Caminhar para Jesus
Cristo
Seguindo o ensinamento de São Josemaria, contemplamos nesse artigo, a
passagem do Evangelho em que Jesus caminha sobre as águas. Entrando na cena,
como se fôssemos um personagem a mais, compreenderemos que, junto dEle,
superam-se as dificuldades, inseguranças e temores.
12/04/2017
Inseguranças
Pedro já tinha dado uns quantos passos quando, redobrando a
violência do vento, teve medo. Começou a afundar e pediu ajuda ao
Senhor. Jesus estendeu-lhe a mão, segurou-o e lhe disse: Homem de pouca
fé, por que duvidaste?[11].
Homem de pouca fé. Quem lê o Evangelho fica
surpreendido perante estas palavras. Inclusive, é possível que se sinta
entristecido e se pergunte: se o Senhor recrimina pela sua falta de fé a quem,
vencendo medo, desceu da barca e começou a caminhar com Ele, o que poderia dizer
de mim?; resta-me alguma esperança de que um dia Cristo veja em mim um homem ou
uma mulher de fé? Porém, se continua meditando, também surgirão outros
questionamentos: será que Jesus esperava que Pedro caminhasse sobre o mar com
toda tranquilidade, como se o tivesse feito sobre terra firme, num dia
aprazível e ensolarado? Por acaso as palavras do Senhor significam que temos
que ser impassíveis ou indiferentes perante os problemas? Não, porque o próprio
Jesus Cristo se angustiou no horto perante algo objetivamente temível.
A luta por viver de fé não tem como meta sentir-se seguro diante das
dificuldades; não é a tentativa de que as coisas não nos afetem, de que não nos
importe o que é importante, de que não nos doa o que é doloroso ou de que não
nos preocupe o que é preocupante. Na verdade, é o empenho de não se esquecer de
que Deus nunca nos deixa e de aproveitar essas circunstâncias difíceis para
aproximarmo-nos ainda mais dele. Verdadeiramente a vida – que já de per
si é estreita e insegura – às vezes se torna difícil. Mas isso contribuirá para
fazer-te mais sobrenatural, para te fazer ver a mão de Deus: e assim serás mais
humano e compreensivo com os que te rodeiam[12].
É lógico que Pedro sentisse inquietação e é lógico que a sentisse desde
os seus primeiros passos, porque o que estava fazendo superava as suas
capacidades humanas, quer houvesse vento e ondas, quer não os houvesse: não é
mais fácil caminhar sobre a água sem vento e ondas que com eles. Onde esteve,
então, a falta de fé de Pedro? Talvez nem tanto na insegurança que sentiu, mas
em duvidar de Cristo. Até esse instante, o seu olhar estava posto nEle;
sentia-se inseguro, certamente, mas não reparava demais nisso, porque o que era
crucial, o que requeria a sua atenção eram os seus passos em direção ao Mestre.
De repente, tomou consciência da sua insegurança e não se fiou de Jesus. A
insegurança natural, razoável, degenerou-se em medo.
Temores
O medo oprime e torna reais problemas que, inicialmente, estavam só na
imaginação. Algumas coisas nos acontecem porque temos medo de que nos
aconteçam: medo de ter uma tentação, medo de ficarmos nervosos, medo de ficar
mal perante os demais, medo de não conseguir explicar algo com a firmeza
suficiente, medo de não saber enfocar um problema…
Como lutar? Procuremos aceitar essa insegurança, porque só assim
evitaremos que se converta em objeto da nossa atenção. Não nos deve importar
como nos sentimos enquanto o fazemos. Assim, poderemos caminhar em direção a
Jesus Cristo entre as ondas e o vento, sem que nos angustiemos com a
dificuldade que isso supõe.
São João escreve numa de suas epístolas que no amor não há
temor; antes, o perfeito amor lança fora o temor (...) e quem teme não é
perfeito no amor[13]. São Josemaria gostava de resumi-lo do seguinte modo: quem
tem medo não sabe amar[14]. O amor e o medo pertencem a ordens
diversas, que se excluem. Somente podem conviver quando o amor não é perfeito.
O medo é um sentimento de inquietação perante a possibilidade de perder
algo que se tem ou que se deseja possuir no futuro. Pois bem, a insegurança
forma parte da condição humana, do fato de que não temos um domínio perfeito
nem sequer sobre nós mesmos. Por isso, não podemos excluir totalmente a
insegurança nesta vida. De outro modo, a esperança não existiria como virtude,
porque onde há certeza absoluta a não cabe a esperança[15].
A ordem do amor tem de excluir, portanto, o temor, mas não forçosamente
a insegurança. Viver na ordem do amor supõe, então, que a insegurança não se
degenere em medo, supõe aceitá-la, assumi-la integrando-a numa visão mais
ampla, dentro da confiança em Deus, sem pretender ilusoriamente excluí-la de
todo. Não podemos aspirar a uma segurança total. A insegurança que podemos
sentir diante das nossas poucas forças é ocasião de fomentar o abandono em
Deus.
Deste modo, a fé não é vista como um peso, mas como uma luz, como algo
que indica um caminho, que ensina a aproveitar a própria miséria para abrir a
alma a Deus. O cristão não espera de Deus que o faça sentir-se seguro em si
mesmo; espera que a confiança nEle o ajude a ver para além da sua insegurança.
Se o nosso olhar não se fixa na própria limitação, mas, sem rejeitá-la, a
transcende, podemos realmente excluir o temor e viver na ordem do amor.
Um homem ou uma mulher de fé experimenta a inquietação, a dúvida, fica
nervoso, sente vergonha, teme ficar mal diante dos outros, vê-se incapaz…
Porém, aceita esses sentimentos sem atribuir-lhes mais importância da que têm,
sem permitir que absorvam o seu olhar e o paralisem; não se revolta contra
eles, não os vê como uma prova da sua falta de fé, nem deixa que o fato de
senti-los o desanime; e segue adiante, ainda que descubra pontos da doutrina
que necessita entender melhor, ainda que se sinta superado ou fora de lugar… ou
ainda que a voz lhe trema. Aprendeu a não dar especial atenção a essas
inquietações. Aprendeu a caminhar em direção a Cristo entre as ondas. E se a
força do vento ou do mar o impedisse de vê-lO, sabe que é criança. Não
tens visto as mães da terra, de braços estendidos, seguirem os seus meninos
quando se aventuram, temerosos, a dar os primeiros passos sem ajuda de ninguém?
– Não estás só; Maria está junto de ti [16].
Com Ela, a alma aprendeu a confiar em Deus.
____________
[11] Mt 14, 29-31.
[12] São Josemaria, Sulco, n. 762.
[13] 1 Jo 4, 18.
[14] São Josemaria, Forja, n. 260.
[15] Cf. Rm 8, 24.
[16] São Josemaria, Caminho, n. 900
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