A morte de Cristo dá frutos
abundantes. E é uma interpelação a todos nós. A morte do velho homem, de nossos
pecados - guerras, violências, intolerâncias -, de igual maneira frutifica em
gestos de fraternidade, de solidariedade com os mais pobres e marginalizados,
os migrantes, as famílias violentadas das periferias ou do campo que precisam
sentir a proximidade também da Igreja.
Cardeal
Orani João Tempesta, O. Cist. - arcebispo metropolitano de São Sebastião do Rio
de Janeiro, RJ
Caríssimos
irmãos e irmãs.
Desejo
nesta mensagem fazer chegar a todos leitores meus cordiais e sinceros votos e
felicitações de Feliz, Santa e Abençoada Páscoa do Senhor. O Domingo da Páscoa
do Senhor, ou a Solenidade da Ressurreição de Cristo é o centro de todo o ano
litúrgico e ápice da trajetória da vida cristã que se constitui o auge do
Mistério da Fé. Assim, declara o Santo Concilio Ecumênico Vaticano II que
“a obra da redenção humana e da perfeita glorificação de Deus, que tem o seu
prelúdio nas maravilhas divinas operadas no povo do Antigo Testamento,
completou-a o Cristo Senhor, especialmente pelo Mistério Pascal de sua sagrada
paixão, ressurreição dos mortos e gloriosa ascensão; por este mistério, Cristo,
“morrendo, destruiu a nossa morte e, ressurgindo, deu-nos a vida”. Pois do lado
de Cristo agonizante sobre a cruz, nasceu o “admirável sacramento de toda a
Igreja” (SC5).
O apóstolo
Pedro, na primeira leitura de At 10, apresenta, pois, uma confissão de Fé
resgatando a trajetória de Cristo desde a Galileia. Desde o Batismo de Nosso
Senhor por meio de João Batista, até a sua gloriosa Paixão e Ressurreição, que
ecoa na pregação e no testemunho daqueles que, por graça divina, foram
considerados dignos de especial predileção na confirmação do que hoje
celebramos em um ato de Fé: a vitória de Cristo sobre a morte, a sua
ressurreição!
Realçar o
caráter messiânico de Cristo como ponto de partida é de singular importância no
contexto em que Pedro prega e testemunha. Em meio a tanta opressão e,
consequentemente, a tantos insurgentes contra o regime do Império Romano, o
conceito de Messias sofria de intenso descrédito. A população via-se cansada de
falsos messias. Em um cenário como o do Império Romano, onde o poder político e
o poder religioso se uniam na opressão violenta e coercitiva dos povos
subjugados, era comum o aparecimento de revoltosos, líderes que em uma explosão
de atos revolucionários intentavam contra as instâncias do governo a fim de
tomar o poder, dando novos rumos à história. Em sua grande maioria eram atos
fracassados que culminavam na morte de seus mentores, afetando, assim, as
forças de resistência a nível geral. Uma vez reprimidas as forças de oposição,
mantinha-se sob controle a grande população, por fim desacreditada e entregue à
inércia frente a qualquer ideia de redenção. Jesus, morrendo na Cruz sob forte
zombaria e ultraje, acaba sendo considerado por muitos como mais um entre os
fanáticos que fracassaram frente à magnitude do poder.
Pedro,
insiste em recapitular a história salvaguardando o caráter real e divino de
Jesus de Nazaré como o verdadeiro messias, o Cristo; verdadeiro porque não é
falso como os anteriores; verdadeiro porque é, de fato, ungido, batizado, não
como aqueles tantos batizados outrora por João Batista, que pelo Batismo
sinalizavam publicamente a própria conversão, mas batizado, “ungido por Deus
com o Espírito Santo” (At 10,3), instaurando, a partir daí o início da grande
revolução: a revolução do Amor que gera vida, na contra mão das revoluções
pautadas nas forças do ódio, da ganância e do desespero que geravam, ao fim,
mais dor e morte.
Este mesmo
Messianismo de Cristo é evidenciado também por Paulo, conforme a segunda
leitura de Cl 3, que apesar de não se concentrar no aspecto da unção, com
raízes no Batismo, destaca a figura da nobre realeza de Cristo, com raízes na
própria estrutura hierárquica de governo, onde já não mais impera César, senão
Cristo, “sentado à direita de Deus” (Cl 3,2). Recapitular a história desde essa
perspectiva constitui, assim, um ato pedagógico de resgate do ânimo daqueles
que já se encontram em estado de profunda aniquilação. Trata-se, pois, de um
renovado restabelecimento da Fé, da Esperança e sobretudo da Caridade: virtudes
teologais que jamais podem faltar no itinerário do cristão que anseia e busca
pelas “coisas do alto” (Cl 3,1).
Esta busca
pelas coisas do alto, de que nos fala Paulo, não significa um abstrair-se da
realidade à qual estamos inseridos. Antes, a busca pelas coisas do alto,
motivada pelas virtudes teologais de que falamos, deve nos inserir na
pluralidade dos contextos em que estamos envolvidos, para que, compreendido o
caráter real e divino de Jesus enquanto Messias possamos, como a exemplo de
Pedro, atender ao envio missionário de Cristo face ao mundo em que vivemos:
“pregar ao povo e testemunhar que Deus o constituiu juiz dos vivos e dos
mortos.” (At 10,42). Eis a nossa missão!
A exemplo
de Jesus, batizados que somos mortos para o pecado e Ressuscitados para a vida
nova e plena, somos chamados a andar por toda a parte, fazendo o bem e curando
a todos que se encontram dominados pelo demônio, porque Deus é conosco, está no
meio de nós a nos elevar da condição de miseráveis, ao posto de amigos e
comensais seus no grande baquete da Reconciliação, pois “todo aquele que crê em
Jesus recebe, em seu nome, o perdão dos pecados.” (At 10,43) Que grande graça
esta a da morte que traz a vida! “Eles o mataram, pregando-o numa cruz, mas
Deus o ressuscitou no terceiro dia.” (At 10,39-40).
O apóstolo
Paulo afirma e nós cremos que “se Cristo não ressuscitou, vã é nossa fé. Assim
seríamos também considerados falsas testemunhas de Deus, porque testemunhamos
contra ele que ressuscitou, se é verdade que os mortos não ressuscitam. Se, de
fato, os mortos não ressuscitam, então Cristo também não ressuscitou” (1Cor
15,14). Chamados que somos a testemunhar a ressurreição de Cristo, a
comunidade eclesial se destaca pelas iniciativas pastorais, ao enviar,
sobretudo entre as casas das periferias urbanas e do interior, seus
missionários, leigos ou religiosos, procurando dialogar com todos em espírito
de compreensão e de dedicada caridade, e em diversos outros contextos da
sociedade e do mundo em transformação, para reafirmamos pela fé que a “vida
triunfa da morte, assim como a “misericórdia triunfa do juízo” (Tg 2,13).
A morte de
Cristo dá frutos abundantes. E é uma interpelação a todos nós. A morte do
velho homem, de nossos pecados -guerras, violências, intolerâncias -, de igual
maneira frutifica em gestos de fraternidade, de solidariedade com os mais
pobres e marginalizados, os migrantes, as famílias violentadas das periferias
ou do campo que precisam sentir a proximidade também da Igreja, seja como
socorro das suas necessidades mais urgentes, como também na defesa dos seus
direitos e na promoção de uma sociedade fundamentada na justiça e na paz, de
acordo com a vida nova que nos cabe, aquela “escondida com Cristo em Deus” (Cl
3,3). Quanto mais nos incorporamos a esta nova vida, e revestidos de glória
vamos nos fortalecendo, já nos preparando para quando Cristo aparecer em seu
triunfo, “onde apareceremos também nós com Ele, revestidos de glória.” (Cl
3,4).
Ao enviar
esta mensagem de feliz Páscoa, queridos irmãos e irmãs, compreendo que o Bispo,
modelo segundo a imagem do Bom Pastor, deve estar particularmente atento em
oferecer o divino bálsamo da fé, se descuidar do “pão material”, contudo,
convido que assumamos, em conjunto, o compromisso de reconhecer Jesus como o
único e verdadeiro Messias, fugindo aos falsos messias de nosso tempo; de
sentirmos com a Igreja em Saída, e viver a Missão na escuta do Espírito,
participando ativamente nas celebrações, nos eventos paroquiais, fortalecendo e
animando nossa vida em comunidade e assim, gradativamente, morrermos para os
nossos vícios, nossos pecados, dando lugar às virtudes e aos frutos da
santidade que nos é querida por Deus, para que a Morte de Cristo não tenha sido
em vão, para que assim possamos seguir firmes rumo à feliz Ressurreição.
Se escutarmos com o coração atento e nos abrirmos aos sinais de autenticidade que o Senhor sempre proporcionou de suas testemunhas e de si mesmo, então nós saberemos: Ele ressuscitou verdadeiramente. Ele é o Vivente. A Ele nos encomendamos na segurança de estar no caminho certo. com Tomé, colocamos nossa mão no lado aberto do transpassado de Jesus e confessemos: Meu Senhor e meu Deus” (Jo 20,28).
Desejo, de coração, uma Santa e Abençoada Páscoa para todos. Jesus ilumine a nossa vida com a luz de sua Páscoa. O Senhor Ressuscitou verdadeiramente, aleluia, aleluia, aleluia!!!
Fonte: https://www.vaticannews.va/pt
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