Arquivo 30Dias - 09/2007
Um grande cristão
Entrevista com o cardeal José Saraiva Martins, prefeito da Congregação para as Causas dos Santos: “Beatifica-se uma límpida figura sacerdotal, que ofereceu toda a sua pessoa a Jesus e à Igreja. Que sofreu por isso. Uma figura que foi guia e conforto para muitos cristãos que vieram depois dele”.
Entrevista
com o cardeal José Saraiva Martins de Gianni Cardinale
O ponto da relação com Pio IX é relevante na vida
de Rosmini. Num primeiro momento, parece que o papa Mastai queria criá-lo
cardeal; depois, no entanto, eles devem ter deixado de se entender...
SARAIVA MARTINS: De fato, existem testemunhos que revelam a grande estima que
Pio IX tinha por Rosmini, que o Papa queria criar cardeal e até nomear
secretário de Estado. Mas surgiram depois turbulências políticas e a criação da
República Romana, em 1849, que enterraram essa hipótese. Como alguns estudiosos
sublinham, não foram benéficas para Rosmini a inimizade e a antipatia de
cardeais mais próximos da Áustria, a começar pelo influente Giacomo Antonelli.
4488070">. Além disso, a relação com João Paulo I foi singular.
Em que sentido?
SARAIVA MARTINS: O servo de Deus Albino Luciani, quando ainda era um jovem
sacerdote, escreveu uma tese muito crítica sobre Rosmini, e quem lhe respondeu
foi um jovem rosminiano, padre Clemente Riva, que depois se tornou auxiliar de
Roma. Em 1978, quando Luciani se tornou papa, quis encontrar o cardeal vigário
e seus auxiliares. Quando chegou a vez de Riva, João Paulo I disse a Poletti:
“Esse eu conheço...”. Mas disse isso com um grande sorriso. A ponto de Riva –
ele mesmo contou isso –, que também tinha um certo receio por esse encontro,
ter-se sentido muito aliviado. É preciso acrescentar a isso que temos
testemunhos dignos de confiança que falam de como o papa Luciani expressou seu
desejo de reabilitar pessoalmente a figura de Rosmini.
Certamente, a obra mais famosa de Rosmini é Das cinco chagas da
Santa Igreja. Ela foi inserida no Índice, mas foi também amplamente
reabilitada mesmo antes do próprio Índice dos livros proibidos ter sido
abolido...
SARAIVA MARTINS: Por certos aspectos, é um livro profético, antecipador, talvez
até demais para seu tempo. E o destino dos profetas, na Bíblia, mas também –
pobres de nós! – na história da Igreja, muitas vezes é serem pouco
compreendidos e perseguidos.
Uma das cinco chagas indicadas por Rosmini é a das nomeações episcopais...
SARAIVA MARTINS: A questão das nomeações episcopais é um ponto sempre muito
delicado na vida da Igreja. Eu me dou conta disso também por ser membro, há anos,
da Congregação para os Bispos. Rosmini queria desarraigar a influência, já
deletéria, que os poderes mundanos exerciam na escolha dos pastores e, por
isso, desejava o retorno à antiga prática segundo a qual os bispos eram
escolhidos pelo clero e pelo povo.
Essa prática pode realmente ser recuperada?
SARAIVA MARTINS: As normas com as quais se escolhem os bispos não são de
direito divino e, portanto, podem ser sempre aperfeiçoadas. Mas um envolvimento
direto, quase eletivo, dos fiéis leigos na escolha de um bispo seria impensável
hoje. Basta pensar, entre outras coisas, no papel que poderiam desempenhar
nesse sentido os meios de comunicação social. Na época de Rosmini, a televisão
ainda não existia...
Uma outra chaga indicada por Rosmini diz respeito à liturgia...
SARAIVA MARTINS: Rosmini entendia o drama de uma liturgia que já não podia ser
compreendida pelo povo e, muitas vezes, nem por parte dos próprios celebrantes.
Nisso também, suas intuições anteciparam o movimento de renovação litúrgica e
as exigências expressas na constituição Sacrosanctum Concilium, do
Vaticano II.
Permita-me uma pergunta talvez um pouco
extemporânea. Que atitude poderia ter Rosmini hoje diante do motu proprio
Summorum pontificum?
SARAIVA MARTINS: A história não é feita de “se”. Mas eu não acredito que se
Rosmini estivesse vivo hoje seria contrário ao motu proprio a
que o senhor se refere. Mesmo porque ele tinha um elevado conceito de liberdade
e teria recebido muito bem o gesto de um papa que concede a liberdade aos fiéis
que lhe pedem licença para assistir a uma liturgia que, de qualquer forma, foi
durante séculos a liturgia oficial da Igreja. Além disso, deve-se levar em
conta que Rosmini desejava que tanto o clero quanto o povo pudessem entender e
amar a liturgia, e com isso queria afirmar a necessidade de dar atenção também
ao estudo da liturgia e não simplesmente – como alguns acreditam – a que fosse
traduzida em língua corrente.
Que outros aspectos do Vaticano II foram antecipados por Rosmini?
SARAIVA MARTINS: Um dos aspectos que certamente teve Rosmini como percursor do
último Concílio foi o da liberdade religiosa. Sobre esse tema, Rosmini foi
realmente um antecipador incompreendido. A Dignitatis humanae lhe
deve muitíssimo.
Quando Rosmini morreu, tinha menos de sessenta anos. Existe mesmo a
possibilidade de que tenha sido envenenado?
SARAIVA MARTINS: De fato, na Positio preparada pelo padre Papa
são relacionados testemunhos que nos levariam a pensar em várias tentativas de
envenenamento de Rosmini. Todavia, faltam provas seguras nesse sentido. Mas não
surpreende que o abade pudesse ser objeto de tentativas de eliminação física:
ele certamente era uma figura incômoda, sobretudo para alguns centros de poder
político.
O postulador da causa de Rosmini revelou que o custo total da causa, em si,
e da cerimônia de beatificação é um tanto alto. Perdoe-me a formulação um pouco
irreverente: é tão caro assim se tornar santo?
SARAIVA MARTINS: Não existe uma tabela de preços para se tornar beato ou santo.
É claro que cada processo tem custos inevitáveis: o papel, a impressão, os
justos honorários para os peritos leigos e eclesiásticos e para os postuladores
e seus colaboradores. Devo acrescentar, nesse sentido, que para as causas, por
assim dizer, “necessitadas” existe um fundo especialmente voltado à cobertura
dessas despesas, ao qual é possível recorrer.
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