Caminhar para Jesus
Cristo
Seguindo o ensinamento de São Josemaria, contemplamos nesse artigo, a
passagem do Evangelho em que Jesus caminha sobre as águas. Entrando na cena,
como se fôssemos um personagem a mais, compreenderemos que, junto dEle,
superam-se as dificuldades, inseguranças e temores.
12/04/2017
Vários milhares de pessoas tinham escutado a pregação de Jesus Cristo e
tinham se saciado com os pães e os peixes que Ele lhes tinha proporcionado, com
tal abundância a ponto de ter sobrado uma boa quantidade[1].
Supõe-se que os apóstolos tenham ficado assombrados.
Juntamente com o assombro, estavam embargados de alegria. Tinham
experimentado, uma vez mais, a proximidade do Senhor. Pode parecer que esta
nova experiência não deveria ter maior importância para quem já estava
habituado a conviver com Jesus Cristo. Porém, como esquecemos tão rapidamente
os momentos em que apalpamos a presença de Deus ao nosso lado; e, por isso,
como voltamos a nos surpreender e alegrar quando a percebemos de novo.
Quantas vezes notamos com clareza que Deus está junto de nós, que não
nos abandonou num momento importante, e nos enchemos de uma alegria e de uma
segurança que não se devem somente ao bom resultado do que nos interessava, mas
também – e principalmente – à consciência de que vivemos com o Senhor.
E, no entanto, quantas vezes o perdemos de vista e deixamos que nos
oprima o medo de que outro assunto importante não termine tão bem quanto; como
se Deus pudesse se esquecer de nós ou como se a cruz fosse sinal de que Ele se
afastou.
Dificuldades
Depois de despedir a multidão, Jesus pediu aos Apóstolos que passassem à
outra margem do lago, enquanto Ele dedicava um tempo à oração[2].
Para eles, especialistas como eram, a travessia não apresentava uma particular
dificuldade. E mesmo que apresentasse, depois do que acabavam de presenciar,
que obstáculo poderia parecer-lhes insuperável?
Pouco a pouco, a barca foi se afastando da terra, e chegou um momento em
que ficou muito lenta. Quando caiu a noite, já a boa distância da
margem, a barca era agitada pelas ondas, pois o vento era contrário[3]:
não podiam voltar atrás, mas tampouco parecia que avançavam; tinham a impressão
de que as ondas e o vento – as dificuldades – tinham assumido o controle e o
único que lhes restava era tentar manter-se flutuando.
Assustaram-se. Como parecia longínquo agora o milagre que tinham
contemplado poucas horas antes! Se ao menos o Senhor estivesse com eles…, mas
Ele tinha ficado em terra. Sim, tinha ficado, mas não os tinha deixado sós, não
os esquecera: embora eles não o soubessem, contemplava do monte a sua
dificuldade, o seu esforço e a sua fadiga[4].
É fácil que no início da vida interior se experimente com certa clareza
o próprio progresso: aos olhos de quem começa a adentrar-se no mar, a margem se
afasta rapidamente. Passa o tempo e, embora se continue lutando e avançando,
não se percebe de modo tão patente. Sentem-se mais as ondas e o vento, a margem
parece ter ficado fixa num mesmo ponto. É o momento da fé. É o momento de
fomentar a consciência de que o Senhor não se desentendeu de nós. É o momento
de recordar que as dificuldades – o vento e as ondas – formam, inevitavelmente,
parte da vida, dessa existência que temos que santificar e com a qual lidamos
sabendo que estamos muito acompanhados por Jesus Cristo.
A experiência da proximidade de Deus e do poder da sua graça não nos
exime da tarefa de enfrentar as dificuldades. Não podemos pretender que a parte
sensível dessa experiência seja permanente; não podemos pretender que, uma vez
que estamos perto de Deus, os problemas não nos pesem. E tampouco podemos cair
no erro de vê-los como uma manifestação de que o Senhor se afastou de nós,
ainda que seja só um pouco e por um breve tempo.
As dificuldades são precisamente a ocasião de mostrar até que ponto
amamos Deus, até que ponto somos bons, com a aceitação serena dos
inconvenientes que não pudemos ou não soubemos superar.
Inquietações
Fazia tempo que Pedro e os demais lutavam contra o vento, as águas e com
a sua própria angústia interior, quando o Senhor veio ajudá-los[5].
Podia tê-lo feito de muitas maneiras: podia ter anulado em seguida a
dificuldade ou apresentar-se na barca sem que o vissem chegar; mas tinha outros
ensinamentos para lhes transmitir. Aproximou-se deles caminhando sobre o mar.
Era noite, e não era fácil reconhecê-lo. O fato era, por si mesmo,
espantoso, mas, além disso, eles já estavam assustados, e o medo rouba das
pessoas que o sofrem a serenidade e a clareza de juízo sobre os acontecimentos
que de algum modo as atinge. Nestas circunstâncias, é compreensível a reação
deles: começaram a gritar.
O Senhor os tranquilizou: tranquilizai-vos, sou eu, não tenhais
medo[6].
Ele não acalmou o vento e as ondas nesse momento, mas deu-lhes uma luz para que
o coração deles não naufragasse: sei que estais atravessando dificuldades, mas
não temais, continuai lutando, confiai em que Eu não vos esqueci e que continuo
perto de vós.
Pedro teve uma reação impulsiva: Senhor, se és tu, manda-me ir
sobre as águas até junto de ti[7].
Entre os Apóstolos é quase sempre Pedro quem se lança, para bem ou para mal: é
ele que recebe as reprimendas mais fortes do Senhor[8] e
é ele também quem o confessa com uma audácia que acaba arrastando os demais em
momentos difíceis[9]. Mas
a sua iniciativa de agora mostra-se surpreendente, inclusive num caráter
impulsivo: Simão se encontraria no apuro de ter que descer da barca e apoiar-se
numa superfície agitada, descontrolada, impossível de dominar e de prever.
À voz do seu Mestre, passou um pé pela borda, depois o outro e pôs-se a
caminhar em direção ao Senhor: queria aproximar-se de Cristo e estava disposto
a qualquer coisa para consegui-lo.
Oxalá os propósitos de maior generosidade que formulamos perante o
Senhor em momentos de inquietação não fiquem só em palavras. Oxalá a nossa
confiança em Deus seja mais forte que a indecisão ou o temor de pô-los em
prática. Oxalá sejamos capazes de passar os nossos pés pela borda, embora
suponha apoiá-los numa base aparentemente nada apta para sustentar-nos, e
caminhemos em direção a Jesus Cristo. Porque para ir em direção a Deus é
preciso arriscar, é preciso perder o medo das inquietações, é preciso estar
disposto a pôr a vida em jogo.
Caminhando sobre as águas, Pedro sentia mais as ondas e o vento que os
outros; a sua vida dependia da fé mais que a vida dos demais, precisamente
porque tinha descido da barca e caminhava em direção a Jesus. Não é esta a
arriscada situação do cristão? Não estamos também nós procurando caminhar em
direção ao Senhor em meio a circunstâncias – externas e também interiores –
que, em boa parte, fogem do nosso controle?
Estamos mais expostos às ondas do que quem, temendo enfrentar-se com a
imensidão do sobrenatural, preferem a pobre e aparente segurança que lhes
oferece o pequeno âmbito da sua barca. Por isso, é estranho que, às vezes,
notemos que o chão se mexe, que tenhamos alguma inquietação? São precisamente
nesses momentos que precisamos tomar consciência, uma vez mais, de que vivemos
da fé; não de uma fé que acalma as ondas, que elimina a inquietação de caminhar
sobre elas, mas sim de uma fé que, em meio a essa inquietação, nos dá uma luz e
também dá um sentido a essas ondas.
Foi pela fé que fez [os israelitas] atravessarem
o mar Vermelho, como por terreno seco, ao passo que os egípcios que se
atreveram a persegui-los foram afogados[10].
Sem fé, as dificuldades da vida nos engolem, nos entristecem, afogamo-nos
nelas. Com a fé, não as evitamos, mas temos mais recursos, sabemos que Deus
pode voltá-las a nosso favor: pareceria inquietante e pavoroso ao povo eleito
ter de caminhar pelo fundo do mar, com o perigo, ademais, de que os seus
inimigos os alcançassem; mas, através dessa dificuldade e dessa inquietação,
conseguiram a sua salvação. Ao final comprova-se que a inquietação de caminhar
em direção a Deus proporciona uma base mais firme para edificar a própria vida
do que a aparente segurança que a barca oferece.
_________
[1] Cf.
Mt 14, 20-21.
[2] Cf.
Mt 14, 22-23.
[3] Mt
14, 24.
[4] Cf.
Mc 6, 48.
[5] Cf.
Mt 14, 25.
[6] Mt
14, 27.
[7] Mt
14, 28.
[8] Cf.
Mt 16, 23; Mc 8, 33.
[9] Cf.
Mt 16, 15-16; Jo 6, 67-68.
[10] Hb
11, 29.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br
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