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quinta-feira, 27 de junho de 2024

Com os braços abertos a todos. A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil (1)

A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil | Flickr-Photos/Opus Dei

Com os braços abertos a todos. A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil

1974. São Josemaria Escrivá esteve 15 dias no Brasil. Que mensagem deixou aos brasileiros? Qual foi a sua impressão sobre o país? Este artigo inédito descreve como foram organizados os encontros com o fundador do Opus Dei em São Paulo, e resume a sua mensagem.

29/08/2017

Studia et Documenta é uma publicação anual do Istituto Storico San Josemaría Escrivá dedicada à história do Opus Dei e de seu Fundador. O tema monográfico da décima primeira edição, que ocupa a primeira parte do volume, são as viagens de São Josemaria Escrivá à América Latina entre os anos 1974-1975. Oferecemos a seguir o Artigo de Alexandre Antosz sobre a visita de São Josemaria ao Brasil (Studia et Documenta vol.11, pág 65-99, 2017).

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INTRODUÇÃO. A VIAGEM AO BRASIL

Este artigo trata do conteúdo da mensagem de São Josemaria Escrivá no Brasil, particularmente do que transmitiu nos dois encontros gerais, nos dias 1o e 2 de junho de 1974, oferecendo, na medida das possibilidades, informações sobre as circunstâncias desses eventos. O estudo pretende contribuir para aprofundar o conhecimento de sua catequese na América e ser um estímulo para futuros trabalhos, que possam explorar o abundante material existente sobre essa viagem. Em 2007 foi publicado um primeiro texto sobre o tema[1]; mas não se trata de um relato histórico, apenas de alguns traços da santidade cristã presentes na vida do fundador do Opus Dei, tomando como exemplo, principalmente, seus dias no Brasil, como o próprio autor adverte[2]. Embora as atuais biografias sejam muito parcas em informações sobre a estadia de São Josemaria no Brasil[3], não faltam documentos que possibilitam um conhecimento detalhado desta viagem[4]. O presente trabalho está apoiado na transcrição fiel das tertúlias[5], nos diários escritos durante a estadia de São Josemaria, entre os dias 22 de maio e 7 de junho de 1974[6], além dos testemunhos de algumas pessoas que presenciaram os acontecimentos[7]. Todos esses documentos se conservam nas sedes da Comissão Regional e da Assessoria Regional[8] do Opus Dei no Brasil, em São Paulo. Também tem em conta que as duas tertúlias, como quase todas as suas palavras no Brasil, foram registradas e parcialmente reproduzidas em Catequesis en América.

O avião que trouxe São Josemaria à América, o DC-8 da Ibéria, procedente de Madri com escala nas Ilhas Canárias, aterrissou no aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, às 18h18 do dia 22 de maio de 1974[9]. Aguardavam-no o conselheiro regional, pe. Francisco Javier de Ayala Delgado (1922- 1994)[10], conhecido em Portugal e no Brasil como dr. Xavier de Ayala, Emérico da Gama (1931-2014) e Alfredo Canteli. O Brasil foi o primeiro país que visitou na sua viagem pela América do Sul, na qual pretendia realizar uma autêntica catequese[11]. Acompanhavam-no o beato Álvaro del Portillo (1914- 1994), o pe. Javier Echevarría (1932-2016)[12] e Alejandro Cantero, médico. Enquanto estes últimos, ajudados por Alfredo Canteli, pegavam as bagagens, mons. Escrivá encaminhou-se com os outros para o Bandeirantes, um avião menor de 15 lugares que os levaria a São Paulo[13].

