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sábado, 29 de junho de 2024

Com os braços abertos a todos. A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil (3)

A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil | Flickr-Photos/Opus Dei

Com os braços abertos a todos. A visita de São Josemaria Escrivá ao Brasil

1974. São Josemaria Escrivá esteve 15 dias no Brasil. Que mensagem deixou aos brasileiros? Qual foi a sua impressão sobre o país? Este artigo inédito descreve como foram organizados os encontros com o fundador do Opus Dei em São Paulo, e resume a sua mensagem.

29/08/2017

O desenrolar dos eventos

No dia 1o de junho, sábado de manhã, vários membros da Obra estavam no Anhembi já por volta das 8 horas, para receber as pessoas, pois muitos chegaram ao local com bastante antecedência, e para cuidar de todos os últimos detalhes dos aspectos técnicos e logísticos[63]. «O palco, enorme, estava instalado como uma sala de estar, com muitíssimas flores [...] e ficou muito agradável. [...] Estava um dia maravilhoso, com um céu azul limpo, o típico dos bons dias de inverno em que o vento leva para longe a poluição. O auditório ia engolindo rios de gente – famílias inteiras, grupos de amigos, gente de todas as idades, raças e condições... – até acomodar umas 4.000 pessoas»[64].

«O Padre [J. Escrivá] saiu de casa às 10h15 e entrou no Anhembi pela entrada que fica no lado de trás do Palácio de Convenções. Lá estavam alguns à sua espera, para acompanha-lo como “seguranças” até uma sala contígua ao palco. No percurso até lá, já se tinha situado um bom número de pessoas, que iriam ficar no palco – na “sala de estar” da tertúlia [...] – junto ao Padre»[65]. Ao chegar, mons. Escrivá acomodou-se em uma sala preparada para isso, à espera do horário programado para começar, estava «muito bem humorado, brincando com os que lhe tiravam fotografias e acalmando-nos com o seu sorriso. Quando entrou no auditório, foi recebido com um aplauso cerrado, que se prolongou por um bom tempo. Eram 10h30 horas»[66].

O encontro desenrolou-se muito bem, 16 pessoas puderam dirigir-se a São Josemaria, como analisaremos mais adiante. Ao terminar a tertúlia, a alegria e a emoção de todos era visível. As pessoas saíam sem pressa, cumprimentavam-se e reuniam-se para comentar o que acabavam de ouvir. Narra o diário da Casa Nova: «Quando terminou a tertúlia, ficamos um bom tempo nos jardins que rodeiam o Palácio das Convenções, com nossas amigas. Famílias inteiras desde os avós aos netos, todos iam fazendo pequenos grupos comentando com animação sobre este maravilhoso encontro com o nosso Padre»[67]. Particularmente, os organizadores estavam assombrados com a multidão que «se tinha reunido à volta do Padre. Lembrávamo-nos então da natural apreensão de uns dias antes, quando contemplávamos o gigantesco local vazio. Foi maravilhoso ver como os espaços se tinham tornado pequenos para escutar o Padre»[68]. São Josemaria estava igualmente contente ao voltar ao Sumaré: pela sintonia das pessoas, o calor humano e, também, por perceber que a barreira linguística fora ultrapassada com facilidade. Inclusive, na espera do almoço, sugeriu que trouxessem algum refrigerante, como se quisesse celebrar aquele evento maravilhoso[69].

No dia seguinte, domingo de Pentecostes, já vencidas as apreensões da primeira tertúlia geral, os preparativos imediatos se desenvolveram de forma similar. O afluxo de gente, mais uma vez, superou as expectativas. Conta o diário da sede da Comissão, que acontecera o mesmo que no dia anterior: desde cedo começavam a chegar pessoas ao edifício Mauá, em um número muito acima do esperado. Desde as seis horas da manhã, os organizadores colocaram mais quinhentas cadeiras, além das próprias do auditório, ajeitando-as mais próxima do palco, tentando assim criar um ambiente mais familiar[70]. O local, muito menor que o Anhembi, tinha sido pensado para os que não tinham podido ir neste primeiro encontro, mas foram outras tantas pessoas que desejavam estar com mons. Escrivá mais esta vez[71].

Mons. Josemaria Escrivá saiu do Sumaré às 10h30 em direção ao Palácio Mauá. Sendo o dia da Solenidade de Pentecostes, logo após o café, São Josemaria escrevera uma ficha com estas palavras: «Ure ígnea Sancti Spiritus! Pentecostes, Sancti Pauli, 1974. Mariano» e deu-a ao pe. Xavier de Ayala. «No carro, referiu-se ao sacerdócio real dos fiéis, recordando as palavras da Primeira Epístola de São Pedro. Era um tema que, neste dia, o Padre teria bem presente na alma e nos ajudaria a meditar»[72]. Por isso, nas suas primeiras palavras da tertúlia, mons. Escrivá relacionou diretamente o evento de Pentecostes com a grande variedade de raças que convivem em harmonia no Brasil[73]. O «clima vibrante, ardente, apostólico, da festa de Pentecostes foi o tempo todo o pano de fundo da mesma. [...] Foi vivíssima, intensa, enormemente cálida. [...] Quando o Padre entrou no auditório, a alegre expectativa transformou-se num instante de silêncio emocionado, que explodiu logo a seguir num mar de aplausos. No momento em que subiu ao palco, uma menininha que ia levada pela mão da avó, entregou ao Padre uma orquídea. O Padre deu-lhe uma carinhoso abraço e a abençoou»[74].

A tertúlia beneficiou-se do clima de confiança criado no dia anterior. Desta vez, 17 pessoas fizeram perguntas a mons. Escrivá e, ao final, a alegria de todos era grande. Já na sede da Comissão, comentaram muito a respeito da tertúlia, dando graças a Deus pelos seus frutos. O fundador também estava comovido, pois tinha sido uma tertúlia realmente calorosa. Contudo, de forma natural, em um momento de descontração, enquanto alguns observavam as araras que então ficavam no jardim da casa, contou que naquela noite não havia dormido. «Não conto para que se compadeçam de mim», fazia a ressalva com toda naturalidade[75]. O pe. Francisco Faus testemunhou a respeito, manifestando que ele e outros que fazia tempo conheciam São Josemaria ficaram assombrados por aquele comentário pois nunca o tinham visto tão bem disposto, cheio de entusiasmo contagiante, tão ágil e rápido de pensamento e de palavra como nesse dia de Pentecostes[76]. Completa o autor dizendo que a maioria dos que estavam lá sentiram e comentaram a mesma coisa[77].

O diálogo com São Josemaria

Mediados por um intervalo de apenas 24 horas, os dois encontros tiveram um grande paralelismo: foram 16 perguntas no Anhembi, e 17 no Palácio Mauá. Podemos analisar o diálogo e a mensagem destas tertúlias conjuntamente, como se fossem um mesmo encontro, com um grande intervalo. As intervenções do público, bem como as respostas de São Josemaria seguiram um mesmo estilo direto, familiar, ainda que, surpreendentemente, não ocorreram repetições de perguntas. As pessoas que se dirigiram a mons. Escrivá nos dois encontros gerais eram de perfis bem distintos: desde uma mãe de família a um empresário, uma empregada doméstica, juízes, professores, etc... Embora não deixe de ser interessante dar notícias destas pessoas, isso ultrapassaria muito o alcance do presente artigo.

São Josemaria Escrivá fez, em cada uma das tertúlias, um brevíssimo prólogo, com simpatia, incentivando a que lhe perguntassem, que cada um falasse do que tivesse no coração. «Não vim ao Brasil ensinar nada»[78], disse ao iniciar seu encontro no sábado. No dia seguinte, no Palácio Mauá, a mesma coisa: «Estamos reunidos para falar das grandezas de Deus; não do que eu queira, mas do que interessa a vocês»[79]. De fato, era patente o seu “agradecimento” ao final dos dois encontros, como relatam os que estiveram ao seu lado. Após o encontro no Anhembi, relata o diário da Comissão que «um grande grupo acompanhou-o até o carro, e o Padre [J. Escrivá] ia repetindo, também dentro do automóvel, muito comovido: − “Dios os bendiga! ¡Dios os bendiga!”»[80].

Foram as intervenções do público que deram a pauta daquela conversa, muito natural e familiar, de uma intimidade quase inexplicável para um público desconhecido, numeroso, que falava outro idioma e em um local nada propício a este tipo de diálogo. Muitas das perguntas abordaram temas pessoais, em tom confidencial. Ao contrário de deixar o interpelado constrangido, levavam-no a responder também pessoalmente, de uma forma paternal e carinhosa. Muitas vezes, mons. Escrivá brincava com o interlocutor dizendo que ninguém mais os estava escutando, convidando-o a abrir- se, a fazer a sua confidência. Na primeira intervenção no Palácio Mauá, quando a mulher que perguntava dava claras mostras de nervosismo, ele animava: «Estamos em família, como se estivéssemos você e eu sozinhos, com Nosso Senhor que nos escuta e o Espírito Santo que habita na sua alma e na minha»[81].

Das 33 perguntas respondidas pelo fundador nas duas tertúlias, 12 trataram do tema da família. Destas, 4 foram sobre a educação das crianças na família, 3 sobre o relacionamento entre marido e mulher, e 4 sobre a relação entre pais e filhos já adultos, sendo que três destas abordaram o tema da vocação dos parentes próximos. Uma pessoa perguntou sobre o valor do trabalho das pessoas que se dedicam profissionalmente às lides domésticas. Entendemos por que o diário do centro da Casa Nova afirma categoricamente: «O tema central desta tertúlia esteve especialmente relacionado com a família»[82]. Veremos mais adiante, porém, que a vida familiar serviu apenas como pano de fundo para os distintos temas abordados por São Josemaria. Outras 11 abordam a caridade e o apostolado, tocando em distintos problemas do relacionamento humano ou pedindo orientações para que se pudesse esclarecer equívocos morais ou doutrinais. Quatro perguntas entraram em temas relacionados com a luta ascética: como estar alegre nas contrariedades, ou como cumprir os propósitos ou fazer as coisas mesmo quando não se tem vontade. Três perguntas foram sobre vida de oração, e apenas uma pergunta tratou diretamente sobre o Opus Dei, quando pediram-lhe que fizesse um resumo do espírito da instituição, ainda que outras perguntas exigiram-lhe um esclarecimento sobre o modo de viver e fazer apostolado próprios do Opus Dei.

As quatro perguntas restantes que não se encaixaram nos temas citados abordaram os cinquenta anos de sacerdócio que celebraria dentro de alguns meses, suas expectativas sobre o Brasil, sua opinião sobre a Escola Taboão, até uma divertida pergunta sobre os cabeludos. Essas perguntas, tocando em temas pessoais ou pedindo uma “opinião”, deram ocasião a comentários autobiográficos. Aliás, em muitas outras respostas são abundantes as referências à sua própria vida, em um tom sobrenatural e de ação de graças, vista como instrumento de Deus para levar adiante o Opus Dei na terra.

Como dissemos, foram as próprias perguntas que definiram a pauta do que falou mons. Escrivá, e a leitura da transcrição nos leva a pensar que ele não tinha uma mensagem previamente preparada, a não ser a de levar a Deus, fazer crescer a esperança e a fé em todos que lhe escutavam. Alguns recordam que ele não sabia previamente o que iam perguntar-lhe[83]. E suas respostas foram dirigidas a cada pessoa que lhe perguntava; poucas vezes generalizava, lembrando, de certo modo, o modo de atuar de Jesus Cristo, como nos deixam entrever os Evangelhos. Esse modo de dialogar, com intervenções incisivas, concretas, personalizadas e, ao mesmo tempo, repletas de alusões a outros temas e digressões, torna muito difícil responder quais foram os temas mais importantes. Basta a leitura destes diálogos para percebermos uma extraordinária empatia com cada pessoa, o que levava a uma enorme riqueza e vivacidade no seu modo de abordar os temas. A impressão que temos é que não transmitia uma mensagem geral a todos, mas orientava a cada um que se dirigia a ele.

Muitos se admiraram com esta demonstração de caridade de São Josemaria. «A nenhum dos que lá estiveram passou inadvertido – e assim o comentavam – o delicado esforço que o Padre fez para se fazer entender: contendo o ritmo das frases, repetindo-as quando era necessário, “traduzindo” logo depois que empregava uma palavra ou expressão menos frequente»[84]. No encontro de domingo também impressionou o «modo como o Padre se dava a todo o momento, sem parar, mesmo quando, como hoje, tinha motivos de sobra para se sentir muito cansado»[85]. De fato, ao entrar no carro para retornar à casa disse, satisfeito, que tinha falado com claridade e caridade, e não faltam expressões de admiração no diário da Comissão: «Essa clareza e essa caridade vinham tocando fundo, com a graça do Senhor, nestes dias, os corações e as vidas de milhares de pessoas»[86]. E da Assessoria Regional: «Como ontem, ninguém tinha pressa de ir embora. Havia uma comoção geral, um ambiente inexplicável, como se tivéssemos vivendo o primeiro Pentecostes...»[87].

Como se pode perceber, seria muito difícil descrever, nos limites deste artigo, algo tão expressivo e afetuoso como uma mensagem vital que se pode admirar diretamente pelos vídeos. Entretanto, podemos apontar, depois de uma leitura minuciosa das tertúlias gerais, alguns temas que, segundo nossa opinião, acabaram sendo mais ressaltados. Esse esforço tem seu interesse, pois uma análise conjunta do conteúdo das suas palavras nestes dois encontros gerais poderia desvendar o que passava na sua alma naquele momento, o que mais desejava transmitir aos brasileiros. Propomos reunir os temas em cinco grupos: o amor a Deus, vida de oração e santidade; a fé, amor à Igreja e os sacramentos; a santificação do trabalho e a luta ascética; caridade e apostolado e o espírito do Opus Dei. Passemos a descrever cada um destes tópicos, para fazer uma análise final.

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Alexandre Antosz Filho, sacerdote. Licenciado e bacharel em História pela Universidade Federal do Paraná, mestre em História pela Universidade de São Paulo e doutor em Teologia (especialidade em História da Igreja) pela Pontificia Università della Santa Croce (Roma). e-mail: alexantosz@gmail.com

Notas:

[63] Diário da primeira estadia, pp. 86-87; Diário da Casa Nova, 2a parte, p. 7

[64] Diário da primeira estadia, p. 87. O Diário da Casa Nova, 2a parte, p. 7, também fala de 4.000 pessoas.

[65] Ibid.

[66] Diário da primeira estadia, pp. 86-88.

[67] Diário da Casa Nova, 2a parte, p. 8. Nosso Padre é uma forma carinhosa com a qual os membros do Opus Dei chamam a São Josemaria.

[68] Diário da primeira estadia, pp. 88-89.

[69] Entrevista com Alfredo Canteli, 9 de junho de 2014.

[70] Diário da primeira estadia, p. 96.

[71] Diário da Casa Nova, 2a parte , p. 9.

[72] Diário da primeira estadia, p. 95.

[73] Diário da primeira estadia, p. 96.

[74] Diário da primeira estadia, p. 97.

[75] Entrevista com Alfredo Canteli, 9 de junho de 2014.

[76] Cfr. Faus, São Josemaria, p. 48.

[77] Cfr. ibid., p. 49.

[78] «No he venido al Brasil a enseñar nada». Transcrição da tertúlia geral com mons. Escrivá no Centro de Convenções Anhembi, São Paulo, 1 de junho de 1974, p. 1, 3o parágrafo [tradução nossa]. Passaremos a citar apenas Anhembi, seguido da página e do parágrafo.

[79] «Estamos reunidos para hablar de las grandezas de Dios; no de lo que yo quiera, sino de lo que a vosotros os interese». Transcrição da tertúlia geral com mons. Escrivá no Palácio Mauá, p. 1, 4o parágrafo [tradução nossa]. Passaremos a citar apenas Mauá, seguido da página e do parágrafo.

[80] Diário da primeira estadia, pp. 89-90.

[81] Faus, São Josemaria, p. 49.

[82] Diário da Casa Nova, 2a parte , p. 7.

[83] Entrevista com José María Córdova Fernández, 18 de fevereiro de 2014.

[84] Diário da primeira estadia, p. 89.

[85] Diário da primeira estadia, p. 98. Sobre o contexto desta tertúlia, ver também Faus, São Josemaria, pp. 47-52.

[86] Diário da primeira estadia, p. 98.

[87] Diário da Casa Nova, 2a parte, p. 9.

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF