Por que o álcool é tão perigoso para o cérebro dos jovens
Por David Robson (*)
BBC Future
05 de abril 2024
Modelando o cérebro
As mudanças que ocorrem dentro do crânio são
igualmente importantes.
No passado, imaginava-se que o desenvolvimento
neural humano terminasse no início da adolescência. Mas um grande número de
pesquisas demonstrou recentemente que o cérebro dos adolescentes sofre um
recabeamento complexo que só termina, pelo menos, aos 25 anos de idade.
As mudanças mais importantes incluem a redução da
"massa cinzenta" à medida que o cérebro elimina as sinapses que
permitem a comunicação entre as células.
Paralelamente, a massa branca (conexões de longa
distância conhecidas como axônios, cobertas com uma camada de gordura isolante)
tende a se proliferar.
"Elas são como as super-rodovias do
cérebro", explica a neuropsicóloga Lindsay Squeglia, da Universidade
Médica da Carolina do Sul, nos Estados Unidos. E o resultado é uma rede neural
mais eficiente, que pode processar informações com maior rapidez.
O primeiro a amadurecer é o sistema límbico,
relacionado ao prazer e à recompensa. "Estas áreas estão totalmente
adultas durante a adolescência", explica Squeglia.
Já o córtex pré-frontal, localizado atrás da testa,
amadurece mais lentamente. Esta região é responsável pelo pensamento de ordem
superior, incluindo a regulagem emocional, tomada de decisões e autocontrole.
O relativo desequilíbrio entre o desenvolvimento
dessas duas regiões pode explicar por que os jovens e adolescentes tendem a
assumir mais riscos do que os adultos. "Muitas pessoas descrevem o cérebro
dos adolescentes como tendo um acelerador totalmente desenvolvido sem
freios", compara Squeglia.
Mergulhar nossos neurônios em álcool – que sabemos
que libera a inibição – só pode amplificar essa busca de adrenalina. E, para os
adolescentes particularmente impetuosos, o álcool pode criar um círculo vicioso
de mau comportamento e delinquência.
"Os adolescentes mais impulsivos tendem a
beber mais e beber aumenta a impulsividade", explica Squeglia.
Em volumes e frequências suficientemente altos, a
bebida pode prejudicar o desenvolvimento de longo prazo do cérebro dos
adolescentes.
Estudos longitudinais associam beber cedo ao
declínio mais rápido da massa cinzenta e à redução do crescimento da massa
branca. "Essas super-rodovias não recebem a mesma pavimentação em
adolescentes que começam a beber", segundo Squeglia.
As consequências podem não ser imediatamente
evidentes em teste cognitivos. Nos cérebros jovens, as regiões responsáveis
pela solução de problemas podem trabalhar um pouco mais para compensar o
déficit. Mas elas não conseguem manter esse acompanhamento para sempre.
"Depois de vários anos bebendo, observamos
menos ativação do cérebro e desempenho inferior nesses testes", afirma
Squeglia.
Beber cedo também pode prejudicar a saúde mental e
aumenta o risco de abuso de álcool em fases posteriores da vida. Isso é
particularmente válido para pessoas com histórico familiar de alcoolismo –
quanto mais cedo elas começam, maiores são as chances de desenvolver problemas
com a bebida.
Os genes associados ao maior risco de abuso de
álcool parecem ser mais influentes durante esse período crítico do
desenvolvimento cerebral. "E, quanto mais tempo alguém puder esperar,
menor a probabilidade de que esses genes entrem em ação", segundo
Squeglia.
E o modelo europeu?
Como essas descobertas podem influenciar as
escolhas dos adolescentes e as decisões dos pais sobre como e quando devem
permitir que eles bebam em casa?
"Nossa mensagem é 'atrase o máximo que puder'",
orienta Lindsay Squeglia, "pois o seu cérebro ainda está em
desenvolvimento, e deixe seu cérebro se desenvolver e ser o mais saudável
possível antes de começar a se aventurar em coisas como o uso de álcool e
outras substâncias."
Mas, se este conselho deve ser estabelecido em lei,
já é outra questão.
Squeglia afirma que, nas suas palestras públicas
sobre o consumo de álcool, membros do público costumam levantar a questão do
"modelo europeu de beber". Em países como a França, menores de idade
são autorizados a beber uma taça de vinho ou cerveja para acompanhar a refeição
da família.
Mesmo fora da Europa, muitos pais acreditam que a
introdução lenta do álcool em contextos controlados ensina os jovens a beber
com segurança e reduz o consumo de álcool em excesso com mais idade, enquanto a
restrição leva a bebida a ser um tentador "fruto proibido".
Mas este é um mito.
"As pesquisas demonstraram que, quanto mais
permissivo for o pai com o consumo, maior a probabilidade de que o filho tenha
problemas com álcool em fases posteriores da vida", afirma Squeglia.
Uma análise abrangente indica que, contrariando a
crença do fruto proibido, "os pais que impõem regras rigorosas relativas
ao consumo de álcool por adolescentes são esmagadoramente relacionados ao menor
consumo de bebidas e à redução dos comportamentos de risco atribuídos ao
álcool".
E a maior parte das evidências indica que leis mais
rigorosas de proibição do consumo de álcool, com maior idade mínima para
compra, também incentivam o consumo responsável.
Um exemplo é um estudo de Alexander Ahammer, da
Universidade Johannes Kepler de Linz, na Áustria. Lá, qualquer pessoa com mais
de 16 anos pode legalmente comprar vinho ou cerveja.
Se as leis mais rigorosas apenas aumentassem o
desejo pelo álcool, seria de se esperar que a Áustria tivesse uma cultura de
bebida mais saudável que os Estados Unidos, onde a idade mínima para beber é de
21 anos. Mas não é o caso.
Os dois países observam aumento do consumo
excessivo de álcool depois que as pessoas atingem a idade mínima. "Mas
este salto é 25% mais alto na Áustria aos 16 [anos] do que nos Estados Unidos,
aos 21", afirma Ahammer.
Em outras palavras, esperar parece incentivar o comportamento mais responsável quando os americanos são autorizados a comprar bebidas legalmente.
Ao questionar os participantes sobre seu
comportamento, Ahammer concluiu que as percepções dos austríacos sobre os
riscos associados à bebida são radicalmente diferentes entre os maiores de 16
anos.
"Quando o álcool passa a ser legal, os
adolescentes percebem que ele representa muito menos riscos do que antes",
afirma Ahammer.
Aos 16 anos, essa falsa sensação de segurança pode
ser perigosa, enquanto, aos 21, o cérebro mais maduro está um pouco mais
preparado para lidar com a bebida.
A própria ideia de que a cultura europeia da bebida
seria mais saudável também não se justifica. Segundo a Organização Mundial da
Saúde, dados indicam que a metade de todos os casos de câncer que podem ser
atribuídos ao álcool na região da Europa são causados pelo consumo de álcool
leve a moderado.
Considerando as evidências científicas, deveriam os
governos definir a idade legal mínima de 25 anos ou mais, depois que o cérebro
terminou seu desenvolvimento?
Especialistas indicam que esta decisão não é tão
simples, já que os benefícios à saúde pública precisam ser avaliados tendo em
vista a percepção das pessoas sobre a liberdade pessoal.
"Acho que existe muito pouca disposição entre
o público para adotar a idade de 25 anos para beber", afirma James
MacKillop, estudioso da dependência da Universidade McMaster em Hamilton,
Ontário (Canadá).
Para ele, "altas idades legais mínimas são
consideradas paternalistas e podem ser vistas como hipocrisia se a idade legal
da maioridade para votar ou servir o exército for de 18 ou 19 anos".
Ahammer concorda. "Em algum momento,
precisamos simplesmente permitir que as pessoas tomem suas próprias
decisões."
MacKillop sugere que os adolescentes recebam melhor
educação sobre os riscos do álcool e as formas em que a substância pode
prejudicar o cérebro em amadurecimento.
"Considerar simplesmente que as pessoas irão
desenvolver naturalmente hábitos responsáveis em relação a essas drogas é uma
premissa bastante otimista", segundo ele.
Analisando minha adolescência, eu teria ficado
curioso para conhecer a contínua transformação do meu cérebro e os efeitos que
o consumo de álcool poderia ter sobre as suas conexões.
Não acredito que eu teria sido abstêmio – afinal,
ainda bebo até hoje, mesmo conhecendo os riscos de longo prazo à saúde. Mas
talvez eu tivesse pensado duas vezes antes de pedir uma nova rodada.
* David Robson é um escritor
de ciências premiado. Seu próximo livro (em inglês) chama-se As Leis da Conexão: A Ciência Transformadora de Ser Social, a ser publicado em junho
de 2024 pela editora Canongate (no Reino Unido) e pela Pegasus Books (nos
Estados Unidos e no Canadá). Sua conta no X (antigo Twitter) é @d_a_robson. Ele também pode ser
encontrado com o nome @davidarobson no Instagram e no Threads.
Leia a versão original desta reportagem (em inglês).
Fonte: https://www.bbc.com/portuguese
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