Quem foi São Tomás de Aquino, intelectual da Idade Média que influenciou a filosofia ocidental.
Autor, Edison Veiga
Role, De Bled (Eslovênia) para a BBC News Brasil
7 março
2024
Para especialistas contemporâneos, Tomás de Aquino
(1225-1274) foi um divisor de águas do pensamento humano. Não somente da teologia,
mas também da filosofia. Em plena Idade Média, o
religioso ousou beber em uma fonte pagã — os textos do sábio grego Aristóteles (384
a.C. - 323 a.C.) — para buscar explicar a existência do ser humano e a própria
ideia das relações com o divino.
“Tomás de Aquino foi para sua época uma luz
irradiosa e inteligente, repropondo um paradigma de mundo, na passagem do mundo
antigo para a escolástica”, afirma à BBC News Brasil o teólogo e filósofo André
Luiz Boccato, frade dominicano e professor na Pontifícia Universidade Católica
de São Paulo (PUC-SP).
“Sua importância é tamanha que, depois dele, se
convencionou chamar de ‘tomismo’ todo tipo de releitura em que se volta a Tomás
para responder a problemas circunstanciais de outros momentos históricos.”
A escolástica — concilia a fé cristã com pensamento
racional — foi o método crítico que vigorou nas universidade medievais
europeias, sobretudo na última fase do período medieval. “Para a filosofia, o
pensamento de Tomás de Aquino é fundamental e bem original”, pontua Boccato.
De acordo como professor, a principal contribuição
de Aquino para o pensamento foi “a centralidade que ele deu à razão, enquanto
perscrutadora do real, ao invés da crença e de uma concepção dualista de fé”.
“Ao colocar a razão, não a razão instrumental de
hoje ou cientificista, mas a razão aberta à transcendência e a Deus, de um
certo modo ele a encara como um infinito presente em toda criatura racional
chamada à busca de sentido”, detalha.
“Uma segunda [contribuição] seria propriamente a
acolhida e o desdobramento do pensamento de Aristóteles no ocidente cristão,
com todas as suas consequências, nos vários campos do conhecimento filosófico”,
ressalta o professor.
O pensamento aristotélico encontrava resistência no
meio religioso — afinal, se tratava de um ilustre representante do helenismo
clássico.
Também frade dominicano e conhecido por sua
trajetória nos movimentos sociais progressistas, o jornalista e escritor Frei
Betto compara a referência a Aristóteles nos tempos de Aquino como o mergulho
na filosofia de Karl Marx (1818-1883) empenhado pelos religiosos da Teologia da
Libertação, sobretudo nos anos de ditadura militar brasileira.
“O que me impressiona em São Tomás é como ousou
basear sua filosofia e teologia em um filósofo pagão, Aristóteles”, comenta
ele, à BBC News Brasil. “Assim como, séculos depois, a Teologia da Libertação
encontraria seu instrumental de análise da realidade em Marx e [Friedrich]
Engels [(1820-1895)]. Tomás teve a vantagem de beber na filosofia grega no
momento em que árabes islâmicos a tornavam conhecida no Ocidente. Por isso
levantou suspeitas de alguns prelados.”
Frei Betto acrescenta que “a densidade política do
pensamento” de Aquino fez com que a Igreja Católica pudesse
“adotar várias de suas teses revolucionárias, como o tiranicínio, a ignorância
invencível, a prevalência da consciência sobre as leis”.
Para ele, foi impregnado desse pensamento que
religiosos brasileiros lutaram contra o regime militar. “Foi graças ao
pensamento de Tomás que, na década de 1960, um grupo de frades dominicanos do
Brasil [inclusive o próprio Frei Betto] apoiou a luta armada contra a ditadura
militar, o que nos valeu quatro anos de cárcere como ‘terroristas’”, justifica.
Teologia e filosofia
Boccato ressalta que Tomás de Aquino aprofundou e
dialogou com “todo o pensamento aristotélico”. “A saber: metafísica, física,
ética, política, estética, ciência medieval, etc.”, enumera.
Para o professor, uma terceira contribuição do
pensador foi a maneira como ele aprendeu de seu mestre, Alberto Magno
(1193-1280), “a positividade do conhecimento científico advindo da realidade e
sua verdade própria”.
“Conseguiu distinguir a capacidade humana de
conhecer a realidade em sua essência, sem desvincular da visão cristã
sedimentada na criação e na fé”, afirma.
“Ele procurou construir sua teologia sobre
princípios filosóficos muito sólidos, foi buscar um solo firme para a sua
filosofia e buscou princípios racionais para tentar mostrar como a revelação
poderia ser compreendida pelos homens”, contextualiza o filósofo, teólogo e
historiador Gerson Leite de Moraes, professor na Universidade Presbiteriana
Mackenzie.
Segundo Moraes, “nesse sentido há uma relação muito
intensa entre filosofia e teologia”, e isso faz com que a obra de Aquino “seja
profundamente inovadora” quando se pensa na época em que ele viveu.
“Tanto do ponto de vista teológico como filosófico,
Tomás de Aquino é um divisor de águas, um marco muito importante”, define o
pesquisador de textos sagrados Thiago Maerki, associado da Hagiography Society,
dos Estados Unidos.
“[Ele] pode ser considerado o maior sintetizador da
relação entre fé e razão, fruto do longo caminho histórico cristão desde as
origens”, afirma Boccato. “Ele distinguiu a ordem natural, a filosofia, da
ordem sobrenatural, teologia, mas [o fez] unindo-as, não as separando. Hoje
vivemos uma cultura das separações e divisões, de radicalizações e negação da
diferença. Tomás imprime um espírito dialético à teologia na Idade Média,
apresentando-se como grande mestre do diálogo e da inclusão do diferente.”
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese
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