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quinta-feira, 18 de abril de 2024

Sonhar o futuro

Sonhar o futuro (Opus Dei)

Sonhar o futuro

Nesses dias tão singulares, tão cheios de preocupações e pensamentos, trazemos alguns conselhos do sacerdote italiano Andrea Mardegan, com ideias de como crescer na nossa vida espiritual mesmo em momentos de crise.

29/06/2020

Escrevo de Milão, onde moro. Não saio de casa há vários dias, como tantos outros em toda a Itália. Na escola onde trabalho não temos aulas desde o dia 24 de fevereiro. Estamos vivendo uma experiência completamente nova. Em primeiro lugar o vírus que se espalha, o número de mortos que aumenta, os hospitais em dificuldades, médicos, enfermeiros e profissionais da saúde submetidos a um ritmo de trabalho e estresse emocional devastadores: sofrem por não poder dar a todos a assistência devida, e muitas vezes eles mesmos acabam se contaminando.

Estão fechadas as escolas e as universidades e, desde esta manhã, 12 de março, também outras atividades que favorecem a vida social: lojas, cafés, restaurantes. Também outros setores estão fechados ou mudaram seus hábitos com o trabalho em casa. Eventos, conferências, e feiras adiados. Atividades esportivas suspensas. As crises econômicas que já estão acontecendo ou estão previstas para o futuro. A isso se soma o sofrimento de muitos fiéis pela impossibilidade de participar das Missas festivas e diárias ou outras cerimônias religiosas com participação dos fiéis, e a preocupação das famílias com as pessoas doentes ou de risco.

O Papa confia seu povo à Maria Mãe do Divino Amor, o arcebispo de Milão, monsenhor Delpini, invoca entre os pináculos do Duomo a Madonnina e lhe entrega toda a sociedade sofredora. A vida cotidiana de pessoas, famílias e instituições mudou, e percorre caminhos difíceis. As pessoas me pedem, como a outros sacerdotes, uma palavra de conforto, conselhos e orientações de como viver como cristãos este período. Tentarei dar algumas ideias, sabendo que muitas palavras sábias e santas são dirigidas continuamente aos fiéis por seus pastores.

Uma palavra de conforto: olhemos a família de Jesus

Olhemos para Jesus e para a sua família de Nazaré. O Verbo de Deus se encarnou na História e a acolheu plenamente, com todas as suas complexas vicissitudes. Dá exemplo de obediência à história humana e também às autoridades que naquele tempo a guiavam. José e Maria tiveram de ir até Belém para o recenseamento de César Augusto, o que provavelmente atrapalhava suas ideias e planos.

Tiveram que fugir para o Egito porque Herodes procurava o Menino para O matar. Obedeceram à lei religiosa do seu povo: circuncidaram Jesus depois de oito dias, apresentaram-no no Templo como primogênito após quarenta dias; iam a Jerusalém todos os anos para a Páscoa, mesmo não sendo estritamente obrigados, dada a distância de Nazaré (mais de um dia de caminhada). Jesus adulto, quando encontra dez leprosos no caminho para Jerusalém, não os cura imediatamente (Lc 17,12 sg), mas lhes diz para irem até os sacerdotes que, segundo o livro do Levítico, eram os que deviam confirmar a lepra ou a cura da lepra, e somente enquanto estão indo até os sacerdotes, quando estão cumprindo a lei, se veem curados. Mesmo na ocasião da Sua Morte e Ressurreição Jesus se deixa capturar e condenar à morte de cruz por todas as autoridades, civis e religiosas, do seu tempo e lugar.

Todos os eventos da história humana em que Jesus está imerso, constituem a trama da história da Redenção que Jesus veio cumprir. Também a doença faz parte da história na qual Jesus entrou com a Encarnação. Na sua vida pública cura muitas doenças, para nos falar da sua benevolência, e que chegou para nós o reino de Deus, que porém não tem como fim a abolição das doenças, ou da pobreza, mas a transformação dos nossos corações chamados a viver uma vida nova em Cristo.

No final dos tempos, “quando vier o Filho do homem na sua majestade” e diante d’Ele comparecerem todos os povos, e Ele os separar à Sua direita e à Sua esquerda, “dirá então o Rei aos da Sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai, entrai na herança do Reino que vos está preparado desde o princípio do mundo, porque (…) estava doente e visitastes-Me’”. Portanto a doença não será jamais erradicada completamente antes do fim da História, mas será sempre ocasião de visita, de cuidado, de prevenção, de precaução para evitar contágios, de elaboração de dados nos laboratórios médicos. Tudo isso e muito mais está contido naquelas palavras de Jesus: “estava doente e visitastes-Me” e merece o prêmio eterno do rei da Glória. A doença, que entrou no mundo depois do pecado original, é, portanto, deixada no mundo pelo Redentor, junto à fome, sede, pobreza, prisão, exílio, carestias, catástrofes naturais, e qualquer outra provação, como ocasiões para vivermos o nosso ser Cristo para os outros, na caridade.

Acreditamos que Jesus é o Senhor da história e o rei do universo. E que deixando à história humana todo tipo de calamidades, pede a nós cristãos, e a cada homem de boa vontade, que trabalhemos sempre, e em particular nas situações de crise, para difundir o bem, pessoal e comum. Esse bem será sempre frágil porque estamos em um mundo passageiro, mas somos chamados a agir sempre e em qualquer caso para amar os nosso irmãos como Ele nos amou, com obras e verdade, dando a vida se necessário, e justamente por isso entenderão que somos Seus discípulos e assim, vendo o nosso testemunho, se difundirá a boa nova em todo o mundo e junto a todos os povos, aos quais Cristo nos enviou antes de subir ao Céu. Jesus é o Senhor da História e com a sua Providência infinita consegue orientar todas as coisas ao bem. Coloquemo-nos à Sua disposição para que se realize a afirmação de São Paulo: “tudo concorre para o bem”, que São Josemaria citava com as palavras: omnia in bonum!, expressão da sua fé cheia do otimismo de filho de Deus.

Assim a história do mundo, que é sempre entrelaçada com a história da salvação, empresta-nos uma ocasião nova de viver como Cristo hoje, nesta pandemia. Acredito que na prioridade, compartilhada pela grande maioria dos italianos, da saúde e do cuidado de cada um, prioritária em relação a qualquer outro objetivo humano (econômico, esportivo, didático, social…) podemos ver enraizar-se profundamente, mesmo nos que não têm fé, aquela mensagem do Evangelho, “estava doente e visitastes-Me”, que se tornou cultura geral, e se manifesta também em leis e decretos.

O mesmo pode ser visto na virtude da solidariedade com os irmãos e as irmãs: evitemos em primeiro lugar o possível contágio ativo ou passivo; ajudemos como for possível os que sofrem, ou que estão sozinhos. Cuidemos dos doentes e nos façamos presentes, telefonemos, façamos as compras para quem não pode, ajudemos as mães com filhos pequenos em casa, incentivemos os estudantes a estudarem, alegremos os desanimados, apoiemos os idosos, confortemos a quem perdeu entes queridos. Obedecendo às autoridades civis e às autoridades da Igreja, para evitar que o mal se difunda, vivamos uma caridade sublime para com o próximo, com os nossos familiares, conosco mesmos, com a sociedade mais globalizada e mais conectada do que pensávamos, como o Papa Francisco, na Laudato si’, nos ensinou.

Inventemos formas de transformar esta ocasião em oportunidade de conversarmos mais, pelas redes sociais ou na família, e de refletir sobre temas mais profundos e decisivos para o destino do homem. Ocasião de deixar de lado críticas inúteis e prejudiciais e de nos ajudarmos. Também na dimensão formativa da vida cristã: se houver menos ocasiões de organizar encontros, avançaremos mais com iniciativa e criatividade, com espírito construtivo. Como fizeram os primeiros cristãos? Ou os primeiros leigos que evangelizaram a Coréia, onde os padres não puderam entrar durante muito tempo? Conversemos com nossos amigos, seguindo o conselho de Jesus: “a sós, entre ti e ele”. Se não é possível ou prudente frequentar os sacramentos, saibamos que Jesus pode nos dar a sua graça mesmo fora desses meios ordinários. Podemos finalmente compreender a situação de tantas regiões do mundo, como os vilarejos dos Andes ou da Amazônia, onde o sacerdote só consegue chegar de tempos em tempos.

A Santa Missa dominical: confiança na Igreja

Estejamos tranquilos em relação ao preceito dominical: a mesma autoridade da Igreja que o estabeleceu no Concílio Lateranense IV de 1215, pode, toda vez que o julgar útil ou necessário, dispensar os fiéis da participação na Missa como de qualquer outro preceito de origem eclesiástica.

Isso pode ser feito mesmo por um único pároco em tempos normais, com maior razão o Bispo de Roma em momentos de calamidade natural ou de saúde. Nos dá muita alegria pertencer a uma Igreja que não é clerical, mas que vive plenamente a cidadania com a mentalidade laical que tanto amava e ensinava São Josemaria, uma Igreja que não pretende discutir sobre temas do campo da ciência humana e do governo civil, mas que obedece às autoridades competentes, “dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus”, segundo o ensinamentos dos tempos apostólicos: “Sede obedientes a toda instituição humana, por causa do Senhor, seja ao rei, como soberano, seja aos governadores, como enviados por ele” (1 Pet 2, 13-14), naquilo que a autoridade civil determina e que não vai contra a fé nem contra a moral; pelo contrário, neste caso, nos orienta a viver de forma mais plena a fé, a caridade e a moral de colaborar para o bem comum, hoje em grande perigo. Podemos rezar individualmente e unidos em família.

Se não é prudente sair para visitar a Jesus Eucarístico e adorá-Lo, podemos fazê-lo de longe, dirigindo-nos com o pensamento ao tabernáculo mais próximo, ao vislumbrar um campanário pela janela ou ao ouvir o som dos sinos. A comunhão espiritual acende o desejo de receber a Eucaristia e Jesus responde ao nosso desejo vindo habitar em nós com a Sua graça. Temos mais tempo para estudar e preparar uma catequese personalizada, que nesses dias faremos pelo telefone, ou pelas redes sociais. Inventaremos novos modos de nos tornarmos protagonistas positivos da evangelização e da construção de uma nova época.

Começamos a Quaresma contemplando Jesus conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo, e para vencê-lo. Fomos conduzidos ao deserto do coronavírus: aceitemos esses quarenta dias ou mais de deserto inesperado, de ausência, de vazio, de incerteza, e descubramos esse deserto como um lugar onde nos redescobrimos irmãos dos nossos irmãos, não isolados uns dos outros, mas mais solidários que nunca em tudo. Talvez tenhamos perdido seguranças, certezas, programas, corridas, previsões. Podemos ganhar muito mais: confiança em Deus, o prazer do tempo passado juntos, liberdade de responder a Deus de um modo novo, libertação dos aborrecimentos. Apoiemos médicos, enfermeiros e autoridades com a nossa oração, com a proximidade do coração, a esmola generosa, a obediência escrupulosa a todos os seus apelos, que é a prioridade da caridade neste momento.

Nós nos redescobriremos desejosos de Deus, contentes com aquilo que estávamos acostumados a ter e que descobrimos ser, na verdade, um dom. Sedentos de comunhão com os outros, desejosos de nos reaproximarmos dos lugares de encontro só quando for possível sem perigo, protagonistas responsáveis da nossa história. Aprendamos dos heróis da normalidade, que já vemos em ação. Coloquemos em jogo a nossa liberdade construtiva, a nossa vontade de amar. Compreendamos que a vida não é nossa, que estamos nas mãos de Deus. Usemos bem o tempo, estudemos e façamos planos, redescobrindo amizades e relacionamentos antigos e novos.

Sonhemos um futuro cheio de esperança. Coloquemos as bases para recomeçar. Façamos sugestões e indiquemos às autoridades o que pode ajudar, mas sobretudo arregacemos as mangas e redescubramos o gosto por construir, pelo trabalho, estudo, lazer, relacionamentos, amizade e futuro. Os acontecimentos da vida de repente desaceleraram e pode acontecer que a vontade de conversar passe. Mas, ao contrário, podemos reatar relacionamentos sobre bases mais profundas: temos menos detalhes fúteis para contar, menos fofocas: contemos quem somos de verdade e como estamos vivendo este período. É uma ocasião para nos perguntarmos: o que me pede Deus Espírito Santo levando-me como Jesus a esse deserto, nessa situação tão nova, tão desconcertante para meus hábitos, inclusive mentais: onde quer me fazer chegar? A viver uma vida verdadeiramente nova em Cristo, com hábitos novos e capacidades que eu não sabia que tinha? Sairemos desta provação, com a ajuda de Deus, com a fé reforçada, livre de rotinas e exterioridades.

São João Paulo II aplicava a categoria de “noite escura” da fé, de que falava São João da Cruz, às vicissitudes da história humana: “Sofrimentos físicos, morais ou espirituais, como a doença, o flagelo da fome, a guerra, a injustiça, a solidão, a falta do sentido da vida, a própria fragilidade da existência humana, a consciência dolorosa do pecado, a aparente ausência de Deus, são para quem crê uma experiência purificadora que poderia ser chamada de noite escura” (carta Maestro della fede, 14-12-1990, n.14).

E nessa noite da fé, a fé pode crescer e sair purificada. Invoquemos a Deus através da intercessão de São Josemaria, que passou vários meses sem Missa recluso na Legação de Honduras e soube até mesmo transformar a guerra civil espanhola em uma ocasião de crescimento na vida espiritual e no apostolado. Com dor pelos falecidos e solidariedade para com todos aqueles que foram particularmente feridos por essa crise, com a descoberta de poder viver em família momentos inesperados de comunhão e de serenidade, e confortando as famílias que estão ao limite, compartilhando ideias novas para a solidariedade. Com a esperança de que os anjos venham servir-nos como a Jesus, no fim dos quarenta dias de deserto, e que Nossa Senhora da saúde, temporal e eterna, nos proteja e nos abençoe sempre.

Andrea Mardegan

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF