João Paulo II: virtudes de um Papa santo
Por Pe. Francisco Faus
UMA TOCHA DE FÉ
O instinto do povo não se enganava quando,
desde o início do pontificado de João Paulo II, via no Papa Wojtyla um homem de
Deus. A fé notava-se-lhe no calor sereno e viril da voz, no olhar profundo,
afetuoso e calmo, na paz com que abraçava o seu serviço sacrificado e
incansável e com que aceitava as adversidades, doenças e dores como vindas da
mão de Deus.
A fé, uma fé segura, sólida e feliz, pode-se
dizer que lhe saía por todos os poros do corpo e da alma. Acreditava mesmo em
Deus, acreditava mesmo em Jesus Cristo, único Salvador do mundo; acreditava
plenamente no chamado de todos à salvação que está em Cristo Jesus; acreditava,
com confiança de filho, na intercessão da santíssima Virgem Maria, em cujos
braços maternos se abandonara muito cedo, declarando-se Totus tuus! -”Todo
teu!”.
A ORAÇÃO, ESPELHO DA FÉ
Diz-se, com toda a razão, que a oração é o
espelho da fé. É pela oração que a alma se une a Deus, em plena intimidade; é
pela oração amorosamente contemplativa que os traços de Cristo se imprimem na
alma; é pela oração que os olhos vêem o mundo, a história, os homens – cada
homem – com a própria visão de Deus; e é pela oração que se pode chegar a
dizer, como São Paulo: Eu vivo, mas já não sou eu; é Cristo que vive em
mim. A minha vida presente, na carne, eu a vivo na fé no Filho de Deus, que me
amou e se entregou por mim (Gál 2, 20).
Pois bem, João Paulo II vivia literalmente
mergulhado na oração. E isso, mesmo para os que o ignoravam, se notava de uma
forma indisfarçável. Desde o início do seu pontificado – continuando, aliás,
com seus antigos hábitos de padre e de bispo – , levantava-se às 5,30 horas e,
depois de se arrumar, ia imediatamente à capela para fazer mais de uma hora de
oração íntima, ajoelhado diante do sacrário, perante um crucifixo e uma imagem
da Virgem Negra de Czestokowa [1].
No seu penúltimo livro, Levantai-vos!
Vamos![2], o
próprio Papa fala da alegria de ter a capela tão perto das dependências onde
trabalhava: “A capela fica tão próxima para que na vida do bispo tudo – a
pregação, as decisões, a pastoral – tenha início aos pés de Cristo, escondido
no Santíssimo Sacramento […]. Estou convencido de que a capela é um lugar de
onde provém uma inspiração particular. É um privilégio enorme poder habitar e
trabalhar no espaço dessa Presença, uma Presença que atrai, como um potente
ímã”. “Todas as grandes decisões – comentava um dos seus ajudantes – tomava-as
de joelhos em frente ao santíssimo Sacramento”.
A capela era, realmente, o ímã constante,
irresistível, do dia-a-dia de João Paulo II. Nela, além da oração matutina e da
celebração da Santa Missa, rezava todos os dias a Liturgia das Horas. Na
capela, muitas vezes, das 9,30 às 11,00 horas, dedicava-se a escrever, anotando
sempre no cabeçalho de cada folha uma oração abreviada, uma jaculatória. Na
capela, guardava o que ele chamava a “geografia da sua oração”, pois, no
interior da parte de cima do genuflexório, as freiras que cuidavam da casa
pontifícia deixavam centenas de folhas datilografadas, com pedidos de oração
pessoal enviados por carta ao Papa por fiéis de todo o mundo, intenções pelas
quais fazia questão de rezar. Conta-se que um dos seus secretários, o Pe. John
Magee, procurou certa data o Papa nos seus aposentos e não o encontrou. Foi-lhe
indicado que o procurasse na capela, mas não o viu. Sugeriram-lhe, então, que
olhasse melhor, e lá descobriu efetivamente o Papa, prostrado no chão, em
adoração, diante do Sacrário.
Esse clima de oração estendia-se, como uma
onda cálida, a todas as atividades do dia. João Paulo II rezava constantemente:
entre as diversas reuniões, a caminho das audiências, no carro, num
helicóptero… Num terraço do Palácio Apostólico, onde mandara colocar as catorze
estações da Via Sacra, praticava essa devoção todas as sextas-feiras do ano e,
na Quaresma, todos os dias. Rezava o terço em diversos momentos da jornada, até
completar o Rosário. Um detalhe simpático: só dedicava ao descanso, após o almoço,
uns dez minutos; depois dos quais, enquanto outros repousavam, passeava pelos
jardins do Vaticano rezando o terço [3].
COM OS OLHOS DA FÉ
A oração, a intimidade com Deus, é a condição
imprescindível para que permaneçam abertos e argutos os olhos da fé. Na Missa
inicial do Conclave, dia 18 de abril de 2005, o cardeal Ratzinger dizia uma
verdade grande e simples: “Quanto mais amamos Jesus, tanto mais o conhecemos”.
E na Missa de exéquias, o mesmo cardeal dizia: “O amor de Cristo foi a força
dominante em nosso querido Santo Padre. Quem o viu rezar, quem o viu pregar,
sabe disso”.
Isso explica a serena firmeza com que João
Paulo II se empenhou sem descanso, ao longo dos seus vinte e seis anos de
pontificado, em aprofundar na autêntica doutrina católica – muitas vezes
chegando, como exímio filósofo e teólogo que era, a profundidades deslumbrantes
– e em difundi-la por todo o mundo. A fé, enraizada no amor, dava-lhe
autenticidade. Todos sabiam que pregava sobre aquilo em que firmemente
acreditava, sobre aquilo que vivia, sobre aquilo que sinceramente amava e
sentia, quer fossem as verdades da fé relativas ao Redentor do homem, ao
Espírito Santo, à Eucaristia, ao sacramento da Reconciliação, ao sentido do
sacerdócio, ao Ecumenismo, à missão maternal de Maria…, quer às verdades morais
que exprimem o plano de Deus sobre a família, sobre o amor humano e o sexo,
sobre a dignidade inviolável da vida desde o primeiro instante da concepção até
à morte natural, sobre o valor permanente dos Mandamentos do Decálogo, etc.[4]
Muitos experimentavam o impacto dessas
verdades, e mudavam. Outros, vibravam com elas e admiravam o Papa, mesmo que
não se decidissem a praticá-las. Alguns, desorientados, as contestavam. Mas
afora uns poucos sectários, todos – a começar pelos não católicos e os não
crentes – captavam que o Papa tinha, nas suas falas, a transparência de Deus, a
“longitude de onda” da Palavra de Deus. Era como se vissem nele, feito
realidade, o louvor que Cristo dirigiu a Pedro em Cesaréia de Filipe: Feliz
és Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou
isto, mas meu Pai que está nos Céus (Mt 16, 17), bem como a oração que
Jesus fez por Pedro na Última Ceia: Simão…, eu roguei por ti, para que
a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos (Lc
22, 32).
____________
Notas:
[1] Cfr.
George Weigel, Testemunho da Esperança, Bertrand Editora, Lisboa,
2000, pág. 227
[2] Ed.
Planeta, São Paulo 2004, págs. 147-148
[3] Cfr.
George Weigel, obra citada, págs. 227, 228 e 337; e Carl Bernstein e Marco
Politi, Sua Santidade, Ed. Objetiva, Rio de Janeiro 1996, págs. 383
e 540
[4] Os
documentos de João Paulo II (Encíclicas, Exortações apostólicas, Cartas, etc.)
podem ser consultados no site www.vatican.va .
Há também várias coleções de encíclicas publicadas no Brasil: Encíclicas
de João Paulo II, Ed. Paulus, São Paulo 2003;João Paulo II. Encíclicas,
Ed. L Tr, 3ª edição, São Paulo 2003
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