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quarta-feira, 12 de junho de 2024

Por que o mal existe no mundo?

Caim e Abel (JW.org)

Por que o mal existe no mundo?

Por Pe. Jean Steferson Pereira

Caim casou-se com quem?

            O capítulo 4 de Gênesis diz que Adão conheceu Eva e ela concebeu um filho, Caim. Depois, Eva também deu à luz Abel, seu segundo filho. Como sabemos, Caim matou Abel, e aí, pela primeira vez na Bíblia, aparece a palavra pecado (cf. Gn 4, 1-16). Se no princípio Deus criou o homem e a mulher, Adão e Eva, e eles tiveram dois filhos, Caim e Abel, com quem Caim se casou? Que ele se casou e teve filho, chamado Henoc, está na Bíblia (cf. Gn 4, 17). Mas com quem ele se casou?

            Essa pergunta, como tantas outras que já fizemos, não tem fundamento nem sentido na perspectiva em que estamos lendo a Bíblia. O autor sagrado não está falando de uma pessoa específica, Ele está tratando dos tantos homens de sua época que matavam os seus irmãos. Caim é modelo de todo homem assassino, que atenta contra a vida do irmão.

Hoje, podemos citar uma multidão de gente que é como Caim: viram as costas para Deus, na busca de defender seus próprios ideais, matam o irmão e a irmã. Caim pode ser um assassino que mata para roubar ou cobrar uma dívida de drogas; uma empresa que fabrica armas de fogo; um laboratório que produz vacinas para diminuir a população; uma clínica de aborto; um político que rouba o dinheiro da merenda escolar ou do SUS; e, até mesmo, uma nação que se coloca em guerra contra a outra.

E o dilúvio, foi ou não histórico?

            A narração do dilúvio está contada no sexto capítulo de Gênesis. Diz o texto “que a maldade do homem era grande sobre a terra” e Deus “arrependeu-se de ter feito o homem”, por isso resolveu “fazer desaparecer da superfície da terra os homens e tudo o que foi criado”, com um dilúvio (cf. Gn 6, 5-8.17).

            Todavia, Deus abre uma exceção e decide salvar Noé, dizendo: “Entra na arca, tu e tua família, porque és o único justo que vejo diante de mim no meio dessa geração” (Gn 7, 1). É importante ressaltar que Noé não é descendente de Caim, aquele que pecou matando o seu irmão, mas é descendente de Set, um terceiro filho de Adão e Eva, que foi gerado “à semelhança e imagem” de Adão (cf. Gn 5, 3).

            Segundo relato bíblico, Deus faz chover sobre a terra 40 dias e 40 noites e, despois, a enchente decorrente das chuvas permaneceu sobre a terra 150 dias (cf. Gn 7, 4.24). E, após o dilúvio, Deus estabeleceu uma aliança eterna com Noé, expressa no arco-íris, com a promessa de que nunca mais amaldiçoaria a terra nem destruiria os homens (cf. Gn 8, 21). E houve uma Nova Criação, aos moldes da primeira: “Sede fecundos e multiplicai-vos, enchei a terra” (cf. Gn 9, 1). Assim, Deus colocou tudo o que existe nas mãos do homem, para que ele pudesse dominar.

            Dominar deve ser o problema! Os homens não conseguem entender o sentido desse verbo e acabam agindo de maneira errada, pecando e espalhando o mal pelo mundo. O verba dominar vem do latim dominus, que significa agir conforme o dominum, o senhor ou mestre. Dominar é, então, agir como age Deus, ser senhor da Criação como ele é. Não é utilizar ao bel-prazer, destruindo tudo a sua volta. É cuidar, agindo com temor a Deus e justiça para com os irmãos.

            Neste sentido, compreendemos que o dilúvio é consequência da dominação errada do ser humano sobre a Criação. Não é fruto da maldade de Deus, mas da atuação humana que desestrutura a natureza. Deus, por meio do dilúvio, está fazendo um apelo ao ser humano para que não aja de qualquer forma, sem nenhum critério de valor, mas tenha consciência dos seus atos e assuma as consequências de suas ações. Só assim a vida na terra será garantida.

            Por isso, nós podemos concluir que a questão sobre o conhecimento histórico de um dilúvio é secundária. A Bíblia não está preocupada com a historicidade desse fato, mas com a conscientização que este relato pode suscitar no ser humano. E, para clarear ainda mais esta reflexão, basta ler o que foi feito por Deus no segundo dia da Criação: a separação das águas em cima e abaixo do firmamento (cf. Gn 1, 6); e o que aconteceu no dilúvio: as águas jorraram de todos as fontes dos abismos e do céu (cf. Gn 7, 11). O dilúvio é lido, nesta perspectiva, como o marco entre a Criação corrompida pelo pecado e a Nova Criação, lavada pela água da vida nova. Na plenitude dos tempos, Jesus vai propor o batismo como um banho de purificação e de vida nova, como um dilúvio no qual se afoga o pecado e que faz nascer para a vida na graça.

Mal: consequência da ruptura do ser humano com Deus

            Como vimos, existe íntima ligação entre o pecado do ser humano e o mal do mundo. Nós, constantemente, separamos as coisas. Não conseguimos relacionar as consequências das nossas más escolhas com a maldade que impera à nossa volta. Mas o autor sagrado do Gênesis tem consciência dessa relação. Ele descreve nos capítulos 4 – 11 desse livro os males sociais que são frutos daquela ruptura do ser humano com Deus, descrito em Gn 2 – 3. Se existe mal no mundo, é porque o ser humano se afasta de Deus e quer caminhar com as próprias pernas. E isso não é coisa só do passado.

            É com este olhar que devemos ler os relatos do livro do Gênesis. Conscientes de que o mal é responsabilidade humana, da atuação desordenada e distante da vontade divina. É um crescendo: primeiro o ser humano rompe com Deus (desobediência de Adão e Eva); diante do Criador, ele fecha-se em si mesmo e, mergulhado no seu egoísmo, não percebe o valor do irmão (Caim mata Abel); por fim, se nem o irmão é importante, quanto mais o restante da Criação (corrupção da humanidade e dilúvio).

            Assim, podemos concluir, a partir de uma leitura atenta da Bíblia, que a raiz do mal do mundo se encontra no pecado do ser humano. É como uma erva daninha que começa pequena, quase imperceptível, no coração humano, e espalha sua rama por toda a terra. E, para matar essa praga, que é o mal, não basta cortar as ramas ou jogar algum veneno, é preciso arrancar a raiz, que está brotada no íntimo de cada pessoa humana.

Fonte: Revista Ecoando, Ano XVI, nº 63, set-nov/2018, págs.: 8/9 – Ed. PAULUS.

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF