Sete sacramentos, por quê?
Se cada sacramento dá (ou aumenta) a graça
santificante à alma, por que Jesus instituiu sete? Não teria bastado instituir
um só, que receberíamos conforme necessitássemos?
Assim seria se a graça
santificante fosse a única espécie de graça de Deus tivesse querido dar-nos, e
se a vida espiritual que a graça santificante institui fosse a única ajuda que
Deus tivesse querido dar-nos. Mas Deus, de quem procede toda a paternidade, não
determinou prover-nos de vida espiritual e depois deixar-nos entregues à nossa
sorte. Os pais não dizem ao filho recém-nascido: “Nós demos a vida a você, mas
não haverá alimento quando você tiver fome, nem remédios quando adoecer, nem o
apoio de um braço quando se sentir fraco. Portanto, arranje-se e viva como
puder”.
Deus dá-nos a vida espiritual,
que é a graça santificante; e, depois, provê-nos de tudo aquilo de que
necessitamos para que essa vida seja atuante em nós – sem nos privar da nossa
liberdade -, para que cresça e se conserve. Em consequência, além da graça
santificante, que é comum a todos os sacramentos, há outras ajudas especiais
que Deus nos dá, ajudas adequadas às nossas necessidades particulares ou ao
nosso estado de vida. A ajuda especial que, neste sentido, cada sacramento dá,
chama-se a graça sacramental de cada um dos sete sacramentos.
Seria muito interessante fazer
agora uma pausa e perguntar-nos: “Se Deus tivesse deixado ao meu critério a
decisão sobre o número dos sacramentos que deveria haver quantos teria eu
estabelecido?” Poderíamos ter decidido que fossem três, ou cinco, ou dez, ou
qualquer outro número; mas, se estudássemos as nossas necessidades espirituais
à luz das necessidades naturais, é muito provável que também chegássemos à
mesma conclusão que Deus, acabando por decidir que os sacramentos teriam que
ser sete.
Na ordem natural, a primeira
coisa que acontece é nascermos. No nascimento, recebemos não só a vida, mas
também o poder de renová-la, a faculdade de repor e reparar as células
corporais, faculdade necessária para que a vida se mantenha. Parecer-nos-ia, pois,
sumamente oportuno contar com um sacramento que nos desse não só a vida
espiritual (a graça santificante), mas também o poder de conservar e renovar
incessantemente essa vida. Assim, não surpreende que Deus nos tenha dado esse
sacramento – o Batismo – pelo qual recebemos a graça santificante, bem como uma
cadeia ininterrupta de graças que nos permitem conservar e aumentar essa graça
com a prática das virtudes da fé, esperança e caridade.
Depois de nascer, há outra coisa
importante que nos acontece na ordem física: crescermos, amadurecemos. Não
será, pois, conveniente que exista um sacramento que nos confira a maturidade
espiritual e nos livre dos temores e fraquezas da infância, tornando-nos
fortes, intrépidos e apostólicos na confissão e nos exercícios da nossa fé? Em
resposta a essa linha de raciocínio, temos o sacramento da Confirmação (ou
Crisma), que não estabelece também um depósito de graças atuais (a graça
sacramental), das quais podemos valer-nos para nos fazermos fortes, ativos e
frutíferos exemplos de vida cristã.
Depois do nascimento e da
maturidade, o terceiro grande fenômeno do nosso ser físico é a morte: nascemos,
crescemos e morremos. A fim de nos prepararmos para enfrentar com confiança o
terrível momento da nossa dissolução física, contamos com o sacramento da Unção
dos Enfermos e a sua graça especial própria, que nos conforta no sofrimento e
nos sustém perante as tentações finais que possam assaltar-nos, preparando-nos
para entrar com gozo na eternidade.
Independentemente dos seus três
grandes períodos, a vida precisa satisfazer duas grandes necessidades: a do
alimento, para podermos crescer e conservar-nos saudáveis; e a dos remédios,
que nos curam das enfermidades e nos vacinam contra as infecções. Correspondentemente,
temos dois sacramentos que são para a alma o que o alimento e os remédios são
para o corpo: o sacramento da Eucaristia, cuja graça sacramental especifica é o
crescimento da caridade sobrenatural (o amor de Deus e do próximo); e o sacramento
da Penitência, que nos vacina contra o pecado e cuja graça sacramental é curar
as enfermidades espirituais do pecado e ajudar-nos a vencer as tentações.
Depois das três grandes etapas e
das duas necessidades essenciais da vida, temos os dois grandes estados, que
impõem grave responsabilidade pela alma dos outros: o sacerdócio e o
matrimônio. Por isso, não nos causa surpresa descobrir que há dois sacramentos
– a Ordem e o Matrimônio – que conferem a quem os recebe a sua própria graça
sacramental para que os sacerdotes e esposos possam enfrentar fácil e
meritoriamente perante Deus as cargas, por vezes pesadas, das suas obrigações
de estado.
Como vemos, a “graça
sacramental” de um sacramento não é algo que recebamos de uma vez. Trata-se
antes de uma espécie de garantia moral da ajuda divina (algo semelhante ao que
se passa se dispomos de um talão de cheques com uma conta bancária), para qualquer
necessidade que se nos depare e consoante e quando se nos depara, para
cumprirmos o fim específico desse sacramento particular. Dá-nos direito a uma
corrente de graças atuais. Essa corrente de graças será longa ou curta,
conforme se trate de um sacramento que possamos receber uma vez (ou raras
vezes) ou com muita frequência.
Se você molha um dedo na água
benta e faz o sinal da cruz, receberá uma graça, uma graça atual, se não
levanta obstáculos; e também um incremento da graça santificante, se realiza a
ação livre já do pecado mortal e com devoção. A água benta é um sacramental, e
os sacramentais devem a sua eficácia principalmente às orações que a Igreja
oferece (por exemplo, na cerimônia da bênção da água) por aqueles que os usam.
A prece da Igreja é o que torna um sacramental veículo de graça. O sinal
externo de um sacramental – a água, no casa da água benta -, por si e em si,
não tem a faculdade de conferir graça.
No caso dos sacramentos,
trata-se de algo muito diferente.
Um sacramento dá graça por si e
em si, pelo seu próprio poder; e isso é assim porque Jesus uniu a sua graça ao
sinal externo, de modo que, por assim dizer, o sinal sensível e a graça andam
sempre juntos. Isto não quer dizer que a nossa disposição não faça diferença.
Podemos, evidentemente, impedir por um ato positivo da vontade que a graça
penetre na nossa alma; por exemplo, por não querermos expressamente recebe-la
ou por não nos arrependermos sinceramente do pecado mortal. Mas, se não se põe
uma barreira direta, ao recebermos um sacramento, recebemos graça. O próprio
sacramento dá graça.
As nossas disposições
interiores, no entanto, afetam a quantidade de graça que recebemos. Quanto mais
perfeita for a nossa contrição no sacramento da Penitência; quanto mais ardente
o nosso amor ao recebermos o sacramento da Eucaristia; quanto mais viva a nossa
fé ao recebermos a Confirmação – tanto maior será a graça recebida. As nossas
disposições não causam a graça; simplesmente, removem os obstáculos à sua
recepção e, em certo sentido, aumentam a capacidade da nossa alma para
recebê-la. Poderíamos ilustrar esta afirmação dizendo que, quanto mais areia
tirarmos do balde, mais água poderá ele conter.
As disposições de quem
administra o sacramento não influem no seu efeito. É uma grande desordem que um
sacerdote administre um sacramento com a sua alma em pecado mortal; mas isso
não diminui a graça que o sacramento confere. Quem receber esse sacramento
obterá a mesma quantidade de graça, independentemente de que o sacerdote seja
pecador ou santo. O essencial na administração de um sacramento é ter o poder
de administrá-lo, ou seja, o poder sacramental (exceto no Batismo e no
Matrimônio); ter intenção de administrá-lo (a intenção de fazer o que a Igreja
faz); realizar as cerimônias essenciais a esse sacramento (como derramar a água
e pronunciar a fórmula do Batismo). Se aquele que o recebe não põe obstáculos à
graça e aquele que o administra é um sacerdote com faculdade para isso, o
sacramento confere graça sempre e infalivelmente.
Além do efeito de distribuir
graça (santificante e sacramental), temos que mencionar outro, que é peculiar a
três sacramentos: o caráter que o Batismo, a Confirmação e a Ordem imprimem na
alma. Ainda que, às vezes, ao ensinarmos o catecismo às crianças, digamos que,
com estes sacramentos, Deus imprime uma “marca” na alma, bem sabemos que a alma
é espírito e não pode ser marcada como se marca um papel com um carimbo de
borracha. A marca própria dos sacramentos do Batismo, da Confirmação e da Ordem
é definida pelos teólogos como uma “qualidade” que confere à alma umas
faculdades que antes não tinha. É uma qualidade permanente da alma, uma
alteração para sempre visível aos olhos de Deus, dos anjos e dos santos.
“Qualidade” é um termo bastante
vago, algo mais fácil de entender do que de definir. Se dizermos: “a qualidade
da luz solar é diferente da elétrica”, todos sabem a que nos referimos. Mas se
nos perguntam: “Que quer você dizer com essa palavra?”, põem-nos em apuros. E
só podemos balbuciar: “Bem, que não são iguais”.
Poderia ser-nos útil comparar os
caracteres destes três sacramentos – que se recebem uma só vez na vida (porque,
sendo o seu efeito permanente, só podem ser recebidos uma vez) – com os
talentos. Consideremos alguém com talento para a pintura, alguém capaz de
pintar belos quadros. Não passa todo o tempo a pintar, mas o seu talento está
sempre com ele. Ainda continuaria a possuir esse talento. Claramente, essa
pessoa possui algo que os outros não têm, uma qualidade que é real, permanente,
e que lhe concede uma faculdade não possuída por quem dela não tiver sido
dotado. O caráter do Batismo é, pois, um “talento” sobrenatural que nos dá a
faculdade de absorver a graça dos outros seis sacramentos e de participar da
Missa. O caráter da Confirmação dá-nos a faculdade de professar valentemente a
nossa fé e difundi-la. O sacramento da Ordem dá ao sacerdote a faculdade de
celebrar a Missa e de administrar os restantes sacramentos.
Retirado do livro: “A Fé Explicada”. Leo J.
Trese. Ed. Quadrante.
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