Ambiente de lar, escola
de amor
Para conseguir que o amor cresça, cada família tem de procurar aumentar
a sua capacidade de dar e receber.
29/12/2016
I. Uma família em saída: dar e receber
A família é uma célula aberta a serviço da sociedade, não é uma
instituição fechada, longínqua e de âmbito estritamente privado; como diz o
Catecismo da Igreja Católica: “A família é a célula originária da vida
social. E a sociedade natural na qual o homem e a mulher são chamados ao
dom de si no amor e no dom da vida. A autoridade, a estabilidade e a vida de
relações dentro dela constituem os fundamentos da liberdade, da segurança e da
fraternidade no conjunto social. A família é a comunidade na qual, desde a
infância, se podem assimilar os valores morais, tais como honrar a Deus e usar
corretamente a liberdade. A vida em família é iniciação para a vida em
sociedade”[1]. De
acordo com isso, podemos dizer que a família é o âmbito natural do amor.
Esse amor, próprio dos cônjuges, é querer que o outro exista e que
exista bem, não de qualquer maneira: porque te amo, busco o seu bem, a sua
felicidade. Com a chegada dos filhos, o amor entre os esposos cresce, se
multiplica e se manifesta na busca do bem para cada filho, em querer o melhor
para eles – em todos os aspectos: físico, emocional, espiritual, etc. Porém
como a família não fica fechada em si mesma, mas transcende a sua própria
esfera e se incorpora à sociedade – mais ainda, sem família, não há sociedade
–, esse amor que começou sendo dos esposos e logo desembocou nos filhos está
chamado também a estender-se: todos merecem participar do amor que a família
irradia, que se manifesta no desejo do bem.
EM ALGUMAS OCASIÕES OCORRE UMA TENDÊNCIA A
DIVIDIR A PROFUNDA UNIDADE DAR-RECEBER; O RESULTADO É A DESAGREGAÇÃO DA FAMÍLIA.
Para conseguir que o amor cresça, cada família tem de procurar aumentar
a sua capacidade de dar e receber. Em algumas ocasiões ocorre uma tendência a
dividir a profunda unidade dar-receber; o resultado é a desagregação da
família, pois parece que “o dar é para os pais; o receber é dos filhos. E o
resultado é um conjunto de seres humanos pouco unidos pelo amor familiar: pais
sacrificados, filhos mais ou menos irresponsáveis... Ambos devem dar e receber.
Em primeiro lugar, dar, porque toda pessoa é um ser de
contribuições. E então, receber para dar mais, para dar
melhor”[2]. Como
diz Enrique Rojas: “O amor não é egoísta. Sua única referência é o outro. O
amor acaba com a vida solitária”. Porém esse amor precisa ser concretizado.
A este respeito comenta o Papa Francisco: “O amor... não é o amor das
novelas. Não, é outra coisa. O amor cristão tem sempre uma qualidade: o
concreto (...) o próprio Jesus, quando fala de amor, nos fala de coisas
concretas: dar de comer aos famintos, visitar aos enfermos...”.
O Papa nos sugere dois critérios. O primeiro é que o
amor está mais nas obras do que nas palavras. O próprio Jesus disse: não são os
que me dizem “Senhor, Senhor”, os que falam muito, que entrarão no reino dos
céus; mas aqueles que cumprem a vontade de Deus. É o convite, portanto, a estar
no «concreto» cumprindo as obras de Deus. Assim, o primeiro critério é amar
com as obras, não só com as palavras. O segundo é
este: no amor é mais importante dar que receber. A pessoa que ama
dá – vida, coisas, tempo –, se entrega a si mesma a Deus e aos outros. Ao
contrário, a pessoa que não ama e que é egoísta busca sempre receber. Busca
sempre tirar vantagem[3].
Hoje em dia, há muitas pessoas necessitadas de ajuda, por causa de
diversas circunstâncias: a fome, a imigração por culpa da guerra, as vítimas de
abusos e violências e do terrorismo; pessoas afetadas por catástrofes naturais;
outros perseguidos por causa da sua fé; o drama do aborto e da eutanásia; o
desemprego, sobretudo dos jovens; idosos que vivem em solidão. Todas estas
realidades convivem de uma maneira ou outra conosco, no dia a dia e é ali onde
cada pessoa, cada família, é chamada a ser um agente de ajuda e de mudança a
favor dos mais necessitados.
Como diz o Concílio Vaticano II, “A própria família recebeu de Deus esta
missão, de ser a célula primeira e vital da sociedade. Cumprirá esta missão se,
pela mútua piedade dos membros e pela oração em comum dirigida a Deus, se
mostrar como que o santuário doméstico da Igreja; se a família toda se inserir
no culto litúrgico da Igreja; se, finalmente, oferecer hospitalidade
acolhedora, promover a justiça e outras boas obras em serviço de todos os
irmãos constituídos em necessidade. Entre as várias atividades do
apostolado familiar, podem enumerar-se as seguintes: adotar como filhos
crianças abandonadas, receber benignamente os peregrinos, cooperar na
orientação das escolas, assistir aos adolescentes com conselhos e com meios
econômicos, ajudar os noivos a prepararem-se melhor para o matrimônio,
trabalhar na catequese, amparar os cônjuges e as famílias que estão em perigo
material ou moral, prover os velhos não só com o necessário, mas ainda
procurar-lhes os frutos equitativos do progresso econômico”[4].
