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domingo, 10 de março de 2024

AS REALIDADES ESCATOLÓGICAS (PARTE II)

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AS REALIDADES ESCATOLÓGICAS (PARTE II)

Da Benedictus Deus (Bento XII) a Exsurge Domine (Leão X)

4) Constituição Benedictus Deus de Bento XII (29/01/1336)


A Constituição Benedictus Deus de Bento XII é um dos documentos mais importantes do Magistério sobre escatologia; deram-lhe ensejo alguns sermões pronunciados por João XXII, seu predecessor que, a título pessoal e como doutor privado, havia pregado na Festa de Todos os Santos e no terceiro domingo do Advento de 1331 que os eleitos não gozavam da visão de Deus senão depois da ressurreição final. Em 05/01/1332 acrescentou que também os réprobos só padecem completamente o suplício eterno depois do Juízo universal; não que ele negasse que tanto o céu como o inferno começassem, respectivamente, para justos e pecadores, logo após a morte, mas se afastava da doutrina tradicional e sufragava esta novidade invocando o testemunho de alguns santos, particularmente São Bernardo de Claraval⁹. Houve grande clamor e João XXII, depois de ponderar as objeções contrárias, alimentou a intenção de definir a questão no sentido tradicional, mas não teve tempo para isso, porque a morte o colheu quando já havia submetido suas opiniões privadas ao Juízo da Igreja. Coube a Bento XII, dois anos depois da morte do seu predecessor, desfazer a confusão¹⁰.

A Constituição Benedictus Deus é um documento ex cathedra, a julgar pelas fórmulas definitórias que emprega: o objetivo primeiro é definir o estado das almas logo após a morte, mas indiretamente examina também em que consiste a bem-aventurança eterna, que é essencialmente a visão imediata de Deus. Além disso, insiste na eternidade, que é uma duração infinita”. O Concílio de Florença e os últimos documentos do Magistério se inspiram nesta constituição”¹¹.

Do estado depois da morte

“Com a presente constituição, que permanecerá sempre em vigor, definimos com Autoridade Apostólica que: segundo a ordenação geral de Deus, as almas de todos os santos, que morreram antes da Paixão de Nosso Senhor Jesus Cristo, como também as dos santos Apóstolos, mártires, confessores, virgens e dos outros fiéis mortos depois de terem recebido o santo Batismo de Cristo, nos quais nada havia a purificar quando morreram, ou as [almas] dos que venham a morrer [quando decedent etiam in futurum]¹² sem nada terem que purificar; ou, então, no caso em que tiveram ou tenham algo que purificar, desde que estejam purificadas depois da morte; e as almas das crianças renascidas pelo mesmo Batismo de Cristo, e as [almas] das que hão de ser batizadas, desde que o sejam e vierem a morrer antes do uso da razão: [todas estas almas], imediatamente depois de sua morte e da purificação de que falamos para aqueles que tiverem necessidade dela, ainda antes da reassunção de seus corpos e do Juízo universal, depois da Ascensão do Salvador, Nosso Senhor Jesus Cristo, ao céu – estiveram, estão e estarão no céu, admitidos na companhia dos santos anjos, no Reino dos céus e no Paraíso celeste, com Cristo.”

“E depois da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus Cristo viram e veem a Essência Divina com visão intuitiva e face a face, sem mediação de criatura como objeto de visão [nulla mediante creatura in ratione obiecti visi se habente], mas a Essência Divina se lhes manifesta de modo imediato, sem véus [nude], clara e abertamente; e por esta visão gozam da Essência Divina, e por esta visão e fruição são verdadeiramente bem-aventuradas as almas dos que partiram deste mundo e receberam a vida e o descanso eterno; e as dos que morrerem depois verão também a Essência Divina e Dela gozarão antes do Juízo universal.”

“Esta visão da Essência Divina e sua fruição tornam desnecessários [evacuant] nestas almas os atos de Fé e de Esperança, enquanto a Fé e a Esperança são virtudes propriamente teologais [prout fides et spes propriae theologicae sunt virtutes]; além disso, depois que nestas almas começou ou vier a começar esta visão intuitiva e face a face [talis intuitiva ac facialis visio] e sua fruição, esta visão e fruição continuarão a existir ininterruptamente e sem nenhum esvaziamento [evacuatione] da visão e fruição, e continuará até o Juízo final, e daí para toda a eternidade [et ex tunc usque in sempiternum].”

“Definimos ainda que, segundo a ordenação geral de Deus, as almas dos que morrem em estado de pecado mortal atual descem ao inferno logo depois da morte [animae decedentium in actuali peccato mortali mox post mortem suam ad inferna descendunt], onde são atormentadas com suplicios infernais [ubi poenis infernalibus cruciantur]; e que, não obstante, no dia do Juízo, todos os homens comparecerão com seus corpos “diante do tribunal de Cristo” para prestar contas dos próprios atos, “a fim de que cada um receba a retribuição das obras feitas, para o bem ou para o mal, enquanto estava no corpo” (2 Cor 5, 10).”

5) Carta Super quibusdam de Clemente VI (29/09/1351)

Entre os 74 quesitos propostos por Clemente VI ao mekhitar (consolador) da Armênia, para avaliar a ortodoxia de sua fé, dois são sobre o purgatório e a visão beatífica.

[TEXTO: C. BARONIUS, Annales Ecclesiastici, ano 1351, 3, 15].

“Perguntamos se creste e crês que existe o purgatório, ao qual descem as almas dos que morrem em estado de graça, mas que ainda não repararam [satisfecerunt] seus pecados com uma penitência completa.”

“Igualmente perguntamos se creste e crês que [estas almas] são atormentadas temporariamente com fogo; e que, uma vez purificadas, ainda antes do dia do Juízo chegam à verdadeira e eterna bem-aventurança, que consiste na visão face a face e no amor [dilectione] de Deus.”

6) Concílio de Florença (XVII ecumênico) Bula Laetentur coeli de Eugênio IV (sess. VI-06/07/1439)

O II Concílio de Lyon e o de Florença foram obrigados a voltar a atenção para alguns pontos de atrito entre gregos e latinos a respeito da escatologia. O de Florença não fez senão reproduzir o texto do de Lyon, quase ao pé da letra, servindo-se também da Constituição Benedictus Deus e evitando, portanto, as palavras “fogo” e “purgatório”. Não deixa de acrescentar, porém, a referência à visão de Deus Uno e Trino e à perfeição da visão, proporcionada ao mérito”.

Da mesma forma [definimos que] “aqueles que estão verdadeiramente arrependidos, se vierem a morrer em estado de graça [in Dei caritate] antes de terem praticado atos de reparação [satisfecerint] com frutos dignos de penitência (cf. Mt 3,8; Lc 3,8) pelo que cometeram ou omitiram, depois da morte suas almas são purificadas com as penas do purgatório (…), e os sufrágios dos fiéis vivos lhes são proveitosos para alívio destas penas: ou seja, o Sacrifício da Missa [missarum (…) sacrificia], as orações, as esmolas e outras práticas de piedade que os fiéis costumam oferecer pelos outros fiéis, segundo as instituições da Igreja”.

Mas “as almas daqueles que, depois de terem recebido o (…) Batismo, não incorreram em nenhuma mancha de pecado, como também aqueles que, depois de terem contraído a mancha do pecado, se purificaram (…), seja enquanto viviam no corpo, seja depois de tê-lo deixado, como já foi dito: [estas almas] são imediatamente recebidas no céu” e contemplam claramente o próprio Deus, tal como Ele é [sicuti est], Uno e Trino; uns, no entanto, de modo mais perfeito que outros, segundo os méritos.”
“As almas, porém, dos que morrem em pecado mortal atual, ou apenas com o pecado original, precipitam-se imediatamente no inferno para serem punidas, mas com penas desiguais”.

7) Bula Exsurge Domine de Leão X (15/06/1520)

Num primeiro momento Lutero não achava dificuldade em aceitar o purgatório, mas negava que sua existência pudesse ser provada pela Sagrada Escritura; foi esta a tese do heresiarca na disputa de Leipzig (1519). Na realidade, ele contestava a canonicidade dos dois livros dos Macabeus, onde está a passagem clássica sobre o sufrágio pelos mortos (2 Mc 12, 41-46). Mais tarde, porém (1530), negou tudo, segundo a lógica do seu sistema: admitida a justificação só pela fé, a que é atribuída a justiça de Cristo, não pode haver lugar para um estado intermediário entre a condenação e a salvação eterna. O homem em si mesmo continua sempre pecador e merecedor da condenação eterna; se a sua fé lhe garante a justiça de Cristo, que é infinita, então esta justificação se torna perfeita e nada mais lhe pode retardar a salvação. Por isso, para Lutero, a intervenção da Igreja com as indulgências e a intercessão dos santos tornam-se supérfluas. Os reformadores ortodoxos seguem fielmente esta teoria até os nossos dias. Esta a razão por que o Concílio de Trento incluiu a doutrina sobre o purgatório no decreto sobre a justificação.

A Bula Exsurge Domine condena quatro proposições luteranas sobre o purgatório: como dissemos, naquele tempo o herege discordava da Fé católica, mas ainda não chegava a negá-la explicitamente.

[Proposições condenadas]

“37. Não se pode provar o purgatório com nenhum texto canônico da Sagrada Escritura.”

“38. As almas no purgatório não estão seguras de sua salvação, pelo menos nem todas: e não está provado, nem pela razão, nem pelas Escrituras, que elas estejam fora do estado de poder merecer ou aumentar a Caridade.”

“39. As almas no purgatório pecam continuamente, enquanto buscarem o descanso e tiverem horror das penas.”

“40. As almas saídas do purgatório pelos sufrágios dos vivos gozam de menor bem-aventurança [minus beantur] do que se tivessem feito a reparação por si mesmas [si per se satisfecissent].”

Fonte: https://apologistasdafecatolica.wordpress.com/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF