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domingo, 10 de março de 2024

A terceira pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa (I)

3ª Pregação da Quaresma 2024 - Cardeal Cantalamessa (Vatican News)

A terceira pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa

"Impusemo-nos em não falar, nestas meditações, do que devemos fazer pelos outros, mas somente do que Jesus é e faz por nós: de nos identificarmos com as ovelhas, mão com o pastor. Mas devemos fazer uma pequena exceção nesta ocasião. Apesar de todas as exortações do Evangelho, nem sempre está em nosso poder nos livrarmos do medo e da angústia. Em contrapartida, está em nosso poder libertar alguém (ou ajudá-lo a se libertar) deles."

Fr. Raniero Card. Cantalamessa, OFMCap
“EU SOU O BOM PASTOR”
Terceira Pregação da Quaresma de 2024

Continuemos a nossa reflexão sobre os grandes “Eu Sou” de Cristo no Evangelho de João. Desta vez, Jesus não se apresenta a nós com símbolos de realidades físicas inanimadas – o pão, a luz –, mas com um personagem humano, o pastor: “Eu – diz – sou o bom pastor!”. Escutemos a parte do discurso em que está contida a autoproclamação de Cristo:

Eu sou o bom pastor. O bom pastor dá sua vida pelas ovelhas. O mercenário, que não é pastor e a quem as ovelhas não pertencem, vê o lobo chegar, abandona as ovelhas e foge, enquanto o lobo as ataca e as dispersa. De fato, ele é apenas um mercenário e não se importa com as ovelhas. Eu sou o bom pastor. Eu conheço as minhas ovelhas e elas me conhecem, assim como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou minha vida pelas ovelhas (Jo 10,11-15).

A imagem de Cristo “Bom Pastor” tem um lugar privilegiado na arte e nas inscrições paleocristãs. O Bom Pastor é apresentado, segundo o módulo clássico, no esplendor da juventude. Traz sobre as costas a ovelha, bem segura pelas patas. A imagem joanina do bom pastor é já amalgamada com aquela sinótica do pastor que vai em busca da ovelha perdida (Lc 15,4-7).

O contexto da passagem sobre o bom pastor é o mesmo dos dois capítulos precedentes, isto é, a discussão com “os judeus”, que acontece em Jerusalém, por ocasião da festa das Tendas. Mas, em João, sabe-se que o contexto conta relativamente, porque, diferentemente dos Sinóticos, ele não está preocupado em nos dar um relatório histórico e coerente da vida de Jesus (que parece dar por conhecido), mas um conjunto de “sinais” e ensinamentos do Mestre. Contudo, estes jamais aparecem fora do tempo e do espaço, como acontece nos livros de teologia, mas situados em lugares e tempos precisos (às vezes, mais precisos do que os próprios Sinóticos), que lhes conferem um valor “histórico” no sentido mais profundo do termo.

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Digamo-lo também: a imagem do bom pastor, e aquelas vinculadas de ovelha e de rebanho, realmente não estão na moda hoje em dia. Ao nos chamar de ovelhas, não teme Jesus em ferir a nossa sensibilidade e ofender a nossa dignidade de homens livres? O homem de hoje rejeita orgulhosamente o papel de ovelha e a ideia de rebanho. Não se dá conta de como, porém, na realidade, ele viva a situação que ele condena na teoria. Um dos fenômenos mais evidentes da nossa sociedade é a massificação. Imprensa, televisão, internet, são chamados “meios de comunicação de massa”, não só porque informam as massas, mas também porque as formam, massificam.

Sem perceber, deixamo-nos guiar supinamente por todo tipo de manipulação e de persuasão oculta. Outros criam modelos de bem-estar e de comportamento, ideais e objetivos de progresso, e as pessoas os adotam; vão atrás, com medo de perder o passo, condicionados e sujeitados pela publicidade. Comemos o que nos dizem, vestimos como impõe a moda, falamos como ouvimos falar. Nós nos divertimos quando vemos um vídeo acelerado, com as pessoas que se movem por quadros, rapidamente, como marionetes; mas é a imagem que teríamos de nós mesmos se nos víssemos com um olhar menos superficial.

Para entender em que sentido Jesus se proclama o bom pastor e nos chama de suas ovelhas, é preciso referir-se à história bíblica. Israel foi, no início, um povo de pastores nômades. Os Beduínos do deserto nos dão hoje uma ideia daquela que um tempo foi a vida das tribos de Israel. Nesta sociedade, a relação entre pastor e rebanho não é somente de tipo econômico, baseada no interesse. Desenvolve-se uma relação quase pessoal entre o pastor e o rebanho. Dias e dias passados juntos em lugares solitários, sem qualquer alma viva por perto. O pastor acaba por conhecer tudo de cada ovelha; a ovelha reconhece a voz do pastor, que frequentemente fala em voz alta com as ovelhas, como se fossem pessoas. Isto explica como, para expressar sua relação com a humanidade, Deus se serviu desta imagem, hoje ambígua. “Ó Pastor de Israel, dá ouvido, tu, que conduzes José, como a uma ovelha”, reza o salmista (Sl 80,2).

Com a passagem da situação de tribos nômades àquela de povo sedentário, o título de pastor é dado, por extensão, também àqueles que fazem as vezes de Deus na terra: os reis, os sacerdotes, os chefes em geral. Mas, neste caso, o símbolo se divide: não evoca mais apenas imagens de proteção, de segurança, mas também de exploração e opressão. Ao lado da imagem do bom pastor, aparece a do mau pastor. No profeta Ezequiel, encontramos uma terrível denúncia contra os maus pastores que apascentam apenas a si mesmos; nutrem-se de leite, vestem-se de lã, mas não cuidam minimamente das ovelhas, as quais tratam “com dureza” (cf. Ez 34,1ss). A esta denúncia contra os maus pastores, segue uma promessa: Deus mesmo, um dia, assumirá o cuidado amoroso de seu rebanho:

Procurarei a ovelha perdida, reconduzirei a desgarrada, enfaixarei a quebrada, fortalecerei a doente (Ez 34,16).

Jesus, no Evangelho, retoma este esquema do bom e do mau pastor, mas com uma novidade. “Eu – afirma – sou o bom pastor!”. A promessa de Deus tornou-se realidade, superando toda expectativa.

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Tradução de Fr. Ricardo Farias

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF