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terça-feira, 2 de julho de 2024

'A língua que falamos determina como pensamos' (3)

Para Caleb Everett, alguns modelos linguísticos clássicos, como os de Noam Chomsky (foto), estão sendo superados por novas pesquisas  (GETTY IMAGES)

'A língua que falamos determina como pensamos': americano que cresceu com indígenas na Amazônia explica relação3

  • Autor, Daniel Gallas
  • Role, Da BBC News Brasil em Londres

22 junho 2024

BBC: Mas ele ainda desperta muitas emoções fortes. Você acha que o mundo da linguística vai acabar deixando a gramática universal para trás?

Everett: A ideia de gramática universal mudou muito. Se você voltar e olhar os estudos dos anos 60 e 70, eles fizeram previsões muito grandes. Agora as previsões são quase impossíveis de serem provadas falsas.

Eles dizem: todos os humanos têm uma linguagem e então deve haver uma gramática universal.

É algo tão vago que não se pode discordar, mas que já não ajuda a se fazer nenhuma previsão, na minha opinião.

Mas digo isso também porque os pesquisadores que realmente respeito agora, que são talvez 10 anos mais novos que eu que estão fazendo pesquisas de ponta, eles não parecem estar levando em conta esse debate no seu trabalho.

Em vez disso, eles estão focados em realizar experimentos realmente bons, usando big data, ciência de dados e programação de computador, que se tornaram central para o trabalho que fazemos.

E isso não é verdade apenas na pesquisa linguística.

Quando as pessoas investem décadas de suas vidas em qualquer modelo teórico específico em qualquer disciplina, elas tendem a ser indivíduos bastante tendenciosos.

E então existe uma velha expressão que diz: a ciência muda uma aposentadoria por vez. E, de certa forma, acho que isso é verdade, que leva tempo.

Gostamos de pensar que somos objetivos, mas na verdade não somos, depois que investimos décadas em uma determinada visão e a promovemos, é preciso ser uma pessoa realmente grande para dizer “sabe: eu estive errado nos últimos 30 anos e preciso reconhecer isso diante de tantas evidências".

Eu não vou ficar parado esperando isso acontecer. Eu acho que é apenas uma mudança social gradual em uma disciplina.

BBC: A tecnologia recente acelerou o estudo das línguas. Mas muitas dessas línguas estão morrendo rapidamente também. Existe uma corrida contra o tempo para estudá-las antes que morram?

Everett: Sim. Eu acho que há muita documentação linguística ao redor do mundo e às vezes eu acho que na verdade somos meio egoístas como pesquisadores, queremos obter todos esses dados antes que eles desapareçam ou queremos manter as pessoas falando suas línguas.

Na Amazônia, por exemplo, você vê que existem alguns grupos indígenas que realmente importam muito para eles manterem sua língua e para alguns deles isso não parece importar muito.

E quem somos nós para dizer a eles que isso deveria importar?

Acho que às vezes isso é importante para mim porque eu tenho um interesse egoísta de querer mais idiomas e é uma coisa fascinante para mim e para minha carreira olhar para esses dados.

Mas sim, infelizmente, para alguns, as línguas estão morrendo.

Elas estão morrendo principalmente hoje em dia por razões econômicas, na medida em que grupos de pessoas que estão no Brasil e em outros lugares, se quiserem que seus filhos possam ser economicamente viáveis diante do encolhimento das reservas e da dificuldade cada vez maior de sobreviver da caça e da pesca, essas pessoas têm que falar português, espanhol ou inglês.

Dependendo do contexto em que se encontram, as pressões econômicas são tão fortes sobre alguns destes grupos individuais que a maioria dos modelos sugere que muitas destas línguas desaparecerão nos próximos 100 anos.

BBC: Ao longo da sua vida, você viu línguas amazônicas morrerem ou prestes a morrer?

Everett: Sim. Um exemplo que me vem à mente é o idioma suruí que também é falado em Rondônia e ainda há falantes. O missionário que foi um dos primeiros a contatá-los nos anos 60 falava que era um idioma vibrante em termos linguísticos, mas agora muitas dessas pessoas falam principalmente português.

E se você olhar a proporção de crianças que estão aprendendo a língua como primeira língua, você vê que isso está diminuindo. Esse é geralmente o melhor indicador de se uma linguagem sobreviverá ou não.

Para muitas destas línguas, simplesmente não há muitas crianças aprendendo-as.

Existem outras línguas que vimos morrer completamente.

Uma que me vem à mente é uma língua chamada Orouim, que era falada na fronteira brasileira com a Bolívia.

Mas há muitos exemplos de línguas que acabaram morrendo. Ou de línguas onde ainda há muitos falantes, mas a proporção de número de falantes de português aumentou muito entre as crianças. Você vê isso no parque Xingu, por exemplo. Muitas das línguas ainda são faladas, mas muitas vezes as crianças falam principalmente português.

BBC: E com a morte das línguas a humanidade está perdendo diversidade na forma de se pensar o mundo?

Everett: Uma das coisas que descobrimos e que é mencionada no livro é que há vários grupos que demonstraram ter vocabulários ricos sobre cheiros.

Isso é outra coisa que costumávamos pensar: “nós, humanos, não temos palavras abstratas para cheiros”.

Mas acontece que houve uma série de línguas documentadas nos últimos 10 anos que possuem palavras ricas e abstratas para cheiros.

À medida que essas línguas morrem e algumas delas estão à beira da extinção, estamos perdendo algo crítico sobre como os humanos pensam sobre cheiros e como eles podem falar sobre cheiros. Se perdemos isso, nós perderemos um pouco de como os humanos pensam sobre os cheiros que sentem.

Na medida em que as línguas morrem, estamos perdendo algo básico de nossa compreensão de como os humanos pensam sobre as sensações que sentem.

BBC: Você compara línguas amplamente faladas com línguas pouco conhecidas para ilustrar como pessoas podem pensar de formas diferentes. Mas existe essa diferença na forma de pensar o mundo mesmo entre línguas amplamente faladas? Por exemplo, um chinês pensa o mundo diferente de um alemão, por conta da língua que fala?

Everett: É sempre difícil saber quanto disso é a cultura e quanto disso é a linguagem. Mas no caso chinês, por exemplo, tem havido algumas pesquisas fascinantes mostrando que os falantes de mandarim parecem pensar sobre o tempo de maneiras diferentes dos falantes de inglês, porque as metáforas que usam para o tempo são um pouco diferentes.

Os chineses usam metáforas verticais, em que o tempo está caindo, em oposição à metáfora horizontal do futuro estar diante de você, como no inglês.

Outro exemplo com falantes de chinês é o da cognição quantitativa — como as pessoas pensam sobre quantidades.

Os falantes de inglês, por exemplo, tendem ser um pouco mais lentos do que os falantes de chinês no aprendizado de números, por causa como de números como 11 (“eleven”) e 12 (“twelve”).

No inglês, nas dezenas de 13 em diante, existe um padrão previsível: “thirteen” (13) e “fourteen” (14) são a junção do número três e quatro com a dezena (“teen”). Mas isso não acontece com as palavras “eleven” (11) e “twelve” (12).

Em idiomas como o chinês isso é mais transparente. Na parte das dezenas, você aprende a junção “um-dezena”, dois-dezena", etc.

Isso ajudaria a explicar por que as crianças chinesas se saem um pouco melhor mais cedo em alguns exercícios de adição do que as crianças que falam inglês.

BBC: Um exemplo que se costuma dar em linguística é que os esquimós têm mais de 50 palavras para neve, já que é algo importante na cultura deles. Mas isso é um exemplo errado?

Isso se tornou uma coisa divertida para os linguistas zombarem.

Chegou ao ponto de o New York Times publicar um artigo que dizia que os esquimós têm centenas de palavras para neve e isso simplesmente não é verdade.

No entanto, a ideia central por trás dessa mentira não é imprecisa, que é a de que as pessoas vivem em ambientes muito diferentes. Não é de surpreender que alguns grupos amazônicos não tenham palavras para neve.

Há algumas evidências agora de que alguns destes termos que existem no ambiente podem ter impacto na forma como as pessoas pensam sobre algumas destas coisas externas.


Fonte: https://www.bbc.com/portuguese

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF