As Festas do Senhor
durante o Tempo Comum (1)
Neste editorial dedicado às festas do Senhor que a Igreja nos apresenta
ao longo do Tempo comum, recolhemos algumas considerações de quatro delas: a
Apresentação e a Anunciação do Senhor, a Santíssima Trindade e o Corpus
Christi.
13/06/2019
O tempo de uma presença
“Como agora eu, que vim a vós em nome do Senhor, vos encontrei em
vigília em seu nome, assim o próprio Senhor, em cuja honra celebramos esta
solenidade, encontrará a sua Igreja velando na luz da alma, quando vier
despertá-la” [1].
Velar na luz da alma: estas palavras de Santo Agostinho, pronunciadas durante
uma vigília pascal, resumem bem o sentido das grandes solenidades e festas do
Senhor que marcam o Tempo Comum, desdobrando, ao longo de todo o ano, o
mistério da salvação que brota da Cruz, emana do Sepulcro vazio e renova a face
da terra.
“O único e idêntico centro da liturgia e da vida cristã –o mistério
pascal –adquire então, nas diversas solenidades e festas, "formas"
específicas, com ulteriores significados e com particulares dons da
graça” [2]. As
festas da Transfiguração e da Exaltação da Santa Cruz são comuns a todas as
tradições litúrgicas, enquanto que as solenidades da Santíssima Trindade, do
Santíssimo Corpo de Cristo, do Sagrado Coração de Jesus e de Cristo, Rei do
Universo são próprias da Igreja romana.
Por último, duas festas profundamente vinculadas com a vida de Maria, a
Apresentação de Jesus no Templo e a solenidade da Anunciação do Senhor,
celebram-se também dentro do Tempo comum. Por seu teor teológico, ambas
pertencem, na realidade, ao ciclo de Manifestação ou Tempo de Natal, mas seu
lugar no calendário se deve ao modo pelo qual, por caminhos complexos, se
acabou fixando sua data.
A APRESENTAÇÃO DE JESUS NO TEMPLO
A lei mosaica prescrevia que todo primogênito de Israel devia ser
consagrado a Deus quarenta dias depois de nascer e ser resgatado com uma soma
oferecida ao tesouro do Templo. Tratava-se de lembrar como os primogênitos
foram preservados na noite da primeira Páscoa, durante a saída de Egito. O
Evangelho de São Lucas recolhe a apresentação de Jesus no Templo desta forma:
“Concluídos os dias da sua purificação da mãe e do filho, segundo a Lei de
Moisés, Maria e José levaram Jesus a Jerusalém para o apresentar ao Senhor,
conforme o que está escrito na lei do Senhor: Todo primogênito do sexo
masculino será consagrado ao Senhor” [3]. São
José e Nossa Senhora entram no templo, despercebidos entre a multidão: o
Esperado por todos os homens entra inerme, no colo de sua Mãe, na casa de seu
Pai. A liturgia desse dia nos desperta com o salmo responsorial, para que
adoremos o Rei da Glória no seio desta discreta família. “Ó portas, levantai
vossos frontões! Elevai-vos bem mais alto, antigas portas, a fim de que o rei
da glória possa entrar!” [4]
Foi no século IV que a Igreja de Jerusalém começou a celebrar anualmente
esse mistério. A festa era celebrada no dia 14 de fevereiro, quarenta dias
depois da Epifania, porque a liturgia de Jerusalém ainda não tinha adotado o
costume romano de celebrar o Natal no dia 25 de dezembro. Por isso, quando este
uso se tornou comum em toda a orbe cristã, a festa da Apresentação foi
transladada para o dia 2 de fevereiro e assim se estendeu por todo o Oriente.
Em Bizâncio, foi introduzida pelo imperador Justiniano I, no século VI, sob a
avocação de Hypapante ou o encontro de Jesus
com o ancião Simeão, figura dos justos de Israel, que pacientemente tinha
esperado por um longo tempo o cumprimento das promessas messiânicas.
Durante o século VII, a celebração arraigou-se também no Ocidente. O
nome popular de candelária oufesta da luz provem
da tradição de fazer uma procissão com velas, instituída pelo Papa Sérgio I.
Como proclama o ancião Simeão, Jesus é o Salvador, apresentado“diante de todos
os povos, como luz para iluminar as nações”. [5]A
Igreja, ao celebrar a vinda e manifestação da luz divina ao mundo, benze as
velas todos os anos, como símbolo da perene presença de Jesus e da luz da fé
que os fiéis recebem pelo sacramento do Batismo. Assim, a procissão com as
velas acesas se converte em uma expressão da vida cristã: um caminho iluminado
pela luz de Cristo.
A comemoração anual da Apresentação de Jesus no Templo é também uma
celebração mariana. Por isso, em determinadas épocas, foi conhecida como festa
da Purificação de Maria. Ainda que preservada por Deus do pecado original,
Maria, como mãe hebreia, quer se submeter à Lei do Senhor e por isso
oferece “um par de rolas ou dois pombinhos”.[6]A
oblação de Maria se converte assim em um sinal da sua obediência pronta aos
mandatos de Deus. “Aprenderás com este exemplo, menino bobo, a cumprir a Santa
Lei de Deus, apesar de todos os sacrifícios pessoais?”[7]
A ANUNCIAÇÃO DO SENHOR
No dia 25 de março, a Igreja celebra o anúncio do cumprimento das
promessas de salvação. Maria conhece, dos lábios do Anjo, que achou graça
diante de Deus. Pela ação do Espírito Santo, conceberá um filho que será
chamado Filho de Deus. Salvará o seu povo e se elevará sobre o trono de Davi e
o seu reino não terá fim [8]. É a
festa da Encarnação: o Filho eterno do Pai entra na história. Faz-se homem na
carne de Maria, uma moça humilde do povo de Israel. Desde então, “a história
não é mais uma simples sucessão de séculos, anos, dias, mas sim o tempo de uma
presença que lhe dá pleno significado e abertura a uma sólida esperança” [9].
É provável que, no século IV, essa festa já fosse celebrada na
Palestina, pois naquelas datas se levantou uma basílica em Nazaré, no lugar
onde a tradição colocava a casa de Maria. Esse forte traço mariano pode ser
percebido no nome que a celebração também recebeu: Anunciação à Virgem
Maria. Muito brevemente, durante o século V, a festa será difundida pelo
oriente cristão, para depois ser transmitida ao Ocidente. Na segunda metade do
século VII, já há testemunhas de sua celebração na Igreja romana, no dia 25 de
março, sob a avocação de Annuntiatio Domini.
A data escolhida para a festa parte de uma antiga tradição que colocava
a criação do mundo no dia preciso do equinócio da primavera (que no início da
era cristã correspondia ao dia 25 de março do calendário juliano). De acordo
com a ideia de que a perfeição implica no cumprimento de ciclos completos, os
primeiros cristãos consideraram que a encarnação de Cristo (começo da nova
criação), a sua morte na cruz, e a sua vinda definitiva no final dos tempos,
deviam ser situados nessa mesma data, que, dessa forma, aparece carregada de
sentido. Além disso, o lugar preciso do Natal no calendário – nove meses depois
da Anunciação –, parece ter sua origem nessa primitiva datação.
Os textos da Missa e da Liturgia das Horas dessa solenidade focam-se na
contemplação do Verbo feito carne. O salmo 39 (40) evocado na antífona de
entrada, no salmo responsorial e na segunda leitura é o fio condutor de toda
celebração: “Eis que venho fazer a vossa vontade, Senhor!” [10].Jesus
se encarna por obediência ao querer de seu Pai; e, sua mãe atua da mesma forma.
Maria se turba, mas não põe objeções: não duvida da palavra do anjo. Movida
pela fé, diz “sim” à vontade de Deus. “Maria manifesta-se santamente
transformada, no seu coração puríssimo, em face da humildade de Deus: (...). A
humildade da Virgem é consequência desse abismo insondável de graça, que se
opera com a Encarnação da Segunda Pessoa da Trindade Beatíssima nas entranhas
de sua Mãe sempre Imaculada ”[11].
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Notas:
[1] Santo
Agostinho, Sermão 223 D (PL Supplementum 2,
717-718).
[2] Bento
XVI, Homilia, 31-V-2009.
[3] Lc.
2,22-23.
[4] Salmo
23 (24), 7.
[5] Lc.
2,32.
[6] Lc.
2,24.
[7] Santo
Rosário, IV mistério gozoso.
[8] Cfr.
Lc 1, 26-33.
[9] Bento
XVI, Audiência, 12-XII-2012.
[10] Cfr.
Sl 39 (40), 8-9.
[11] Amigos
de Deus, n. 96.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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