A SEXTA-FEIRA SANTA: MISTÉRIO DA NOSSA REDENÇÃO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
Na Sexta-Feira Santa, revivemos o mistério da
paixão, crucificação e morte de Jesus. Este é o único dia do ano em que a
Igreja Católica não celebra a Eucaristia nem os demais sacramentos, com exceção
da Penitência e da Unção dos Enfermos. O ato litúrgico mais significativo deste
dia é a Celebração da Paixão do Senhor, às 15 horas, que se compõe de três
partes: a liturgia da Palavra, a adoração da Cruz e a Sagrada Comunhão. A
espiritualidade cristã inclui também a celebração da Via-Sacra, a recitação do Ofício
da Paixão, a procissão do Senhor Morto e outras práticas de piedade ligadas às
tradições locais. É muito importante também santificar esse dia com jejum e
penitência e, no silêncio e na oração, contemplar o mistério da Paixão do
Senhor.
A Sexta-Feira da Paixão direciona nosso olhar
para a Cruz do Senhor, expressão do amor de Deus por nós, marco de uma nova
aliança entre Ele e a humanidade, selada pelo sacrifício redentor de seu Filho.
A cruz não apenas simboliza a humanidade de Deus, que assumiu as dores e
tragédias humanas para nos salvar do pecado, mas também nos convoca à
solidariedade e à transformação pessoal, unindo nossos sofrimentos aos de
Cristo para alcançar a redenção.
A morte de Cristo na cruz nos faz lembrar dos
sofrimentos e males que afligem o ser humano em todos os tempos: o peso
esmagador da morte, o ódio e a violência que ainda hoje ensanguentam a terra.
Embora a Sexta-Feira Santa seja um dia repleto de tristeza, é também uma
oportunidade propícia para despertar nossa fé, fortalecer nossa esperança e
coragem a fim de carregar nossa cruz com humildade, confiando em Deus e em sua
vitória.
A morte de Cristo nos interpela profundamente.
Quando foi preso, Ele poderia ter resistido com uma legião de anjos, mas
escolheu não reagir por meio da violência, recusando-se a usá-la como meio de
defesa. Na noite após a celebração da última ceia, traído por Judas, o Senhor
foi levado à prisão. Na mesma noite, foi julgado pelo Sinédrio. Na manhã de
sexta-feira, o Sinédrio o submeteu a um novo julgamento, acusando-o de
blasfêmia. Por fim, foi condenado à morte, pois o Senhor não pôde negar que
realmente é o Filho de Deus.
Após ser condenado pelo Sinédrio, que não
tinha autoridade para executar penas de morte, Jesus foi levado a Pôncio
Pilatos pelos líderes judeus, os quais solicitaram sua execução. Pilatos, não
encontrando culpa em Jesus, propôs torturá-lo e, em seguida, conceder-lhe o
indulto de Páscoa e libertá-lo. No entanto, eles rejeitaram a proposta e
influenciaram a multidão a pedir a liberdade para Barrabás e a pena de morte
para Jesus. Pilatos, renunciando à sua responsabilidade, “lava as mãos” e cede
à pressão popular, condenando Jesus à morte, apesar de sua inocência. Esse fato
nos faz refletir sobre como a justiça pode ser distorcida pela pressão da
opinião de uma massa manipulada e, movida pelo espetáculo, transformar-se em
vingança, condenando alguém à morte sem dar-lhe a ampla possibilidade de
defesa.
A morte de Cristo na cruz é um grande
mistério, difícil de compreender. Jesus, embora sendo Deus, optou por não usar
suas prerrogativas divinas e seu poder. Ao contrário, “despojou-se de si
mesmo”, assumindo radicalmente, exceto o pecado, a frágil condição humana até o
extremo da morte humilhante numa cruz (Fl 2, 6-11). Essa escolha não foi um
acidente, mas uma decisão deliberada de seguir o plano salvífico de Deus
Pai.
São Paulo interpreta esse acontecimento à luz
da fé. À arrogância e desobediência de Adão, ele contrapõe a humildade e
obediência de Jesus. Embora sendo Deus e sem pecado, ao tornar-se homem,
assumiu nossas debilidades, fez penitência em nosso lugar, carregando sobre
seus ombros nossos pecados. Submeteu-se a tudo por amor a nós, até a morte
humilhante na cruz. Por amor, “despojou-se de si mesmo” e tornou-se nosso
irmão, compartilhando nossa condição humana. Por sua obediência, Deus o exaltou
à sua direita, para que, “ao nome de Jesus, todo joelho se dobre no céu, na
terra e debaixo da terra, e toda língua proclame: ‘Jesus Cristo é o Senhor’,
para a glória de Deus Pai” (Fl 2, 10-11).
Reviver o mistério da Paixão de Cristo significa também buscar significado para os acontecimentos dolorosos de nossa história pessoal e coletiva. Por isso, devemos ter em mente, neste dia da Paixão do Senhor, as situações dramáticas que afligem tantos irmãos nossos no Brasil e em todas as partes do mundo, mostrando solidariedade e empatia com os sofredores e vítimas da maldade humana, da injustiça e da violência.
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