O Brasil vivia um acelerado desenvolvimento econômico e, apesar da ditadura política imposta pelos militares desde 1964, os cidadãos comuns gozavam de uma relativa tranquilidade. A ditadura brasileira não era de cunho pessoal: os presidentes alternaram-se, sempre escolhidos de dentro das Forças Armadas. Não faltaram alguns acontecimentos violentos de repressão aos movimentos de oposição e restrições às liberdades civis. Contudo, o governo alcançava êxitos na área econômica. Em 1968 e 1969, o Produto Interno Bruto (PIB) do país crescera respectivamente 11,2% e 10%, começando o que foi chamado de “milagre econômico”, que atingiu o seu pico em 1973, quando o PIB teve uma variação de 13%. Apesar das condições externas terem mudado muito com a crise internacional do petróleo iniciada em outubro de 1973, no ano seguinte, quando São Josemaria Escrivá chegou, o país ainda vivia a euforia com os resultados satisfatórios na economia. Não podemos desdenhar ainda a alegria que permanecia pela terceira conquista da Copa do Mundo pela seleção brasileira de futebol, em 1970, da qual o governo soube tirar proveito para sua propaganda nacionalista[14].

O general Ernesto Geisel (1907-1996), presidente empossado em março de 1974, desejava realizar uma abertura política lenta e gradual. A oposição política, na qual havia também grupos favoráveis à luta armada, estava abrandada pela dura repressão, que crescera gradativamente até este período. Contudo, manifestações de vários grupos sociais como os estudantes, os trabalhadores das fábricas, as associações profissionais, etc., vieram à tona com novos ímpetos no governo Geisel. Também a Igreja no Brasil procurou sair em defesa das liberdades civis, e alguns membros da hierarquia se defrontaram com o governo, que procurava estabelecer um diálogo. Foi através da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), juntamente com outros grupos, que o governo negociou o modo de encaminhar a restauração das liberdades públicas em 1978[15]. Esta situação, porém, facilitou que uma parte considerável do clero se politizasse, e se propagassem em seu meio as teses da Teologia da Libertação[16].

É relevante também citar a profunda e rápida transformação demográfica que o Brasil estava vivendo. Na década de 1940, as mulheres brasileiras apresentavam uma taxa de fecundidade de 6,3 filhos; caiu para 5,8 na década de 1960. A partir dos anos 70 a taxa de fecundidade reduziu-se drasticamente e, na primeira década de 1980, foi para 3,3. Além disso, o país tornava-se muito mais urbano: em 1940 apenas 16% da população morava nas cidades, enquanto que em 1980 eram 51,5%. O crescimento populacional também era acelerado: o Brasil passou de 52 milhões de habitantes em 1940 para 146 milhões em 1990. Além disso, havia um grande deslocamento migratório entre 1950 e 1970, do Nordeste do país para o Sul, Sudeste e Centro-Oeste, o que se percebia particularmente na cidade de São Paulo, que se tornou a maior cidade do país, com uma população que já ultrapassava os 6 milhões de habitantes[17]. Junto a todos esses fatores que levavam a um crescimento econômico acelerado nas cidades, notava-se o início de uma decadência na vida moral e religiosa da sociedade[18], o que se pode intuir em algumas das perguntas formuladas a mons. Escrivá, como teremos ocasião de notar mais adiante.

Os primeiros fiéis que vieram começar o trabalho apostólico no Brasil chegaram em março de 1957, e instalaram-se na cidade de Marília[19]. Contudo, depois de poucos anos, mudaram-se definitivamente para São Paulo, onde se concentrava quase todo o trabalho apostólico em maio de 1974. Ver o fundador no país era um sonho antigo dos membros do Opus Dei no Brasil, especialmente do dr. Xavier de Ayala, que constantemente manifestava este desejo em suas viagens a Roma, pois pensava que seria uma forma de fortalecer o trabalho apostólico no país[20]. Sabemos que por volta de março de 1974 a possibilidade de repetir a correria catequética de 1972 por terras americanas ia ganhando força, e o desejo explícito de São Josemaria de viajar é atestado por uma carta ao cardeal da Guatemala Mario Casariego y Acevedo (1909-1983) de 25 de março[21]. Contudo, no outro lado do Atlântico, essa possibilidade tornou-se mais real quando um grupo que voltava de um encontro de estudantes universitários em Roma[22], em abril de 1974, comentou que teriam feito ali algumas perguntas sobre o Brasil, como, por exemplo, a temperatura no mês de maio[23]. Então, foram vários os telefonemas e contatos com Roma e Espanha, e alguns dias depois puderam ter a certeza da sua vinda e, passado mais um tempo, souberam da data precisa[24]. Para todos os membros do Opus Dei que moravam no Brasil era realmente um sonho que estava a ponto de se realizar.

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Alexandre Antosz Filho, sacerdote. Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal do Paraná, mestre em História pela Universidade de São Paulo e doutor em Teologia (especialidade em História da Igreja) pela Pontificia Università della Santa Croce (Roma). e-mail: alexantosz@gmail.com

Notas:

[1] Francisco Faus, São Josemaria Escrivá no Brasil, São Paulo, Indaiá, 20112.

[2] Cfr. ibid, pp. 11-12.

[3] Cfr., por exemplo, Andrés Vázquez de Prada, O Fundador do Opus Dei, São Paulo, Quadrante, vol. III, 2004 (or: El Fundador del Opus Dei, 2004, vol. III), pp. 632-637; Hugo de Azevedo, Uma luz no mundo, Lisboa, Prumo - Rei dos Livros, 1988, pp. 345-348; Ana Sastre, Tempo de Caminhar, Lisboa, Diel, 1994 (or: Tiempo de Caminar, 1991), pp. 559-566; Peter Berglar, Opus Dei Vida y obra del fundador Josemaría Escrivá de Balaguer, Madrid, Rialp, 19895 (or: Opus Dei Leben und Werk des Gründers Josemaria Escrivá de Balaguer, 1983), pp. 290-293; Salvador Bernal, Mons Josemaria Escrivá de Balaguer Perfil do Fundador do Opus Dei, São Paulo, Quadrante, 1978 (or: Mons Josemaría Escrivá de Balaguer Apuntes sobre la vida del Fundador del Opus Dei, 1977), pp. 50-51; 58-59; 60-62; 203-205; 244-249; 342-343; 411-414.

[4] Além dos citados logo abaixo, devemos incluir um documento impresso dirigido aos membros do Opus Dei, que traz abundantes informações sobre sua viagem, Catequesis en América, vol. I, pp. 24-69, AGP, P04.

[5] Os dois encontros gerais, como se explicará pormenorizadamente neste artigo, além de filmados, foram gravados e transcritos integralmente. Para este artigo tivemos acesso a este material, que ainda não foi publicado.

[6] O diário da casa onde morou, no bairro do Sumaré, é um caderno de tamanho médio com 143 páginas, escritas e numeradas a mão, intitulado: Diário da primeira estadia do Padre no Brasil. O título era uma simpática manifestação do desejo de que a estadia viesse a se repetir, o que, como é sabido, não aconteceu. O relato, em estilo familiar mas muito preciso, centra-se nos episódios vividos na casa, e começa exatamente no dia 22 de maio, terminando no dia 7 de junho de 1974. Passaremos a citar como Diário da primeira estadia. O diário do centro da Casa Nova, assim chamada a sede do órgão de governo da sessão feminina, na rua Martiniano de Carvalho, é do mesmo estilo e abrange o mesmo intervalo cronológico; ocupa 26 folhas A4 datilografadas, divididas em duas partes, intituladas: Rascunho do diário da estadia do nosso Padre em São Paulo (1a parte), 10 páginas; Rascunho do diário da estadia do nosso Padre em São Paulo (2a parte), 16 páginas. Passaremos a citar Diário da Casa Nova, 1a parte e 2a parte, respectivamente.

[7] São muitas as pessoas que estiveram com São Josemaria na época. Entrevistamos pessoalmente cerca de vinte pessoas, e nem todas são citadas, pois acrescentaram pouco às fontes disponíveis. Pudemos esclarecer uma ou outra informação pouco precisa ou pequenos detalhes contraditórios. Agradecemos especialmente a ajuda de Alfredo Canteli, José María Córdova Fernández e Francisco Faus Pascuchi, que foram membros da Comissão Regional na época.

[8] Chama-se Comissão Regional o órgão de governo da sessão masculina de uma circunscrição do Opus Dei, e Assessoria Regional o correspondente à sessão feminina.

[9] Diário da primeira estadia, p. 1.

[10] Assim chamava-se o sacerdote posto à frente do governo regional em cada circunscrição. Atualmente o governo do Opus Dei está a cargo de um Prelado e seus representantes em cada circunscrição denominam-se Vigário regional. Francisco Xavier de Ayala Delgado era doutor em Direito Civil e Direito Canônico, pediu admissão ao Opus Dei em 03 de março de 1940 e foi ordenado sacerdote em 1948. Nomeado o primeiro conselheiro do Opus Dei em Portugal (1949-1958), foi ao Brasil em 1961, onde dirigiu o Opus Dei até sua morte, em 7 de outubro de 1994. Integrou também a Comissão Pontifícia de Revisão do Código de Direito Canônico e a Comissão Paritária para a ereção da Obra em Prelazia Pessoal.

[11] Sobre os motivos e intenções desta viagem, ver Vázquez de Prada, O Fundador, vol. III, pp. 620-632. A necessidade de difundir e confirmar a doutrina perene da Igreja e dar a conhecer o Opus Dei de um modo mais vasto, que surgiu já na década de 1960, foi a gênese remota desta viagem. Sobre isso, cfr. Conversaciones con Monseñor Escrivá de Balaguer Edición crítico-histórica preparada por José Luis Illanes − Alfredo Méndiz (eds.), Roma -Madrid, Instituto Histórico San Josemaría Escrivá de Balaguer – Rialp, 2012, pp. 13-22.

[12] D. Javier Echevarría foi a Roma em 1950, onde trabalhou sempre muito próximo de São Josemaria e o Beato Álvaro. Ordenou-se sacerdote em 1955 e de 1994 a 2016 foi o Prelado do Opus Dei.

[13] Diário da primeira estadia, pp. 2-5.

[14] Cfr. Boris Fausto, História do Brasil, São Paulo, Edusp, 201214, pp. 409-424.

[15] Ibid , pp. 418-426.

[16] Sobre a Teologia da Libertação, cfr. Josep-Ignasi Saranyana, Teologías Latinoamericanistas, I, em Josep-Ignasi Saranyana (dir.), Teología em América Latina, vol. III, Madrid- Frankfurt, Iberoamericana-Vervuert, 2002, pp. 255-331.

[17] Em 1950 a população do município de São Paulo era de 2.198.096 habitantes e em 1970 de 5.885.475. Dados de SEADE, SP Demográfico Resenha de Estatísticas Vitais do Estado de São Paulo, Ano 13, n. 1, Janeiro 2013, p. 3.

[18] Cfr. Fausto, História do Brasil, pp. 451-454.

[19] Cfr. Maria Theresinha Degani, Brasil, em José Luis Illanes (coord.), Diccionario de San Josemaría Escrivá de Balaguer, Burgos-Roma, Monte Carmelo − Istituto Storico San Josemaría Escrivá, 20132, pp. 166-169; Vázquez de Prada, O Fundador, vol. III, pp. 321-334; Sastre, Tempo, pp. 449-450. Ainda não existem estudos específicos sobre estes inícios.

[20] Entrevista com José María Córdova Fernández, 18 de fevereiro de 2014.

[21] Cfr. Vázquez de Prada, O Fundador, vol. III, p. 628.

[22] O encontro, denominado UNIV, se organiza desde 1968, durante a Semana Santa (cfr. www.univforum.org, acessado em 18 de agosto de 2015). Em 1974 o domingo de Páscoa caiu no dia 14 de abril.

[23] Entrevista com José María Córdova Fernández, 18 de fevereiro de 2014.

[24] Um grupo de cerca de 20 brasileiros que participou do UNIV e teve vários encontros com São Josemaria em Roma, retornou ao Brasil no dia 19 de abril. Então, eles nada sabiam da futura viagem de mons. Escrivá ao Brasil, e nada lhes fez intuir essa possibilidade. Entretanto, antes de acabar o mês, souberam que ele viria ao país. Entrevista com Eugenio Carlos Callioli, 11 de maio de 2016.

 Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF