'A língua que falamos determina
como pensamos': americano que cresceu com indígenas na Amazônia explica relação3
- Autor, Daniel Gallas
- Role, Da BBC News Brasil em
Londres
22 junho 2024
BBC: Mas ele ainda desperta muitas emoções fortes.
Você acha que o mundo da linguística vai acabar deixando a gramática universal
para trás?
Everett: A ideia de gramática universal mudou muito. Se você voltar e olhar os
estudos dos anos 60 e 70, eles fizeram previsões muito grandes. Agora as
previsões são quase impossíveis de serem provadas falsas.
Eles dizem: todos os humanos têm uma linguagem e
então deve haver uma gramática universal.
É algo tão vago que não se pode discordar, mas que
já não ajuda a se fazer nenhuma previsão, na minha opinião.
Mas digo isso também porque os pesquisadores que
realmente respeito agora, que são talvez 10 anos mais novos que eu que estão
fazendo pesquisas de ponta, eles não parecem estar levando em conta esse debate
no seu trabalho.
Em vez disso, eles estão focados em realizar
experimentos realmente bons, usando big data, ciência de dados e programação de
computador, que se tornaram central para o trabalho que fazemos.
E isso não é verdade apenas na pesquisa
linguística.
Quando as pessoas investem décadas de suas vidas em
qualquer modelo teórico específico em qualquer disciplina, elas tendem a ser
indivíduos bastante tendenciosos.
E então existe uma velha expressão que diz: a
ciência muda uma aposentadoria por vez. E, de certa forma, acho que isso é
verdade, que leva tempo.
Gostamos de pensar que somos objetivos, mas na
verdade não somos, depois que investimos décadas em uma determinada visão e a
promovemos, é preciso ser uma pessoa realmente grande para dizer “sabe: eu
estive errado nos últimos 30 anos e preciso reconhecer isso diante de tantas
evidências".
Eu não vou ficar parado esperando isso acontecer.
Eu acho que é apenas uma mudança social gradual em uma disciplina.
BBC: A tecnologia recente acelerou o estudo das
línguas. Mas muitas dessas línguas estão morrendo rapidamente também. Existe
uma corrida contra o tempo para estudá-las antes que morram?
Everett: Sim. Eu acho que há muita documentação linguística ao redor do mundo e
às vezes eu acho que na verdade somos meio egoístas como pesquisadores,
queremos obter todos esses dados antes que eles desapareçam ou queremos manter
as pessoas falando suas línguas.
Na Amazônia, por exemplo, você vê que existem
alguns grupos indígenas que realmente importam muito para eles manterem sua
língua e para alguns deles isso não parece importar muito.
E quem somos nós para dizer a eles que isso deveria
importar?
Acho que às vezes isso é importante para mim porque
eu tenho um interesse egoísta de querer mais idiomas e é uma coisa fascinante
para mim e para minha carreira olhar para esses dados.
Mas sim, infelizmente, para alguns, as línguas
estão morrendo.
Elas estão morrendo principalmente hoje em dia por
razões econômicas, na medida em que grupos de pessoas que estão no Brasil e em
outros lugares, se quiserem que seus filhos possam ser economicamente viáveis
diante do encolhimento das reservas e da dificuldade cada vez maior de
sobreviver da caça e da pesca, essas pessoas têm que falar português, espanhol
ou inglês.
Dependendo do contexto em que se encontram, as
pressões econômicas são tão fortes sobre alguns destes grupos individuais que a
maioria dos modelos sugere que muitas destas línguas desaparecerão nos próximos
100 anos.
BBC: Ao longo da sua vida, você viu línguas
amazônicas morrerem ou prestes a morrer?
Everett: Sim. Um exemplo que me vem à mente é o idioma suruí que também é falado
em Rondônia e ainda há falantes. O missionário que foi um dos primeiros a
contatá-los nos anos 60 falava que era um idioma vibrante em termos
linguísticos, mas agora muitas dessas pessoas falam principalmente português.
E se você olhar a proporção de crianças que estão
aprendendo a língua como primeira língua, você vê que isso está diminuindo.
Esse é geralmente o melhor indicador de se uma linguagem sobreviverá ou não.
Para muitas destas línguas, simplesmente não há
muitas crianças aprendendo-as.
Existem outras línguas que vimos morrer
completamente.
Uma que me vem à mente é uma língua chamada Orouim,
que era falada na fronteira brasileira com a Bolívia.
Mas há muitos exemplos de línguas que acabaram
morrendo. Ou de línguas onde ainda há muitos falantes, mas a proporção de
número de falantes de português aumentou muito entre as crianças. Você vê isso
no parque Xingu, por exemplo. Muitas das línguas ainda são faladas, mas muitas
vezes as crianças falam principalmente português.
BBC: E com a morte das línguas a humanidade está
perdendo diversidade na forma de se pensar o mundo?
Everett: Uma das coisas que descobrimos e que é mencionada no livro é que
há vários grupos que demonstraram ter vocabulários ricos sobre cheiros.
Isso é outra coisa que costumávamos pensar: “nós,
humanos, não temos palavras abstratas para cheiros”.
Mas acontece que houve uma série de línguas
documentadas nos últimos 10 anos que possuem palavras ricas e abstratas para
cheiros.
À medida que essas línguas morrem e algumas delas
estão à beira da extinção, estamos perdendo algo crítico sobre como os humanos
pensam sobre cheiros e como eles podem falar sobre cheiros. Se perdemos isso,
nós perderemos um pouco de como os humanos pensam sobre os cheiros que sentem.
Na medida em que as línguas morrem, estamos
perdendo algo básico de nossa compreensão de como os humanos pensam sobre as
sensações que sentem.
BBC: Você compara línguas amplamente faladas com
línguas pouco conhecidas para ilustrar como pessoas podem pensar de formas
diferentes. Mas existe essa diferença na forma de pensar o mundo mesmo entre
línguas amplamente faladas? Por exemplo, um chinês pensa o mundo diferente de
um alemão, por conta da língua que fala?
Everett: É sempre difícil saber quanto disso é a cultura e quanto disso é a
linguagem. Mas no caso chinês, por exemplo, tem havido algumas pesquisas
fascinantes mostrando que os falantes de mandarim parecem pensar sobre o tempo
de maneiras diferentes dos falantes de inglês, porque as metáforas que usam
para o tempo são um pouco diferentes.
Os chineses usam metáforas verticais, em que o
tempo está caindo, em oposição à metáfora horizontal do futuro estar diante de
você, como no inglês.
Outro exemplo com falantes de chinês é o da
cognição quantitativa — como as pessoas pensam sobre quantidades.
Os falantes de inglês, por exemplo, tendem ser um
pouco mais lentos do que os falantes de chinês no aprendizado de números, por
causa como de números como 11 (“eleven”) e 12 (“twelve”).
No inglês, nas dezenas de 13 em diante, existe um
padrão previsível: “thirteen” (13) e “fourteen” (14) são a junção do número
três e quatro com a dezena (“teen”). Mas isso não acontece com as palavras
“eleven” (11) e “twelve” (12).
Em idiomas como o chinês isso é mais transparente.
Na parte das dezenas, você aprende a junção “um-dezena”, dois-dezena",
etc.
Isso ajudaria a explicar por que as crianças
chinesas se saem um pouco melhor mais cedo em alguns exercícios de adição do
que as crianças que falam inglês.
BBC: Um exemplo que se costuma dar em linguística é
que os esquimós têm mais de 50 palavras para neve, já que é algo importante na
cultura deles. Mas isso é um exemplo errado?
Isso se tornou uma coisa divertida para os
linguistas zombarem.
Chegou ao ponto de o New York Times publicar um
artigo que dizia que os esquimós têm centenas de palavras para neve e isso
simplesmente não é verdade.
No entanto, a ideia central por trás dessa mentira
não é imprecisa, que é a de que as pessoas vivem em ambientes muito diferentes.
Não é de surpreender que alguns grupos amazônicos não tenham palavras para
neve.
Há algumas evidências agora de que alguns destes
termos que existem no ambiente podem ter impacto na forma como as pessoas
pensam sobre algumas destas coisas externas.
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