A LITURGIA NO MISTÉRIO DA IGREJA
Cardeal Orani João Tempesta
Arcebispo do Rio de Janeiro (RJ)
Cadernos do Concílio – Volume 6
Dando continuidade à reflexão sobre a Coleção
“Cadernos do Concílio” em preparação ao jubileu do próximo ano, hoje nos
debruçaremos no volume seis (6) dessa coleção que traz como tema: “A
liturgia no mistério da Igreja”. O autor é Arturo Elberti da coleção
realizada pelo Dicastério para a Evangelização, Seção para as questões
fundamentais da Evangelização no mundo, traduzida e publicada pelas Edições
CNBB. A liturgia sempre foi uma preocupação da Igreja logo no alvorecer do
Concílio Ecumênico Vaticano II (um dos primeiros documentos aprovado e
publicado), possibilitando uma maneira com que os fiéis participassem melhor da
liturgia e do mistério pascal de Cristo.
A liturgia é o centro da Igreja, com uma
liturgia bem participada e bem-preparada é possível chegar ao ápice do mistério
pascal de Cristo. Antes do Concilio Vaticano II os fiéis não entendiam muito
bem o que acontecia durante a missa e com isso não chegavam ao ápice do
mistério Pascal. Inclusive a sineta que toca até hoje na celebração Eucarística
na hora da consagração, era tocada no momento da consagração para que os fiéis
voltassem a atenção ao altar naquele momento.
Por isso, os padres conciliares resolvem
atualizar a forma de celebrar a Santa Missa e a liturgia passa a ser possível
ser celebrada na língua vernácula. A missa passou a contar com uma maior
participação dos fiéis. Houve o que o Concílio chama de “uma celebração
Eucarística renovada”.
Com a reforma litúrgica mudou-se apenas a
maneira de celebrar, mas não se perdeu a essência do mistério celebrado. Desde
o início da Igreja primitiva, com os apóstolos nos primeiros séculos já se
celebrava a Eucaristia, que consistia no essencial que conhecemos até hoje que
é: Anúncio da Palavra e Partilha do Pão. Até hoje, quando vamos à missa,
participamos de duas grandes mesas: a da Palavra e a da Eucaristia. Isso não
mudou, o que ocorreu é que desde os primeiros séculos da Igreja a celebração da
Missa foi se adaptando às novas realidades.
Santo Agostinho fala o seguinte sobre a Santa
Missa: “Sendo Deus onipotente, não pôde dar mais; sendo sapientíssimo,
não soube dar mais; e sendo riquíssimo, não teve mais o que dar”. A Eucaristia
é o pão de cada dia que se toma como remédio para a nossa fraqueza de cada
dia”. (Santo Agostinho 354 -430). Essa frase de Santo Agostinho nos
ajuda a compreender que não importa a maneira que a missa é celebrada, não
devemos nos distanciar do essencial.
Houve uma mudança também na celebração dos
rituais de alguns sacramentos, pois além de atualizar a maneira de celebrar a
Santa Missa, foi necessário repassar também todos os sacramentos, colocando em
destaque o rito e o conteúdo teológico de cada um deles. Também foram revistos
os ritos de ordenação, a benção dos óleos, a benção do Abade e das Abadessas, a
consagração das virgens, a profissão religiosa, a dedicação de uma Igreja e a
bênção do altar e o ritual de Exéquias.
Ainda em 1970, o Papa Paulo VI no mês de
novembro, introduziu na Igreja a nova edição da liturgia das horas. Ela
tornou-se uma oração pública da Igreja, povo de Deus, não apenas reservada ao
clero somente ou a algumas ordens religiosas, mas podendo ser rezada também
pelos fiéis leigos.
Podemos observar que a liturgia como um todo
não é somente a celebração Eucarística, mas engloba todos os sacramentos e
todas as orações da Igreja. Muitas vezes limitamos a liturgia à celebração da
missa, mas até mesmo para celebrar os sacramentos, ou a liturgia das horas, é
necessário ter uma preparação litúrgica. A liturgia ajuda a reger o rito
celebrado, para que tudo saia dentro dos conformes.
A liturgia tem uma ligação estreita com a
história da salvação, pois remete aos textos sagrados do Antigo Testamento, até
chegar aos textos que falam da paixão, morte e ressurreição do Senhor e ao
ápice do mistério pascal de Cristo. A palavra “mistério” sempre esteve
presente, desde o Antigo Testamento, mistério é aquilo que não conseguimos ver
aqui, mas contemplaremos de maneira definitiva na vida eterna. Por isso, ao
final da consagração o sacerdote diz: Mistério da fé, pois
aquilo que aconteceu ali naquele momento só contemplaremos verdadeiramente no
céu.
Um documento que retrata toda essa riqueza
litúrgica, e que foi publicado ao longo do Concílio Vaticano II, é a
Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium: recomendo que
todos façam a leitura desse documento. Essa mesma Constituição Conciliar diz
que Cristo continua presente na Igreja por meio da Liturgia. Uma liturgia bem
celebrada e bem-organizada nos conduz para o mistério de Cristo. É claro que
além de bem celebrada e organizada para que que cheguemos ao ápice do mistério
de Cristo é preciso que todos participem atentamente.
A presença de Cristo na liturgia se dá nas
seguintes formas: a) no sacrifício e precisamente no presbítero; b) nos
“Sacramentos”, porque Cristo está presente neles; c) na Palavra proclamada na
assembleia. Temos a presença real de Cristo na Eucaristia, que é uma presença
perpétua, pois mesmo após a consagração Ele permanece presente e real no
sacrário. Nos demais sacramentos Ele está presente enquanto acontece aquele
sacramento. Bem sabemos que Jesus instituiu todos os sacramentos, por isso, de
maneira evidente Ele está presente em todos.
Em tudo isso, celebramos aqui na terra aquilo
vivenciaremos de maneira definitiva no céu. Como dizemos após a oração do Pai
Nosso no rito da comunhão: “Enquanto vivendo a esperança, aguardamos a
vinda gloriosa de Nosso Senhor Jesus Cristo”. Somos a Igreja peregrina
a caminho da Igreja celeste, caminhamos ao encontro do Senhor.
Como já dissemos a celebração do mistério
acontece desde o tempo apostólico, pois os discípulos já anunciavam a paixão,
morte e ressurreição do Senhor. A cada celebração da missa é atualizado o
mistério Pascal de Cristo, na hora da consagração não é apenas uma repetição de
palavras, mas é como se acontecesse novamente ali a última ceia.
Ao longo do tempo a Igreja foi personificando
a maneira de celebrar a liturgia, mas não perdendo a essência do mistério e da
liturgia que é Cristo. Durante a missa devemos nos esquecer de tudo o que
acontece do lado de fora e deixar para trás os nossos problemas, e nos
concentrar em tudo o que acontece ao longo da celebração. Para que o mistério
aconteça verdadeiramente em nossas vidas devemos estar
concentrados.
Todas as ações litúrgicas são para todo o
povo, como já reportamos acima, a liturgia não é do bispo ou do padre, ela é da
Igreja, e toda a ação litúrgica é direcionada a todo o corpo da Igreja. “As
ações litúrgicas não são pessoais, mas celebrações da Igreja que é sacramento
da unidade, isto é, povo santo reunido e orientado pelos Bispos” (SC,
n.26).
Recomendo que para uma melhor compreensão da liturgia e para que possamos nos aprofundar no tema leiamos a “Sacrosanctum Concilium”. Ao ler o documento que possamos entender que a reforma litúrgica foi necessária, e ainda compreender o mistério que é celebrado. Lembremos sempre que a liturgia está no coração da Igreja.
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