O DESAFIO DA BUSCA DE SENTIDO NÃO OBSTANTE AS CONTROVÉRSIAS DO NIILISMO
Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)
A questão do sentido da vida, na perspectiva
da controvérsia niilista, torna-se extremamente problemática. Aparentemente, o
niilista nega radicalmente o problema do sentido da vida. Entretanto, quando
examinamos suas teses, apenas aparentemente ele elimina a questão do sentido.
Na verdade, tudo que o niilista pretende é resolver a questão de forma
inteiramente autônoma, sem nenhuma referência a valores transcendentes, ao
absoluto, ou, em uma palavra, Deus. O niilista se insurge contra os valores da
tradição, aposta na desagregação, contesta tudo para, em seguida, ele mesmo
colocar-se naquela posição originária que não remete a nenhum fundamento, para
criar novos valores, na transvalorização de todos os valores.
Para compreender o impacto avassalador do
niilismo, convém relembrar brevemente sua história. Originando-se nas
controvérsias do idealismo alemão, o niilismo ganhou força na segunda metade do
século XIX, tornando-se um tema central de discussão na filosofia e na
literatura. Nietzsche (1844-1900), com sua afirmação da “morte de Deus”, ou
seja, da derrocada das crenças tradicionais, é considerado um dos principais
teóricos do niilismo. A palavra, entretanto, teria surgido pela primeira vez,
em âmbito literário, com o escritor russo Ivan Turgenev (1818-1883), no
romance Pais e Filhos (1862). O niilismo, etimologicamente
enraizado na palavra “nihil” (nada), representa uma postura filosófica obcecada
pela ausência de significado e propósito. Ao negar os valores tradicionais e
transcendentais, o niilista confronta a própria essência da existência humana,
lançando dúvidas sobre a validade de nossas crenças e convicções mais
profundas.
Além de sua repercussão no ambiente filosófico
do século passado, o niilismo emerge em outras esferas da experiência humana.
Em um mundo marcado pelo desmantelamento dos valores tradicionais e pela
ascensão do vazio existencial, o niilismo emerge como um protagonista sombrio,
questionando a própria razão de nossa existência neste universo aparentemente
desprovido de significado. A crise de valores, a negação da humanidade do outro
através das diversas formas de intolerância e violência, a alienação social são
apenas algumas das consequências desse fenômeno complexo e multifacetado. À
medida que a sociedade contemporânea se debate com o impacto corrosivo do
niilismo, torna-se imperativo explorar suas ramificações em todos os aspectos
da vida moderna.
Em seu cerne, o niilismo desafia diretamente o
problema do sentido da vida. Ao negar radicalmente qualquer fundamento
transcendente, ele lança os seres humanos em um abismo de incerteza e desespero
existencial. A busca por significado torna-se uma jornada solitária e
desafiadora em mundo caótico e sem propósito. Não faltam exemplos desse
mal-estar. Muitas pessoas vivem precariamente, enfrentando doenças, medo,
desespero, negação de sua dignidade, relegadas à invisibilidade e ao anonimato,
mesmo em países considerados ricos. Como encontrar significado em meio à
desigualdade e à precariedade e a falta de empatia? Há uma acentuação do
individualismo e uma crise de identidade que atinge também o homem religioso.
Alguns experimentam a “desertificação” espiritual, não conseguindo ser
testemunhas de esperança para aqueles que estão sedentos de sentido e busca por
Deus. Instaura-se uma espécie de relativismo prático, em que se age como se
Deus não existisse (Cf. Papa Francisco, Evangelii Gaudium [EG],
n. 80). A sensação de derrota sufoca o fervor e a ousadia de quem poderia
suscitar a confiança no triunfo, mesmo em meio às adversidades e à cultura
niilista da sociedade contemporânea.
Apesar dos desafios impostos pelas novas
formas de niilismo, é possível vislumbrar caminhos para além do abismo do vazio
existencial. A busca por significado pessoal, a reconstrução de valores
fundamentais e a exploração de formas individuais de transcendência emergem
como possíveis soluções para lidar com o dilema do sentido da vida, ao invés de
sucumbir ao desespero e ao vazio sem sentido.
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