Arquivo 30Dias - 09/2007
Um grande cristão
Entrevista com o cardeal José Saraiva Martins, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos: “Beatifica-se uma límpida figura sacerdotal, que ofereceu toda a sua pessoa a Jesus e à Igreja. Que sofreu por isso. Uma figura que foi guia e conforto para muitos cristãos que vieram depois dele”.
Entrevista com o cardeal José Saraiva Martins de Gianni Cardinale
“Estou realmente contente pelo fato de Antonio
Rosmini ser finalmente elevado à glória dos altares. Estou contente pela Igreja
e, se me permitem, também pessoalmente. Desde minha época como professor na
Pontifícia Universidade Urbaniana, sempre citei com prazer os escritos
esclarecedores desse grande, agudo, profético pensador.” O cardeal José Saraiva
Martins já está preparando com muito cuidado a homilia que pronunciará em
novembro próximo, em Novara, quando presidirá à celebração com a qual o grande
sacerdote de Rovereto será inscrito no álbum dos beatos. E não esconde sua
satisfação pessoal por ter finalmente chegado esse momento eclesial tão
importante. Até porque, realmente, não é todos os dias que um eclesiástico que
teve proposições suas condenadas formalmente pelo Santo Ofício recebe uma
reabilitação tão completa.
Eminência, por que o senhor parece tão contente por poder presidir à
beatificação de Rosmini?
JOSÉ SARAIVA MARTINS: Porque se trata de uma límpida figura sacerdotal, que
ofereceu toda a sua pessoa a Jesus e à Igreja. Que sofreu por isso. Uma figura
que foi guia e conforto para muitos cristãos que vieram depois dele. Cristãos
que pertencem à esfera intelectual, pois Rosmini era um grande pensador, mas
também simples fiéis, tocados pelo testemunho dos religiosos e das religiosas
das congregações fundadas pelo abade de Rovereto. Rosmini é realmente um
cristão que viveu da maneira mais elevada as virtudes humanas e cristãs.
No entanto, no caso de Rosmini, não foi fácil fazer que essas virtudes
fossem reconhecidas...
SARAIVA MARTINS: De fato, a causa de beatificação – imagino que o senhor esteja
se referindo a isso – foi particularmente complexa. Por uma série de motivos.
Em primeiro lugar, motivos doutrinais.
SARAIVA MARTINS: Realmente, os escritos de Rosmini foram objeto de críticas por
parte de outros eclesiásticos, críticas que culminaram no decreto Post
obitum, do então Santo Ofício, no qual eram condenadas quarenta proposições
extraídas de suas obras. Mas era uma condenação póstuma, posterior a sua morte
– post obitum, justamente – e, portanto, Rosmini não pôde se
defender; além disso, eram proposições extrapoladas de seu contexto, por isso
interpretadas de maneira arbitrária.
Entre os “inimigos” históricos de Rosmini, estão os jesuítas...
SARAIVA MARTINS: São algumas personalidades da Companhia de Jesus da época. Mas
os jesuítas, já há bastante tempo, mudaram de opinião. Seu atual
preposto-geral, Kolvenbach, escreveu um artigo na revista Filosofia
oggi (f. IV/1997) no qual caracteriza Rosmini como um profeta do
terceiro milênio. Nesse artigo, Kolvenbach diz: “Ao longo de sua vida, alguns
jesuítas, ‘não destacados’, para dizer a verdade, publicaram libelos contra
ele. [...] É oportuno lembrar que esses jesuítas, agindo fora das normas de
obediência, foram desaprovados pelo preposto-geral, padre Jan Roothaan”. Além
disso, há alguns anos, La Civiltà Cattolica publicou um artigo
“reparador”, escrito pelo saudoso bispo rosminiano Clemente Riva; é um fato
muito inusitado, visto que nessa publicação só aparecem artigos assinados por
padres jesuítas.
Padre Cornelio Fabro, crítico não arrependido de Rosmini, escreveu que a
mudança de opinião dos jesuítas seria devida a um “complexo de culpa
exasperado”.
SARAIVA MARTINS: É verdade que o falecido padre Fabro manteve seu juízo
negativo sobre Rosmini. Um juízo respeitável, mas hoje extremamente minoritário.
Seja como for, o fato é que a condenação do decreto Post obitum acabou
por ser retirada.
SARAIVA MARTINS: Efetivamente, a Congregação para a Doutrina da Fé, guiada pelo
cardeal Ratzinger, estudou de novo a questão rosminiana e estabeleceu que,
apesar do decreto Post obitum, nada obstava à beatificação do
religioso.
Outro aspecto prejudicial à causa de Rosmini foi o político, com seu
ativismo em favor de uma unidade política da Itália e sua aversão ao domínio
austríaco, de resto correspondida...
SARAIVA MARTINS: As idéias e opiniões políticas, por si sós, não são
determinantes para a beatificação. Na verdade, a Igreja já elevou à glória dos
altares o papa Pio IX, que, justamente no campo político, depois de um
entendimento inicial, também fez avaliações divergentes das de Rosmini. O que
se pode dizer é que a história, depois, encaminhou-se por trilhos que o próprio
Rosmini de certa forma imaginara.
Na Positio preparada pelo padre Papa são relacionados testemunhos que
nos levariam a pensar em várias tentativas de envenenamento de Rosmini.
Todavia, faltam provas seguras nesse sentido. Mas não surpreende que o abade
pudesse ser objeto de tentativas de eliminação física
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