grande fronteira. O primeiro passo é consolidar a
própria identidade, a identidade cultural é uma espécie de proteção. Praticar a
amizade social talvez seja imitar a atitude do Diácono Filipe que, em Atos dos
Apóstolos, subiu na carruagem do Eunuco etíope para explicar as Escrituras (At
8, 26-40). Ele não tem nome, sendo assim, ele é um personagem emblemático e
representa todos aqueles que carecem de um sentido para a vida. Praticar a
amizade social é ter a capacidade de entrar na carruagem da vida do outro e em
sua dinâmica vital, como um território sagrado. Porém, ao mesmo tempo
compreender que a abertura ao outro exige fortalecimento da própria identidade
e respeito e delicadeza para com o outro.
Há também alguns impasses a serem apreciados:
um dos três paradoxos do filósofo Karl Popper permanece atual “podemos tolerar
a intolerância?” A questão permanece em aberto, em uma sociedade cada vez mais
fragmentada e polarizada, quem define quem são os intolerantes? Penso que aqui
o grande parâmetro seja a atitude do Filho de Deus, Jesus de Nazaré,
particularmente para nós cristãos.
Enfim, há algo que não vai bem! Lembro-me de algumas cenas plásticas do nosso interior, certamente recorrentes em tantos lugares. No interior em meio a eleições polarizadas, dois compadres, de partidos diferentes, se encontram, se cumprimentam e desejam boa sorte um ao outro na véspera do pleito e mantém a amizade. Havia aqui um vínculo anterior, mais forte que o político e que era quase indestrutível. Quando isso se perdeu? Por que se perdeu? Não se trata de saudosismo e nem mesmo dizer que não havia conflitos no passado, mas antes resgatar essas sementes de esperança, capazes de construir o novo.
É preciso dar um passo. Vamos espalhando migalhas de esperança, elas fazem a diferença, como os cinco pães e dois peixes no episódio da multiplicação dos pães. Oportuna essa reflexão do secretário executivo das Campanhas da CNBB: “Que tal começar indo visitar um vizinho ainda desconhecido? Que tal tomar a iniciativa da reconciliação com um familiar de quem nos afastamos? Que tal celebrar e viver a reconciliação em nossas comunidades? Que tal vencer a omissão e denunciar toda forma de racismo e tantos outros males presentes na nossa sociedade? Que tal conscientizar sobre a coleta nacional da solidariedade, que se realizará no próximo domingo de Ramos, e promovê-la, já que ela socorre centenas de projetos sociais por todo o Brasil.” Uma santa quaresma para todos e todas!
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