“A MISERICÓRDIA NÃO É SER BONZINHO, NEM
UM MERO SENTIMENTALISMO”, PELO CONTRÁRIO, É MANIFESTAÇÃO DO AMOR INFINITO DE
DEUS POR CADA UM E A REALIZAÇÃO HUMANA DO AMOR AO PRÓXIMO.
Neste Ano Jubilar da Misericórdia, é apresentada uma nova oportunidade
para viver o amor familiar e concretizar o amor nos
necessitados. O elenco das obras de misericórdia nos oferece a possibilidade de
abrir-nos, de dar-nos aos outros. O Papa Francisco nos chama a redescobrir as
obras corporais: dar de comer aos famintos, dar de beber aos sedentos, vestir os
nus, acolher o estrangeiro, assistir aos enfermos, visitar os presos, enterrar
os mortos. E a não esquecermos as espirituais: aconselhar os que têm dúvidas,
ensinar os ignorantes, advertir os pecadores, consolar os aflitos, perdoar as
ofensas, suportar pacientemente as pessoas irritantes, rezar a Deus pelos vivos
e defuntos. “A misericórdia não é ser bonzinho, nem um mero
sentimentalismo”, pelo contrário, é manifestação do Amor infinito de Deus por
cada um e a realização humana do amor ao próximo.
É assim que a família está chamada a ser “escola de generosidade”; ou
seja, na família “se aprende que a felicidade pessoal depende da felicidade do
outro, se descobre o valor do encontro e do diálogo, a disponibilidade
desinteressada e o serviço generoso”.
“As crianças que veem em sua casa como se busca sempre o bem comum da
família, e como uns se sacrificam pelos outros, estão aprendendo um estilo de
vida baseado no amor e na generosidade. É uma vivência que deixa uma marca
inapagável. Crescerão sabendo que integrar-se na sociedade não é só receber,
mas receber e retribuir”[5].
II. Dar-se na própria família
Muitas vezes – e é preciso fazê-lo –, dirigimos o olhar para as
realidades distantes buscando fazer o bem: damos dinheiro, tempo, trabalho,
esquecendo talvez que nos mais próximos temos nosso principal e mais importante
campo de ação. Não só com o cônjuge e os filhos, mas com os pais já idosos, e
talvez doentes, que requerem uma atenção especial; com parentes necessitados
por diferentes causas; com amigos próximos que precisam do nosso conselho; com
pessoas conhecidas a quem vemos e tratamos regularmente e que precisam
temporariamente de um lar, da presença de um amigo, etc. Para os cônjuges
cristãos, sua primeira “periferia” é a própria família, onde talvez se
encontrem os mais necessitados da sua dádiva amorosa. Logo, o mundo inteiro
para “afogar o mal em abundância de bem”, como são Josemaria gostava de dizer[6].
Voltando para o caso dos idosos nas famílias, eles merecem – como as
crianças –, uma solicitude especial, sejam os próprios pais ou outros
familiares próximos que, pelo passar dos anos, necessitam de atenções
particulares. A esperança de vida é cada vez mais longa; no entanto, não se
produziu um avanço paralelo no cuidado dos idosos, que, muitas vezes, são
considerados uma carga difícil de carregar, ou pior os que por determinadas
circunstâncias se encontram em situação de desamparados e abandonados. Com cada
um deles, temos de ser amáveis, pacientes, entregues, oferecer-lhes o nosso
tempo, o nosso carinho e ajuda em suas necessidades, e ensinar os filhos a
atuar da mesma maneira. O dia de amanhã serão eles os que talvez tenham que
cuidar dos seus pais e, se não o viram, se não o viveram, não saberão ou não
quererão fazê-lo. A família é o lugar onde os mais fracos encontram auxílio e
proteção. Por isso, é o melhor lugar para cuidar dos idosos. A esse respeito,
dizia Bento XVI: “A qualidade de uma sociedade, gostaria de dizer de uma
civilização, se julga também por como se trata os idosos e pelo lugar
que lhes é reservado na vida em comum”.
Este dar-se aos que estão próximos de cada um, se é por
amor, se faz com a alegria dos que sabem que são filhos de Deus, destinados à
felicidade que só se encontra fazendo o bem.
Carolina Oquendo Madriz
[1] Catecismo
da Igreja Católica, 2207
[2] Oliveros
F. Otero (1988), La felicidad en las familias, Loma Editorial,
México.
[3] Cfr.
Papa Francisco, Homilia em Santa Marta, 9-1-2014.
[4] Decreto Apostolicam
Actuositatem (18 de novembro 1965), n.11. O sublinhado é da autora.
[5] María Lacalle Noriega (2015), La dimensión pública de la familia. Em: Nicolás Álvarez de las Asturias (Ed.), Redescubrir la familia, Palabra, Madri.
[6] São Josemaria, Sulco, n. 864
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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