A Bem-Aventurada Virgem Maria e a Busca da Unidade
Ervino Schmidt
Teólogo*
3. Confissões da Fé comum
A fé cristã vivenciada em distintas culturas e contextos necessita
formulação comum. A fé no único Senhor encontrou forma em credos que uniam os
cristãos não obstante as diferenças de cultura, classe e raça.
Surgiram formulações como o Credo Apostólico e o Credo Niceno
Constantinopolitano. Ambos gozam de ampla aceitação entre as igrejas. O Credo
de Nicéia e de Constantinopla (381) – até hoje – é percebido como expressão
apropriada dos fundamentos da fé apostólica. Sua acolhida foi mais universal do
que a de qualquer outra confissão formulada. Pois bem, esses credos são aceitos
por praticamente todas as igrejas. São herança comum.
3.1. Nascido da Virgem Maria
Também os cristãos evangélicos confessam concebido do Espírito Santo,
nasceu da Virgem Maria. E com o Niceno Constantinopolitano afirmam: Cremos em
um só Senhor Jesus Cristo, o Filho Unigênito de Deus, gerado do Pai antes de
todos os séculos, (Deus de Deus), Luz de Luz, Verdadeiro Deus de Verdadeiro
Deus, gerado e não feito, da mesma substância que o Pai, por meio do qual todas
as coisas vieram a ser; o qual, por nós, os homens, e pela nossa salvação,
desceu dos céus e se encarnou do Espírito Santo e da Virgem Maria e se fez
homem e foi por nós crucificado sob Pôncio Pilatos e padeceu e foi sepultado e
ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e subiu aos céus e está
sentado a direita do Pai e virá de novo, com glória a julgar vivos e mortos; e
o seu reino não haverá fim.
Destaca-se a humanidade de Jesus. É ai que se rompe a distância entre
Deus e os seres humanos. Verdadeiro homem, mas também verdadeiro Deus, pois
concebido pelo Espírito Santo. Não se destaca, porém, qualquer mérito próprio
de Maria.
A referência à virgindade de Maria, muito longe de estatuir um valor
próprio à Maria, justamente o desfaz. Maria não tem mérito algum, não pode
fazer nada, mas foi simplesmente agraciada. Ela é simplesmente recebedora. Como
tal é condizente relembrá-la, mas sempre apenas como aquela que foi escolhida
por Deus para dar à luz seu filho. A referência à virgindade de Maria, antes de
ser a descrição de um fato biológico, é expressão da confissão de que aquele
Jesus, tão humano, nascido de Maria, é o enviado de Deus, sim: é o próprio
Deus. (2)
Que Deus assumiu forma humana, que o Verbo se fez carne é, no fundo, um
mistério. Este mistério é expresso de maneira magistral nas narrativas bíblicas
do nascimento de Jesus e também nos credos que mencionamos. Modificando uma
expressão de Ulrich Wilckens (3) eu diria: o singular nascimento é sinal para o
nascido singular.
3.2. Mãe de Deus
O Terceiro Concilio Ecumênico, realizado em Éfeso no ano de 431 afirma:
Quem não confessa que Emanuel é verdadeiramente Deus e a Santa Virgem, por
isso, Mãe de Deus (…) seja excomungado. É uma formulação cristológica, sem
dúvida, muito forte.
Ela é retomada, em 451, no Quarto Concilio Ecumênico, em Calcedônia.
Este título Theotokos, Mãe de Deus, praticamente não é contestado. As igrejas
que reconhecem os Concílios Ecumênicos, reconhecem com isso também o título Mãe
de Deus e o respeitam. Talvez o Theotokos possa vir a ser elemento importante
na discussão ecumênica sobre Maria. Permanece a pergunta: Por que não aceitar
igualmente a formulação de Nestório que propunha o Christotokos? Aliás, talvez
devêssemos estudar as formulações destes credos ainda mais a partir do
histórico do seu surgimento do que aqui nos é possível fazer. De qualquer modo,
a designação Mãe de Deus é feita com clara intenção cristológica.
Bibliografia:
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ALTHAUS, Paul. Die Chistliche Wahrheit. Gütersloh, 1969, p. 440-443.
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ALTMAM, Walter. O segundo artigo. In: Proclamar Libertação (Catecismo).
São Leopoldo, Sinodal, 1982, p. 99-106.
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Paulo, 1969.
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STROHL, Henri. In ASTE – Associação dos Seminários Teológicos
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TAKATSU, Sumio. Dogmas mariológicos e suas implicações. In: ASTE –
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TEIXEIRA, Luís Caetano G. A Bem-aventurada Virgem Maria no Anglicanismo.
Policopiado, 1996.
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WILCKENS, Ulrich. Maria. In: Feiner, Johannes – Vischer, Lucas (eds.). O
novo livro da fé. Petrópolis, Vozes, 1976.
Notas:
2. Palestra proferida no Encontro Latino-Americano de Estudos – Curso para
Bispos, Ibiuna-SP, 15 a 24/10/96.
3. Walter ALTMANN, Proclamar libertação, Catecismo p. 101.
*Mestre em Teologia pela Universidade de Hamburgo (Alemanha), Pastor da
Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). Secretário Executivo
do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC), em Brasília.
Publicado in: (ESPAÇOS 4/2 (1996), p. 119-130)
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