Altruísmo ou egoísmo? As verdadeiras razões pelas quais as pessoas doam
para caridade.
- Tim
Harford
- Apresentador
do programa 50 Things That Made the Modern Economy
17 dezembro 2019
"Não é da benevolência
do açougueiro, cervejeiro ou padeiro que garantimos nosso jantar, mas da
preocupação deles com o próprio interesse. Não devemos nos dirigir à humanidade
deles, mas ao amor próprio, e jamais falar das nossas necessidades, mas sim das
vantagens que eles têm a receber."
Quando o economista Adam
Smith estava escrevendo, em 1770, The Wealth of Nations (A
Riqueza das Nações), um de seus livros mais influentes, sua caixa de
correio provavelmente não recebia cartas com imagens comoventes de crianças
famintas, com pedidos de doação.
E quando passeava pela sua
cidade natal, Kirkcaldy, em Fife, na costa da Escócia, provavelmente não era
abordado por homens e mulheres pedindo para que ele se cadastresse para fazer
doações mensais a instituições de caridade.
Hoje em dia não é incomum
sermos abordados pessoalmente, por telefone, via televisão, rádio ou correio,
para que façamos doações. E os argumentos usados normalmente focam não em
vantagens que receberíamos, mas nas nas necessidades dos beneficiários.
Caridade se tornou um grande
negócio, embora seja difícil saber o tamanho exato— há poucas estatísticas
sobre isso.
Um estudo recente estima que
os britânicos doam 54 centavos de libra esterlina de cada £ 100 que possuem (R$
535,90). Isso é três vezes mais que os alemães, mas apenas um terço do que os
americanos doam.
O valor doado pelos
britânicos é equivalente ao que eles gastam com cerveja, não muito menos do que
gastam com carne e três vezes mais que o gasto na compra de pão. Ou seja, em
termos de importância econômica, as instituições de caridade estão em igualdade
com o açougueiro, o cervejeiro e o padeiro.
Segundo relatório de 2019 do
Charities Aid Foundation, no Brasil, sete em cada 10 pessoas doaram dinheiro
nos últimos 12 meses a uma organização social, igreja ou organização religiosa.
O mestre da estratégia de obter doações
A caridade é tão antiga
quanto a humanidade. O costume religioso do dízimo - de doar 10% dos salários
para causas da igreja - faz o valor de 54 centavos de libra de cada £ 100
parecer irrisório.
Mesmo assim, a verdade é que
diferentes impostos e contribuições substituíram o dízimo na vida moderna e
muitas organizações de caridade não têm a vantagem de dizer que falam em nome
de Deus.
Elas precisam ser
profissionais em termos de persuasão. E há um homem considerado o pai desse
setor: Charles Summer Ward.
No final do século 19, ele
começou a trabalhar na Associação Cristã de Moços (YMCA, na sigla em inglês).
Ward era um "homem de tamanho médio, tão sutil nos seus modos" que
ninguém suspeitaria do seu poder de levantar fundos, resume o jornal New York
Post.
Essa capacidade singular foi
reconhecida pela primeira vez em 1905, quando seus empregadores o enviaram a
Washington DC para angariar fundos para a construção de um novo prédio.
Ward encontrou um rico
doador para fazer uma grande contribuição, sob a condição de que o público
complementasse o restante. Ele, então, estabeleceu um prazo fictício para que
isso acontecesse e conseguiu os recursos no tempo previsto.
Ward passou a aplicar
amplamente seus métodos— estabelecimento de um deadline, prazo delimitado para
a campanha, monitoramento e divulgação do progresso dessa campanha, e
estratégias de publicidade calculadas militarmente.
Nos tempos atuais, esses
métodos soam familiares, mas quando Ward foi a Londres em 1912, eles eram
novidade.
O jornal The Times se
impressionou com "seu conhecimento da natureza humana e sua perspicaz
aplicação de princípios de negócios para assegurar vantagens num momento
psicológico".
A Primeira Guerra Mundial
trouxe mais inovações: loterias e dias da bandeira, que se assemelham às atuais
pulseiras, broches e adesivos que demonstram que você doou algum dinheiro.
Em 1924, Ward tinha uma
empresa de levantamento de fundos e divulgava o quanto havia conseguido em
doações para todo tipo de setor, de escoteiros a templos maçons.
Para os herdeiros modernos
de Charles Summer Ward, o que conta como "aplicação perspicaz de
princípios de negócios"?
Podemos obter pistas de
executivos de marketing entrevistados pelo jornal britânico The Guardian.
Imagens de crianças com fome não alcançam tantas curtidas nas redes sociais,
dizem. Em vez disso, invista em construir uma marca, em engajamento e entretenimento.
O que nos motiva doar?
Economistas também têm
pesquisado o que motiva alguém fazer uma doação. A teoria da "sinalização
de altruísmo" diz que doamos para impressionar outras pessoas.
Isso pode ajudar a explicar
a popularidade de pulseiras, broches e adesivos — eles mostram ao mundo não
apenas as causas que importam para nós, mas também a nossa generosidade.
Há também uma teoria que diz
que doamos para nos sentir bem ou menos culpados.
Mas investigações empíricas
dessas ideias produziram resultados decepcionantes. O economista John List e
seus colegas mandaram pessoas baterem nas portas de casas. Alguns pediram
doação, outros venderam bilhetes de loteria para a mesma causa nobre.
Os bilhetes de loteria
renderam mais, o que não surpreendeu. Mas os pesquisadores também descobriram
que mulheres jovens e atraentes pedindo doações obtinham resultados tão bons
quanto os dos que venderam bilhetes de loteria.
O estudo destaca que esse
desempenho se deu principalmente quando homens atenderam as campainhas.
Esse resultado reforça a
teoria da "sinalização de altruísmo" — neste caso fica claro quem os
homens que doaram queriam impressionar ao concordar com a contribuição.
Outro economista, James
Andreoni, estudou a teoria segundo a qual doamos para nos sentir bem. Ele
perguntou o que aconteceu com doações particulares após uma instituição começar
a ganhar subsídios do governo.
A tese dele era a de que, se
os doadores davam dinheiro puramente pelo desejo altruísta de garantir o
funcionamento da instituição de caridade, então as doações seriam desviadas
para outras causas nobres quando o subsídio entrasse em vigor.
Mas isso não aconteceu, o
que sugere, segundo Andreoni, que as doações não eram puramente altruísticas.
Agora, se as instituições
estão vendendo a possibilidade de o doador se sentir bem consigo mesmo, isso
não daria a elas grandes incentivos para, de fato, fazer algo de útil. Elas só
precisariam saber vender uma boa história.
Efetividade
Algumas pessoas, ao decidir
sobre fazer ou não uma doação, obviamente levam muito a sério a eficácia e o
bem que as instituições de caridade fazem. Há movimentos que advogam pelo
"altruísmo efetivo", como o GiveWell (Doe Bem, em português), que
estuda a eficácia de instituições de caridade e recomenda as que aparentemente
merecem nosso dinheiro.
Os economistas Dean Karlan e
Daniel Wood estudaram se a comprovação de eficácia, de fato, aumenta a
angariação de fundos.
Eles enviaram a doadores de
uma instituição uma correspondência com a história emocionante de uma
beneficiária chamada Sebastiana. "Ela não conheceu nada além de pobreza
abjeta durante toda a vida", dizia o panfleto.
Outros doadores receberam a
mesma história com um parágrafo adicional dizendo que "rigorosos métodos
científicos" confirmaram o impacto da instituição.
O resultado? Algumas pessoas
que antes contribuíram com grandes doações pareceram impressionadas e doaram
quantias ainda maiores. Mas a soma total não foi maior, porque pequenos
doadores deram menos dinheiro.
O mero fato de mencionar
ciência parece ter atenuado o apelo emocional, afetando o efeito potencial de
doar para "se sentir bem consigo mesmo" ou "menos culpado".
Isso pode explicar o motivo
do GiveWell não testar grandes instituições de caridade como Oxfam, Save the
Children e World Vision.
O autor desse texto escreve para a coluna Economista Disfarçado, do jornal britânico Financial Times. O programa 50 That Made the Modern Economy é transmitido pelo serviço mundial da BBC.
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese
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