O Sábado Santo marca o intervalo
entre a dor pela morte de Jesus e a alegria de sua ressurreição. Nesse dia, os
fiéis são convidados a refletir e esperar, seguindo o exemplo de Maria, a mãe
de Jesus, enquanto também recordam a perplexidade dos apóstolos diante da morte
de Cristo. Os protagonistas são o silêncio, a introspecção e a meditação.
Thulio
Fonseca - Vatican News
O Sábado
Santo, definido pelos padres da Igreja como "o mais longo dos dias",
nos convida a uma espera silenciosa, para reviver a consternação dos apóstolos
após a morte de Jesus. A reforma litúrgica de Pio XII "restaurou" o
Sábado Santo como dia de silêncio e espera, no qual todo cristão, ainda hoje,
medita sobre a morte de Jesus e sobre o inevitável fim da vida terrena. Neste
dia, a fé é posta à prova, pois o Messias está morto e ninguém sabe o que irá
acontecer; só podemos viver na expectativa de que o vazio que se sente seja
preenchido.
Cristo está
agindo
Apesar do
aparente silêncio, Cristo está agindo. Segundo uma antiga tradição, de fato,
neste dia Jesus desce à mansão dos mortos, nas profundezas do reino da morte,
para salvar o homem e levá-lo consigo para o céu, onde nos precede e nos espera
de braços abertos. Lá, encontra Adão, o primeiro homem que aqui simboliza
toda a humanidade, o sacode, o desperta e lhe dá o anúncio da salvação do qual
ninguém está excluído, colocando de fato uma ponte entre o sepulcro e o Reino
de Deus. Jesus carrega a arma infalível da Cruz, porque "com a morte vence
a morte".
O padre
Diogo Shishito, da Diocese de Mogi das Cruzes - SP, doutorando em Liturgia na
Universidade Sant'Anselmo em Roma, nos auxilia a refletir sobre o significado
da espera silenciosa à qual somos convidados a viver.
"O que
está acontecendo hoje? Um grande silêncio reina sobre a terra. Um grande
silêncio e uma grande solidão. Um grande silêncio, porque o Rei está dormindo;
a terra estremeceu e ficou silenciosa, porque o Deus feito homem adormeceu e
acordou os que dormiam há séculos."
Assim
começa uma homilia do século IV que a Igreja retoma no Ofício das Leituras em
cada Sábado Santo e da qual nasce o costume de chamar esse dia como o “Dia do
Grande Silêncio”. De fato, diante do Mistério Pascal de Jesus, o silenciar
parece ser natural para a nossa pequenez humana, uma vez que não se encontram
palavras para expressar o misto de surpresa e gratidão que move interiormente
quem se coloca diante de tamanha Graça.
O Silêncio é o lugar da ação do Espírito Santo
O silêncio
parece apresentar-se como único caminho para aqueles que são inundados de um
amor sem igual manifestado na entrega sem reservas do Deus feito homem que, ao
dar seu último suspiro no alto da cruz, rasgou de cima abaixo o véu que
separava a habitação divina da sua criatura predileta. É o silêncio de quem faz
espaço para acolher algo de novo e nunca antes presenciado no tempo. O silêncio
de quem, admirado, não encontra no elenco das reações uma atividade capaz de
responder ao que se apresenta diante de seus olhos. Mas o silêncio,
diferentemente do que muitas vezes se pensa, não é vazio.
No silêncio
se encontra aquele espaço necessário entre uma ação e outra que nos permite
comunicar a multiforme expressão de vida presente em cada um de nós. O silêncio
é a pausa sem a qual a comunicação não seria possível, pois é ela que separa as
palavras e dá clareza ao discurso. Só com o silêncio se pode passar de um
conceito a outro, de uma ideia à outra. O grande silêncio desse dia faz passar
da morte à Vida, do tempo à eternidade. Por isso podemos dizer que o Silêncio é
o lugar da ação do Espírito Santo. Quando o Verbo cala, o Espírito trabalha no
germinar de uma realidade nova.
Fé e expectativa
No alto da
Cruz, com o calar-se do Verbo divino, a Palavra Eterna transformou-se em
silêncio, produzindo na humanidade um sentimento de expectativa… Uma espera que
brota da fé, que nasce da confiança sem reservas na promessa feita pelo próprio
Senhor de que estaria conosco sempre. Para os Discípulos, que não sabiam como
seriam as coisas depois da cruz e não imaginavam que a ressurreição se daria,
esse silêncio certamente produziu dúvidas e medos, mas também é certo que,
assim como quando um discurso é interrompido, fica a expectativa de como seria
sua continuidade, no coração de cada um deles brotava também a esperança de que
o Senhor, de algum modo, daria sentido àquilo que eles não conseguiam entender
ainda.
Esperar com Maria
Olhando
para Maria, que sabia com clareza que Jesus é o Filho de Deus, podemos pensar
que o silêncio que brota da morte do Senhor tenha levado seu pensamento à doce
espera da sua chegada, àquele silêncio de contemplação da surpreendente ação
divina que realiza o que aos critérios humanos parecia impossível, de maneira
que aquele silêncio se tornasse mais uma vez um ato de espera do próximo passo
na história da Salvação. Para a Igreja, no entanto, esse silêncio é memorial da
nossa fé, é a ação que reconhece a grandeza do mistério pascal de Cristo e abre
espaço para o agir transformador de Deus que faz germinar, a partir dos nossos
limites, o amor gerador de uma nova realidade. O amor verdadeiro daquele que
nos amou até o fim e que manifestou a sua graça à humanidade quando estava
ainda imersa no pecado.
O Senhor venceu a morte
De fato, por suas qualidades, uma pessoa pode ser admirada, mas só pelas suas limitações que pode ser acolhida e amada. É fácil acolher alguém quando tudo vai de acordo com o que nos agrada; somente quando o outro se mostra diferente do que gostaríamos é que a acolhida de suas inconstâncias se torna amor. Imbuídos da certeza da ressurreição, cada um de nós é chamado, através do silêncio, a abrir espaço para que o Senhor transforme em nosso interior as situações de morte fazendo brotar a vida nova e eterna que é Dele e da qual podemos participar pela sua misericórdia.
Peçamos então que o nosso silenciar possa de verdade dar espaço à ação silenciosa do Espírito Santo, que revigora em nós a graça dos que têm a vida escondida com Cristo em Deus e que o ressoar do esperado Aleluia dessa noite santa renove em nosso interior a força de ser no mundo uma voz que proclama o centro da nossa fé: o Senhor venceu a morte e está vivo no meio de nós.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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