No Congresso Nacional tramita há
mais de 30 anos o Projeto de Lei (PL) 442/1991, sobre a legalização dos jogos
de azar. Depois de várias tentativas frustradas de aprovação, o PL 442/91 foi
novamente retomado com força total e já passou pela Câmara dos Deputados,
esperando ser apreciado e votado no Senado.
Cardeal
Odilo Pedro Scherer - Arcebispo de São Paulo
Ao que tudo
indica, além da pressão de grupos interessados na legalização dos jogos de azar
no Brasil, desta vez a busca de arrecadação para o erário poderia levar vento
favorável aos militantes da causa. De fato, um dos argumentos invocados é de
que a aprovação do PL 442/91 poderia contribuir para o cumprimento das metas de
arrecadação do governo.
Qual seria
o problema e que mal haveria na legalização dos jogos de azar? Alguns invocam o
respeito à liberdade individual e que o Estado não deveria proibir essa
prática, deixando ao cidadão a liberdade de escolha sobre o que deseja fazer ou
deixar de fazer. Desconsidera, porém, esse argumento que a prática da jogatina
leva, muitas vezes, a uma paixão compulsiva e a uma dependência extremamente
maléficas pelo jogo. A ludopatia, ou doença do jogo, é difícil de ser tratada e
seu desfecho, depois de ocasionar muito sofrimento também para terceiros, leva
à frustração econômica e social e, não raro, ao suicídio.
Argumenta-se,
também, que outros países, onde o jogo é legal, tiram vantagens turísticas
dessa prática. E logo se pensa em Las Vegas, Monte Carlo e outros paraísos da
jogatina. Seria essa uma aposta promissora para o Brasil? Parece pouco
provável, pois o fluxo turístico significativo não transita por cassinos e
locais de jogos de azar, mas atrai muito mais quem mora perto. Sem esquecer que
há muitos outros pontos de interesse para o turismo de massa. Não falta ao
Brasil um potencial turístico maravilhoso, sem precisar de jogos de azar.
Por que
motivo não legalizar os jogos de azar, uma vez que eles acontecem igualmente,
de modo clandestino, sem que haja benefícios tributários? Em resposta, cabe uma
nova pergunta: quem assegura que, quando os jogos de azar forem legalizados, as
contravenções, os jogos clandestinos e a lavagem de dinheiro serão debelados de
maneira eficaz? É sabido que o submundo dos jogos de azar é dominado por fortes
grupos ilegais que, certamente, relutarão para renunciar a tão promissores
campos de ganho fácil. De maneira semelhante, a legalização do comércio do
cigarro não debelou o seu comércio clandestino no Brasil.
Pareceria
razoável legalizar os jogos de azar, uma vez que se trata de uma prática
irrefreável. Mas, mal comparando, pode-se perguntar se a solução para o desvio
de impostos seria a legalização dessa prática. Não se torna boa, mediante a
legalização, uma prática ilegal, ilícita e maléfica, que gera graves danos e
sofrimentos humanos. Além disso, o custo social, a fiscalização e o controle
precisam ser considerados nessa conta. Ao legalizar a jogatina, o Estado deverá
controlar seriamente e investir somas enormes em segurança e repressão dos
crimes relacionados com os jogos de azar.
Será real a
expectativa de que as atividades de jogatina vão trazer novas iniciativas
econômicas? Certamente, podem ser gerados empregos e tributos. Mas, em
contrapartida, haverá atividades econômicas seriamente ameaçadas e até
destruídas pela jogatina. Não faltam histórias de falências econômicas pessoais
e empresariais por causa da paixão pelos jogos de azar. Além do mais, o jogo
que se pretende legalizar não será uma atividade econômica aberta a novos
empreendedores, uma vez que ela já tem donos poderosos.
Não se pode
desconsiderar o risco de aumento do crime organizado, da lavagem de dinheiro e
dos crimes contra a pessoa. A ludopatia não traz problemas apenas para quem se
envolve nessa atividade, mas também para muitas outras pessoas. A legalização
da jogatina pode gerar lucros enormes para a própria indústria dos jogos, mas
vai socializar imensos custos para a sociedade, que terá de se encarregar dos
perdedores, não apenas do seu dinheiro e patrimônio, engolidos pelas tentadoras
máquinas de vender ilusões, mas também da saúde mental e da perda do seu lugar
social e produtivo. Ninguém tenha ilusões: o Estado e a sociedade serão
chamados em causa para pagar a conta de tantos novos desvalidos e perdedores de
seus bens e de muito mais.
Honestamente, que vantagem o Brasil e o povo brasileiro teriam com a legalização de mais esta espécie de entorpecente psicológico e moral, capaz de fazer vítimas e causar danos e sofrimentos? Já não bastam os malefícios do consumo desenfreado de entorpecentes, com todo o pacote de males que espalha? A quem interessa a legalização dos jogos de azar e quem espera tirar grandes vantagens com isso? Mesmo com o aceno a algumas possíveis vantagens tributárias, é preciso pesar muito bem as desvantagens que a legalização dessa atividade vai acabar trazendo para o Estado e para a sociedade. Em vez de serem legalizados, os males devem ser prevenidos e debelados.
Publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo em 9 de março de 2024
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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