Quarta pregação da Quaresma do cardeal Cantalamessa
"A esperança necessita da
tribulação como a chama necessita do vento para se reforçar. As razões de
esperança terrenas devem morrer, uma após a outra, para que venha à tona a
verdadeira razão inabalável, que é Deus."
Só agora,
após ter assegurado o fato histórico da Ressurreição de Cristo, podemos dedicar
a nossa atenção ao significado existencial da palavra de Jesus, que é o que
mais nos interessa no contexto destas meditações. Comentando o episódio dos
mortos ressuscitados e que apareceram em Jerusalém no momento da morte de
Cristo (Mt 27,52-53), São Leão Magno escreve: “Aparecem também agora na Cidade
Santa [isto é, na Igreja] os sinais da futura ressurreição e o que deve se
cumprir um dia nos corpos, cumpra-se agora nos corações[6].
Há, em outras palavras, dois tipos de ressurreição: há uma ressurreição do
corpo que acontecerá no último dia e há uma ressurreição do coração que deve
acontecer cada dia!
A melhor
maneira para descobrir o que se entende por ressurreição do coração é observar
o que a ressurreição física de Jesus produziu espiritualmente na vida dos
Apóstolos. Pedro inicia a sua Primeira Carta com estas elevadas palavras:
Bendito
seja Deus, o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo. Em sua grande misericórdia, pela
ressurreição de Jesus dentre os mortos, ele nos fez nascer de novo para uma
esperança viva, para uma herança que não se desfaz, não se estraga nem se
altera, e que é reservada para vós nos céus (1Pd 1,3-4).
A
ressurreição do coração, portanto, é o renascimento da esperança.
Estranhamente, a palavra “esperança” está ausente na pregação de Jesus. Os
Evangelhos referem muitas de suas frases sobre a fé e sobre a caridade, mas
nenhuma sobre a esperança, mesmo que toda a sua pregação proclame que existe
uma ressurreição dos mortos e uma vida eterna. Ao contrário, após a Páscoa,
vemos literalmente explodir a ideia e o sentimento da esperança na pregação dos
Apóstolos. Deus mesmo é definido “o Deus da esperança” (Rm 15,13). A explicação
da ausência de frases sobre a esperança no Evangelho é simples: Cristo devia
antes morrer e ressurgir. Ressurgindo, abriu a fonte da esperança; inaugurou o
próprio objeto da esperança, que é uma vida com Deus além da morte.
Tentemos
ver o que poderia produzir um renascimento da esperança em nossa vida
espiritual. Os Atos dos Apóstolos narram o que acontece, um dia, diante da
porta do templo de Jerusalém chamada “Formosa”. Ao lado dela jazia um coxo
pedia esmolas. Um dia, passaram por ali Pedro e João, e sabemos o que acontece.
O coxo, curado, pôs-se em pé e, finalmente, depois de quem sabe há quantos anos
ali jazia abandonado, também ele cruza aquela porta e entra no templo “saltando
e louvando a Deus” (At 3,1-9).
Algo de
semelhante poderia acontecer também a nós, graças à esperança. Frequentemente
nos encontramos também nós, espiritualmente, na posição do coxo no limiar do
templo; inertes e tíbios, como que paralisados diante das dificuldades. Mas eis
que a esperança divina passa ao nosso lado, trazida pela palavra de Deus, e diz
também a nós, como Pedro disse ao coxo e como Jesus disse ao paralítico:
“Levanta-te e anda!” (Mc 2,11). E nós nos levantamos e finalmente entramos no
coração da Igreja, prontos para assumir, de novo e com alegria, as tarefas e
responsabilidades que não são designadas pela Providência e pela obediência.
Estes são os milagres diários da esperança. Ela é realmente uma grande
taumaturga, operadora de milagres; reergue milhares de coxos e paralíticos
espirituais, milhares de vezes.
O que é
extraordinário na esperança é que a sua presença muda tudo, mesmo quando
exteriormente não muda nada. Tenho um pequeno exemplo em minha vida. Sou uma
pessoa que sente muito mais frio do que calor. Agora, na Itália, em março, no
início da primavera, a temperatura, como se sabe, é mais ou menos a mesma que
no fim de outubro e início de novembro. Mesmo assim, por anos notei que o frio
de março me causava menos problema do que o de novembro. Perguntei-me por que,
se a temperatura é a mesma, e finalmente descobri a razão. O frio de novembro é
um frio sem esperança, porque se está caminhando para o inverno; o frio de
março é um frio com esperança, porque se está caminhando para o verão!
* * *
A Carta aos
Hebreus compara a esperança a “uma âncora da alma, segura e firme”. Segura e
firme porque lançada não à terra, mas no céu, não no tempo, mas na eternidade,
“para além da cortina do Santuário”, diz a Carta aos Hebreus (Hb 6,18-19). Este
símbolo da esperança tornou-se clássico. Mas também temos uma outra imagem da
esperança – em certo sentido, oposta à precedente – isto é, a vela. Se a âncora
é o que dá segurança ao barco e o mantém firme em meio às ondas do mar, a vela
é o que o faz mover e avançar no mar.
De ambos os
modos opera a esperança, tanto em relação ao barco, que é a Igreja, quanto ao
barquinho da nossa vida. É realmente como uma vela que capta o vento e, sem
barulho, transforma-o em uma força motriz que transporta o barco sobre as
águas. Como a vela, nas mãos de um bom marinheiro, tem condições de aproveitar
qualquer vento, donde quer que sopre, favorável ou desfavorável, para mover o
barco na direção desejada, assim faz a esperança.
Antes de
tudo, a esperança nos vem em auxílio ao nosso caminho pessoal de santificação.
A esperança se torna, em quem a põe em prática, o próprio princípio do
progresso espiritual. Ela está sempre a postos para descobrir novas “ocasiões
de bem”, sempre realizáveis. Por isso, não se permite acomodar na tibieza e na
acídia. A esperança é o exato oposto do que às vezes se pensa. Não é uma
disposição interior bela e poética que faz sonhar e construir mundos
imaginários. Ao contrário, é muito concreta e prática. Passa o seu tempo
colocando-nos sempre tarefas a cumprir.
Quando, em
uma determinada situação, não há absolutamente nada o que fazer – diz o
filósofo Kierkegaard, em um dos seus edificantes discursos –[7],
aí sim, seriam a paralisia e o desespero. Mas a esperança descobre sempre que
há algo que pode ser feito para melhorar a situação: trabalhar mais, ser mais
obedientes, mais humildes, mais mortificados. Quando estiver tentado em dizer a
si mesmo: “Não há mais nada a fazer” (é ainda Kierkegaard quem nos fala), a
esperança vem e lhe diz: “Reze!”. Você responde: “Mas eu rezei!”, e ela: “Reze
ainda!”. E, mesmo que a situação se torne de tal forma dura, que não pareça
haver realmente nada mais a fazer, a esperança nos indica ainda uma tarefa:
resistir até o fim e não perder a paciência. Isto, evidentemente, não é
possível pelos nossos esforços, mas só pela graça de Deus, que nos vem em
auxílio e não nos deixa sós.
A esperança
tem uma relação privilegiada, no Novo Testamento, com a paciência. É o
contrário da impaciência, da pressa, do “tudo e imediatamente”. É o antídoto ao
desânimo. Mantém vivo o desejo. É também uma grande pedagoga, no sentido de que
não indica tudo de uma vez – tudo o que deve ou pode ser feito – mas nos põe
diante de uma possibilidade por vez. Dá só “o pão de cada dia”. Distribui o
esforço e permite, assim, realizá-lo.
A Escritura
continuamente evidencia esta verdade: que a tribulação não tira a esperança,
mas, ao contrário, aumenta-a: “A tribulação – escreve o Apóstolo –
gera a perseverança, a perseverança leva a uma virtude comprovada, e a virtude
comprovada desabrocha em esperança. Ora, a esperança não decepciona, porque o
amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi
dado” (Rm 5,3-5).
A esperança
necessita da tribulação como a chama necessita do vento para se reforçar. As
razões de esperança terrenas devem morrer, uma após a outra, para que venha à
tona a verdadeira razão inabalável, que é Deus. Acontece como no lançamento de
um navio. É necessário que sejam removidos os andaimes que sustentavam
artificialmente o navio, quando estava em construção, e que sejam tirados um
após o outro os suportes, para que possa flutuar e avançar livremente sobre a
água.
A
tribulação nos tira toda “amarra” e nos leva a esperar só em Deus. Conduz
àquele estado de perfeição que consiste em esperar quando parece não haver
esperança (Rm 4,18), isto é, em continuar a esperar confiando na palavra uma
vez pronunciada por Deus, também quando toda razão humana para esperar
desapareceu. Tal foi a esperança de Maria sob a cruz e, por isso, a piedade a
invoca com o título de Mater Spei, mãe da esperança.
A força
transformadora da esperança está maravilhosamente descrita em uma belíssima
passagem de Isaías:
Até os
adolescentes se afadigam e cansam,
e mesmo os jovens às vezes tropeçam!
Aqueles, porém, que esperam no Senhor, renovam suas forças,
criam asas como de águia, correm e não se afadigam,
caminham e não se cansam (Is 40,30-31).
O oráculo é
a resposta ao lamento do povo que diz: “Do Senhor está escondido o meu
caminho”. Deus não promete tirar as razões do cansaço e da exaustão, mas dá
esperança. A situação permanece, de per si, a que era, mas a esperança dá a
força para superá-la.
No livro do
Apocalipse lemos que: “Quando viu que tinha sido lançado à terra, o dragão
começou a perseguir a mulher que tinha dado à luz o menino. Mas a mulher
recebeu as duas asas da grande águia e voou para o deserto” (Ap 12,13-14).
Se a imagem das asas da águia se inspira, como parece claramente, no texto de
Isaías, isso significa que a toda a Igreja foram dadas as grandes asas da
esperança, para que com elas possa, toda vez, fugir dos ataques do mal e
superar toda dificuldade. Hoje, como outrora.
Concluamos
escutando, como se feita agora sobre nós, a invocação que o Apóstolo Paulo faz
em favor dos fiéis de Roma ao término da sua Carta endereçada a eles:
O Deus da
esperança vos encha de toda alegria e paz em vossa fé. Assim, vossa esperança
abundará, pelo poder do Espírito Santo (Rm 15,13).
__________________________
Tradução de
Fr. Ricardo Farias
[6] Cf.
Leão Magno, Sermo 66,3: PL 54,366.
[7]Cf.
Søren Kierkegaard, Gli atti dell’amore, Parte II, n. 3.
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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