João Paulo II: virtudes de um Papa santo
Por Pe. Francisco Faus
OS SEGREDOS DA ESPERANÇA
A Epístola aos Hebreus diz que “a fé é o
fundamento da esperança” (Hb 11, 1). Assim foi, sem dúvida, na vida de João
Paulo II.
No livro “Cruzando o limiar da esperança”, o
Papa pergunta-se: “Por que não devemos ter medo?”. E responde: “Porque o ser
humano foi redimido por Deus […].Deus amou tanto o mundo que entregou seu
Filho Unigênito (Jo 3, 16). Este Filho continua na história da
humanidade como Redentor. A revelação divina perpassa toda a história do ser
humano, e prepara o seu futuro… É a luz que resplandece nas trevas(cfr.
Jo 1, 5). O poder da Cruz de Cristo e da sua Ressurreição é maior que
todo o mal de que o homem poderia e deveria ter medo” – conclui, grifando
explicitamente a última frase [19].
Na verdade, é nesta última frase que se
encerra todo o segredo da esperança cristã. O biógrafo Jorge Weigel,
referindo-se a um comentário feito pelo dissidente iugoslavo Milovan Djilas, no
sentido de que aquilo que mais lhe havia impressionado no Papa foi perceber que
era um homem totalmente destemido, esclarecia o verdadeiro caráter dessa
coragem: “Trata-se de uma audácia inequivocamente cristã. Na fé cristã o medo
não é eliminado, mas transformado através de um encontro pessoal profundo com
Cristo e com a sua Cruz. A Cruz é o lugar onde todo o medo humano foi oferecido
pelo Filho ao Pai, livrando-nos a todos do medo” [20].
Alguns anos depois, em 2005, João Paulo II
corroborava essa interpretação. No livro “Memória e Identidade”, diz:
“Porventura não é o mistério da Redenção [da Cruz, da Morte e da Ressurreição
de Cristo] a resposta ao mal histórico que retorna, sob as mais variadas
formas, nos acontecimentos do homem? Não será a resposta também ao mal do nosso
tempo? […]. Se olharmos, com olhos mais clarividentes, a história dos povos e
das nações que passaram pela prova dos sistemas totalitários e das perseguições
por causa da fé, descobriremos que foi então precisamente que se revelou com
clareza a presença vitoriosa da Cruz de Cristo […], como promessa de vitória
[…]. Se a Redenção constitui o limite divino posto ao mal, isso se verifica
apenas porque nela o mal fica radicalmente vencido pelo bem, o ódio pelo amor,
a morte pela ressurreição” [21].
Cristo vence o mundo do mal, do pecado, vence
o Inimigo, vence a morte. E a sua vitória é nossa: Esta é a vitória que
vence o mundo, a nossa fé (I João 5, 4).
Com essa mesma esperança bem fundada, o Papa
entrava – e nos ajudava a entrar com ele – no novo milênio, oferecendo-nos, na
Carta apostólica “Novo millennio ineunte” (”No início do novo milênio”), de 6
de janeiro de 2001, todo um programa vibrante e otimista para o período que se
iniciava. Também nessa Carta, a alegre esperança brotava da fé em Cristo
Redentor, ressuscitado, vivo, que “não nos deixou órfãos” (cfr. Jo 14, 18), que
nos prometeu “estar conosco todos os dias até o fim do mundo” (cfr. Mt 28, 20).
“Agora é para Cristo ressuscitado que a Igreja olha” – escrevia. “Passados dois
mil anos desses acontecimentos (Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo), a
Igreja revive-os como se tivessem sucedido hoje. No rosto de Cristo, ela – a
Esposa – contempla o seu tesouro, a sua alegria […]. Confortada por essa
experiência revigoradora, a Igreja retoma agora o seu caminho para anunciar
Cristo ao mundo no início do terceiro milênio: ele é o mesmo ontem,
hoje e sempre(Hebr 13, 8)” (n. 28).
UM LUMINOSO AMANHECER
Quem lê esse documento (e é importante relê-lo
e meditá-lo muitas vezes!), pode ter inicialmente a impressão de um excesso de
otimismo. O Papa fala com tanto entusiasmo do futuro da Igreja! Vê o mundo como
um mar aberto diante dos cristãos, imenso, fabuloso, um mar para o qual Cristo
acena, enquanto olha para nós e nos lança para ele com mesma palavra de ordem
que dirigiu a Pedro, pescador, no mar da Galiléia, após uma noite triste de
fracassos: Duc in altum! – Avança para águas mais
profundas e lança as tuas redes para a pesca! (Luc 5, 3-4).
Esperança não é ilusão. Otimismo não é fechar
os olhos e achar que tudo é azul. O Papa João Paulo II tinha plena consciência
da presença abundante do mal no nosso mundo, da grande quantidade de joio, de
planta daninha, misturada no meio do bom trigo. Mas não se esquecia de que
Jesus, com a parábola do trigo e o joio (cfr. Mt 13e, 24 ss.), quis
garantir-nos que haverá trigo e promessa de belas colheitas até o fim do mundo.
O pessimista vê o joio. O otimista vê o trigo, e sente a responsabilidade de
cuidá-lo, aumentá-lo, estendê-lo, fazê-lo crescer. “O modo como o mal cresce e
se desenvolve no terreno sadio do bem – escreve o Papa Wojtyla – constitui um
mistério; e mistério é também aquela parte de bem que o mal não conseguiu
destruir e que se propaga apesar do mal, e cresce no mesmo terreno […]. O trigo
cresce juntamente com o joio e, vice-versa, o joio com o trigo. A história da
humanidade é o palco da coexistência do bem e do mal. Isto significa que, se o
mal existe ao lado do bem, então está claro que o bem, ao lado do mal,
persevera e cresce”.[22].
Da mesma forma, na Carta Mane nobiscum
Domine para o Ano da Eucaristia (2005), João Paulo II reafirmava o
otimismo da Carta do novo milênio, sem deixar de registrar o fato de que o mal,
não só não diminuiu, como até parece ter crescido em vários aspectos, desde que
o novo milênio começou.
Evoca nessa Carta as celebrações do Jubileu do
ano 2000 e diz: “Sentia que essa ocasião histórica se delineava no horizonte
como uma grande graça. Não me iludia, por certo, que uma simples passagem
cronológica, ainda que sugestiva, pudesse por si mesma comportar grandes
mudanças. Os fatos, infelizmente, se encarregaram de pôr em evidência, depois
do início do milênio, uma espécie de crua continuidade dos acontecimentos
precedentes e, com freqüência, dos piores dentre esses”. Mas nem por isso deixa
de incentivar os cristãos a “testemunhar com mais força a presença de Deus no
mundo”, e proclama, “mais convencido que nunca”, a certeza de que Cristo “está
no centro, não apenas da história da Igreja, mas também da história da
humanidade” e de que, por isso, só “nele o homem encontra a redenção e a
plenitude” [23].
João Paulo II já está com Deus, na vida que
não morre mais. Mas a sua esperança continua a ser luz que ilumina os olhos da
alma e enche de coragem o coração. O novo Papa Bento XVI sente-se devedor dessa
esperança e quer ser o novo porta-voz dela. Na sua primeira mensagem, dirigida
na Capela Sistina aos cardeais que o elegeram, em vinte de abril de 2005,
disse: “Tenho a impressão de sentir a mão forte do meu Predecessor, João Paulo
II, que estreita a minha. Parece que vejo seus olhos sorridentes e que ouço as
suas palavras, dirigidas neste momento particularmente a mim: «Não tenhais
medo!».
A bandeira da esperança de João Paulo II
continua desfraldada: “Sigamos em frente com esperança” – repete-nos. “Diante
da Igreja abre-se um novo milênio como um vasto oceano onde se aventurar com a
ajuda de Cristo. O Filho de Deus, que se encarnou há dois mil anos por amor do
homem, continua também hoje em ação […]. Agora Cristo, por nós contemplado e
amado, convida-nos uma vez mais a pormo-nos a caminho […], convida-nos a ter o
mesmo entusiasmo dos cristãos da primeira hora. Podemos contar com a força do mesmo
Espírito que foi derramado no Pentecostes e nos impele hoje a partir de novo
sustentados pela esperança, que não nos deixa confundidos (Rom
5, 5)” [24]
No verão de 1997, João Paulo II convidou a
passar uns dias com ele, em Castelgandolfo, um casal de amigos poloneses,
velhos companheiros na juventude da luta pela fé e a liberdade, Piotr e Teresa
Malecki. “O quarto deles – relata George Weigel – ficava mesmo por baixo do seu
e, todas as manhãs antes de amanhecer, sabiam pelo baque surdo da sua bengala
que já se tinha levantado. Certo dia, na hora do café da manhã, o Papa
perguntou-lhes se o barulho os incomodava. Não, responderam, de qualquer forma
já tinham de se levantar para a missa. «Mas, Wujek[25] – perguntaram -, por que você se levanta naquela hora da manhã?»
“Porque – disse Karol Wojtyla, 264º bispo de
Roma – gosto de contemplar o amanhecer”[26] .
Trecho do livro “A força do exemplo”, incluído
neste site.[27]
____________
Notas:
[19] Obra cit., pág. 202
[20] Testemunha de esperança, cit.,
pág. 696
[21] Obra cit., págs. 30-33
[22] Memória e Identidade, já citada,
pág. 14
[23] Carta apostólica Mane nobiscum
Domine, 07.10.2004, nn. 6 ss.
[24] Carta apostólica Novo millennio
ineunte, n. 58
[25] Durante a perseguição comunista, quando
fazia excursões com jovens, o padre Woytila, para evitar problemas com a
polícia, pedia aos jovens: – Não me chamem padre, “me chamem wujek”
(tio), frase conhecida de uma célebre epopeia polonesa do escritor Henryk
Sienkiewicz.
[26] George Weigel, Testemunha de
esperança, citado, pág. 696
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