Páscoa: Ressuscitei e
sempre estou contigo
O tempo da Páscoa, explosão de alegria, se estende desde a vigília
Pascal até o domingo de Pentecostes. Nesses cinquenta dias a Igreja nos envolve
em sua alegria pela vitória do Senhor sobre a morte. Cristo vive, e vem ao
nosso encontro.
09/04/2023
“Vinde, benditos de meu Pai: tomai posse do reino preparado para vós
desde o princípio do mundo, aleluia”[1].
O tempo pascal é uma antecipação da felicidade que Jesus Cristo ganhou para nós
com a sua vitória sobre a morte. O Senhor “foi entregue por nossos pecados” e
ressuscitou “para nossa justificação”[2]:
para que, permanecendo n’Ele, nossa alegria seja completa[3].
“RESSUSCITEI, Ó PAI, E SEMPRE ESTOU CONTIGO:
POUSASTE SOBRE MIM A TUA MÃO, TUA SABEDORIA É ADMIRÁVEL”. É A EXPERIÊNCIA
INEFÁVEL DA RESSURREIÇÃO, VIVIDA POR ELE NAS PRIMEIRAS HORAS DO DOMINGO.
No conjunto do Ano litúrgico, o tempo pascal é o “tempo forte” por
antonomásia, porque a mensagem cristã é anúncio alegre que surge com força da
salvação realizada pelo Senhor em sua “páscoa”, sua passagem da morte à vida
nova. “O tempo pascal é tempo de alegria, de uma alegria que não se restringe a
esta época do ano litúrgico, mas que habita sempre no coração do cristão.
Porque Cristo vive. Não é Cristo uma figura que passou, que existiu num tempo e
que se retirou, deixando-nos uma lembrança e um exemplo maravilhosos”[4].
O que só algumas “testemunhas designadas de antemão por Deus”[5] puderam
experimentar nas aparições do Ressuscitado, agora nos é dado na liturgia, que
nos faz reviver esses mistérios. Como pregava o Papa São Leão Magno, “todas as
coisas relativas a nosso Redentor que antes eram visíveis, agora passaram a ser
ritos sacramentais”[6].
É expressivo o costume dos cristãos do Oriente que, conscientes dessa
realidade, desde a manhã do domingo da Ressurreição se cumprimentam
reciprocamente: “Christos anestē”, Cristo ressuscitou; “alethōs
anestē”, verdadeiramente ressuscitou.
A liturgia latina, que na noite santa do sábado transbordava de alegria
no Exultet, no domingo de Páscoa condensa esta alegria no belo
intróito Resurrexi: “Ressuscitei, ó Pai, e sempre estou contigo:
pousaste sobre mim a tua mão, tua sabedoria é admirável”[7].
Pomos nos lábios do Senhor, delicadamente, em clima de calorosa oração filial
ao Pai, a experiência inefável da ressurreição, vivida por Ele nas primeiras
horas do domingo. Assim nos animava São Josemaria, na sua pregação, a
aproximarmo-nos de Cristo, com a consciência de que vivemos no Seu tempo:
“Quis recordar, embora brevemente, alguns dos aspectos dessa vida atual de
Cristo – Iesus Christus heri et hodie, ipse et in saecula, Jesus
Cristo ontem e hoje, o mesmo pelos séculos – por nela se achar o fundamento de
toda a vida cristã”[8].
O Senhor quer que O tratemos e falemos d’Ele, não no passado, como se faz com
uma lembrança, mas percebendo o seu “hoje”, a sua atualidade, a sua companhia
viva.
MUITO ANTES DE QUE EXISTISSE A QUARESMA E
OUTROS TEMPOS LITÚRGICOS, A COMUNIDADE CRISTÃ JÁ CELEBRAVA ESSES CINQUENTA DIAS
DE ALEGRIA.
Os cinquenta dias pascais
Muito antes de que existisse a Quaresma e outros tempos litúrgicos, a
comunidade cristã já celebrava esses cinquenta dias de alegria. Quem não
expressasse seu júbilo durante esses dias era considerado como alguém que não
tinha captado o núcleo da fé, porque “com Jesus Cristo, renasce sem cessar a
alegria”[9].
Essa festa, tão prolongada, nos indica até que ponto “os sofrimentos do tempo
presente não têm proporção com a glória que há de ser revelada em nós”[10].
Nesse tempo, a Igreja vive já a alegria que Senhor lhe revela: algo que “olhos
jamais viram, nem os ouvidos ouviram, nem coração algum jamais pressentiu”[11].
Esse sentido escatológico, de antecipação do céu, reflete-se há séculos
no costume litúrgico de suprimir as leituras do Antigo Testamento durante o
tempo pascal. Se toda a Antiga Aliança é preparação, o Tempo Pascal celebra a
realidade do reino de Deus já presente. Tudo se renovou na Páscoa, e ali não
cabe figura, pois tudo é cumprimento. Por isso, no tempo pascal a liturgia
proclama, junto ao quarto Evangelho, os Atos dos Apóstolos e o livro do
Apocalipse: livros luminosos que têm uma especial afinidade com a
espiritualidade desse tempo.
Os escritores do Oriente e do Ocidente cristãos contemplaram o conjunto
do Tempo Pascal como um único e extenso dia de festa. Por isso, os domingos
desse tempo não se chamam segundo, terceiro, quarto… depois da Páscoa,
mas, simplesmente, domingos da Páscoa. Todo o tempo pascal é como
um só grande domingo; o domingo que fez com que todos os domingos fossem
domingos. Do mesmo modo se considera o domingo de Pentecostes, que não é uma
nova festa, mas o dia conclusivo da grande festa da Páscoa.
TODO O TEMPO PASCAL É COMO UM SÓ GRANDE
DOMINGO; O DOMINGO QUE FEZ COM QUE TODOS OS DOMINGOS FOSSEM DOMINGOS.
Quando a Quaresma chegava, alguns hinos da tradição litúrgica da Igreja
recitavam o aleluia com um tom de despedida. Pelo contrário, a
liturgia pascal se entretém neste canto, porque o aleluia é a antecipação
do cântico novo que os batizados entoarão no céu[12],
que já agora se sabem ressuscitados com Cristo. Por isso, durante o tempo
pascal, tanto o estribilho do salmo responsorial como o final das antífonas da
Missa repetem frequentemente essa aclamação, que une o imperativo do verbo
hebreu hallal – louvar – e Yahveh, o nome de Deus.
“Feliz aquele aleluia que entoaremos ali! – diz Santo
Agostinho em uma homilia – Será um aleluia seguro e sem temor,
porque ali não haverá nenhum inimigo, não se perderá nenhum amigo. Lá, como
aqui, ressoarão os louvores divinos, mas os daqui procedem dos que ainda estão
em dificuldades, enquanto os de lá são dos que já estão em segurança. Aqui, dos
que hão de morrer. Lá, dos que hão de viver para sempre. Aqui, dos que esperam.
Lá, dos que já possuem. Aqui, dos que ainda estão no caminho. Lá, dos que já
chegaram à pátria”[13].
São Jerônimo conta que durante os primeiros séculos na Palestina, esse grito
era tão habitual que aqueles que aravam os campos diziam de vez em
quando: aleluia! E os que remavam nas barcas para transportar
os viajantes de uma margem a outra de um rio, quando se cruzavam,
exclamavam: aleluia! “Nestas semanas do tempo pascal, a Igreja
é embargada por um júbilo profundo e sereno, que nosso Senhor quis deixar como
herança para todos os cristãos (...). Um contentamento cheio de conteúdo
sobrenatural que nada nem ninguém poderá tirar-nos, se nós não o permitirmos”[14].
A oitava da Páscoa
“Os oito primeiros dias do tempo pascal formam a oitava da Páscoa e são
celebrados como solenidades do Senhor”[15].
Antigamente, durante esta oitava o bispo de Roma celebrava as stationes,
para introduzir os cristãos recém batizados no triunfo daqueles santos
especialmente significativos para a vida cristã de Roma. Era uma certa
“geografia da fé”, na qual a Roma cristã aparecia como uma reconstrução da
Jerusalém do Senhor. Visitavam-se várias basílicas romanas: a statio da
vigília da Páscoa ocorria em São João de Latrão, o domingo, em Santa Maria
Maior, a segunda, em São Pedro do Vaticano, a terça, em São Paulo Extramuros, a
quarta, em São Lourenço Extramuros, a quinta, na Basílica dos Santos Apóstolos,
a sexta, em Santa Maria ad martyres, e o sábado, novamente, em São
João de Latrão.
As leituras desses dias se relacionavam com o lugar da celebração.
Assim, por exemplo, a statio de quarta se celebrava na
Basílica de São Lourenço Extramuros. Ali o evangelho que se proclamava era a
passagem das brasas[16],
em alusão à tradição popular romana, que relata como o diácono Lourenço foi
martirizado sobre uma grelha. O sábado da oitava era o dia em que os neófitos
depunham a alva com a qual se haviam revestido em seu batismo durante a vigília
pascal. Por isso, a primeira leitura era a exortação de Pedro que começa com as
palavras “deponentes igitur omnem malitiam…”[17]:
despojai-vos de toda maldade.
Os Padres da Igreja falavam com frequência do domingo como “oitavo dia”.
Situado fora da sucessão dos sete dias, o domingo evoca o início do tempo e seu
final no tempo futuro[18].
Por isso, os antigos batistérios, como o de São João de Latrão, tinham forma
octogonal: os catecúmenos saiam da fonte batismal para iniciar a sua vida nova,
aberta já no oitavo dia, o domingo que não acaba. Assim, cada domingo nos
recorda que nossa vida transcorre dentro do tempo da Ressurreição.
Ascensão e Pentecostes
“Com a sua Ascensão, o Senhor ressuscitado atrai o olhar dos Apóstolos –
e também o nosso – às alturas do Céu para nos mostrar que a meta do nosso
caminho é o Pai”[19].
Começa o tempo de uma presença nova do Senhor: parece que está mais escondido,
mas de certo modo está mais perto de nós: começa o tempo da liturgia, que é
toda uma grande oração ao Pai, pelo Filho, no Espírito Santo, uma oração “em
caudal manso e largo”[20].
COM A ASCENSÃO COMEÇA O TEMPO DE UMA PRESENÇA
NOVA DO SENHOR: PARECE QUE ESTÁ MAIS ESCONDIDO, MAS DE CERTO MODO ESTÁ MAIS
PERTO DE NÓS.
Jesus desaparece da vista dos apóstolos, que talvez fiquem silenciosos
no princípio. “Não sabemos se perceberam naquele momento o fato de que
precisamente diante deles se estava abrindo um horizonte magnífico, infinito, o
ponto de chegada definitivo da peregrinação terrena do homem. Talvez o tenham
compreendido só no dia de Pentecostes, iluminados pelo Espírito Santo”[21].
“Deus eterno e todo-poderoso, que quisestes incluir o sacramento da
Páscoa no mistério dos cinquenta dias...”[22].
A Igreja nos ensina a reconhecer nessa cifra a linguagem expressiva da
revelação. O número cinquenta tinha duas cadências importantes na vida
religiosa de Israel: a festa de Pentecostes, sete semanas após se começar
a ceifar o trigo, e a festa do jubileu que declarava santo o
quinquagésimo ano: um ano dedicado a Deus no qual cada um recuperava sua
propriedade, e podia regressar à sua família[23].
No tempo, da Igreja, o “sacramento da Páscoa” inclui os cinquenta dias após a
Ressurreição do Senhor, até a vinda do Espírito Santo no Pentecostes. Se, com a
linguagem da liturgia, a Quaresma significa a conversão a Deus com toda a nossa
alma, com toda a nossa mente, com todo o nosso coração, a Páscoa significa
nossa vida nova de “corressuscitados” com Cristo. “Igitur, si consurrexistis
Christo, quæ sursum sunt quærite: Se ressuscitastes com Cristo, buscai as
coisas do alto, onde Cristo está entronizado à direita de Deus”[24].
Ao final desses cinquenta dias, “chegamos ao cume dos bens e à metrópole
de todas as festas”[25],
pois, inseparável da Páscoa, é como a “Mãe de todas as festas”. “Somai todas as
vossas festas – dizia Tertuliano aos pagãos de seu tempo – e não chegareis aos
cinquenta dias de Pentecostes”[26].
Pentecostes é, pois, um domingo conclusivo, de plenitude. Nessa Solenidade,
vivemos com admiração como Deus, por meio do dom da liturgia, atualiza a doação
do Espírito que se realizou no amanhecer da Igreja nascente.
SÃO JOSEMARIA VIVIA E NOS ANIMAVA A VIVER COM
ESTE SENTIDO DE PRESENTE PERENE: “AJUDA-ME A PEDIR UM NOVO PENTECOSTES, QUE
ABRASE OUTRA VEZ A TERRA”.
Se na Ascensão Jesus “subiu aos céus para dar-nos a certeza de que nos
conduzirá à glória da imortalidade”[27],
agora, no dia de Pentecostes, o Senhor, sentado à direita do Pai, comunica sua
vida divina à Igreja mediante a infusão do Paráclito, “fruto da cruz”[28].
São Josemaria vivia e nos animava a viver com este sentido de presente perene:
“Ajuda-me a pedir um novo Pentecostes, que abrase outra vez a terra”[29].
Compreende-se também por isso que São Josemaria quisesse começar alguns
meios de formação da Obra rezando uma oração tradicional da Igreja que se
encontra, por exemplo, na Missa votiva do Espírito Santo: “Deus, qui corda
fidelium Sancti Spiritus illustratione docuisti, da nobis in eodem Spiritu
recta sapere, et de eius semper consolatione gaudere”[30].
Com palavras da liturgia, imploramos a Deus Pai que o Espírito Santo nos faça
capazes de apreciar, de saborear, o sentido das coisas de Deus e
pedimos também que disfrutemos do consolo alentador do “Grande Desconhecido”[31].
Porque “o mundo necessita da coragem, da esperança, da fé e da perseverança dos
discípulos de Cristo. O mundo precisa dos frutos, dos dons do Espírito Santo,
como elenca São Paulo: “amor, alegria, paz, paciência, benignidade, bondade,
fidelidade, mansidão, autodomínio” (Gal 5, 22). O dom do Espírito Santo foi
concedido em abundância à Igreja e a cada um de nós, para podermos viver com fé
genuína e caridade operosa, para podermos espalhar as sementes da reconciliação
e da paz.”[32]
Félix María Arocena
[1] Missal
Romano, Quarta-feira da Oitava da Páscoa, Antífona de entrada,
Cfr. Mt 25, 34.
[2] Rm 4,
25.
[3] Cfr. Jo 15,
9-11.
[4] São
Josemaria, É Cristo que passa, n. 102.
[5] At 10,
41.
[6] São
Leão Magno, Sermão 74, 2 (PL 54, 398).
[7] Missal
Romano, Domingo da Ressurreição, Antífona de entrada. Cfr. Sl 138
(139), 18.5-6.
[8] São
Josemaria, É Cristo que passa, n. 104. Cfr. Hb 13,
8.
[9] Francisco,
Exortação Apostólica Evangelii Gaudium, 24-XI-2013, n. 1.
[10] Rm 8,
18.
[11] 1
Cor 2, 9.
[12] Cfr. Ap 5,9
[13] Santo
Agostinho, Sermão 256, 3 (PL 38, 1193).
[14] Álvaro
del Portillo, Caminhar com Jesus, Quadrante, São Paulo, 2016, pp. 225-226.
[15] Missal
Romano, Normas universais do ano litúrgico, 24.
[16] Jo 21,
9.
[17] 1
Pd 2, 1.
[18] Cfr.
São João Paulo II, Carta Apostólica Dies Domini, 31-V-1998, n. 26.
[19] Francisco, Regina
Coeli, 1-VI-2014.
[20] Caminho,
145.
[21] Bento
XVI, Homilia, 28-V-2006.
[22] Missal
Romano, Vigília do Domingo de Pentecostes, coleta.
[23] Cfr. Lv 23,
15-22; Nm 28, 26-31; Lv 25, 1-22.
[24] Cl 3,
1.
[25] São
João Crisóstomo, Homilia II de Sancta Pentecoste (PG 50, 463).
[26] Tertuliano, De
idolatria 14 (PL 1, 683).
[27] Missal
Romano, Ascensão do Senhor, prefácio.
[28] É
Cristo que passa, n. 96.
[29] São
Josemaria, Sulco, n. 213.
[30] Missal
Romano, Missa votiva do Espírito Santo, coleta.
[31] Cfr. É Cristo que passa, nn. 127-138.
[32] Francisco, Homilia na Solenidade de Pentecostes, 24-V-2015.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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