AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA DE UM ACAMPAMENTO
Dom Antônio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
De modo geral, a experiência dos acampamentos
juvenis, de caráter pastoral, gera uma profunda atração nos jovens; para que
possamos compreender esse fenômeno é necessário considerarmos a realidade que
vivem milhões de jovens atualmente, sobretudo no contexto urbano das grandes
cidades.
Os jovens urbanos, respeitando a variedade de
contextos, estão de modo geral, cada vez mais confinados em suas estruturas
domésticas e tem pouca experiência de amizades e interação social; sentem-se
movidos pela forte atração e ou dependência tecnológica, que os levam ao
distanciamento do divertimento coletivo e a viverem uma vida artificializada,
distantes da natureza. Sentem forte estresse nas relações familiares, oprimidos
para terem bons resultados nos estudos e muitos vivem solitários na família. Fenômenos
como a drogadição, a automutilação, o vazio existencial, a criminalidade são
consequências de muitos fatores. No último acampamento do qual participei um
jovem me disse: “isto para mim é uma espécie de experiência de
paraíso!”
Os jovens e a experiência do
acampamento
O Setor Juventude da Arquidiocese de Belém
promoveu o III Acampamento Juvenil Arquidiocesano nos dias 04-07 de julho
(2024) para jovens de 15 a 29 anos. Vale a pena recordarmos os números dos
participantes e refletir sobre eles: no I Acampamento (2022) participaram 470
jovens; no II 1170 e no III 1672. Essa significativa expressão numérica
crescente nos convida à reflexão. Uma pergunta é inevitável: por que os jovens
gostam desse tipo de evento?
Antes de tudo, porque eles estão de férias;
isso significa que o dinamismo da pastoral juvenil deve levar em conta também a
disponibilidade de tempo dos jovens; o tempo de férias dos jovens nos oferece a
possibilidade da pastoral juvenil planejar e oferecer-lhes atividades pastorais
extraordinárias. Em muitos ambientes décadas atrás, era comum a promoção das
colônias de férias; houve uma crise dessas atividades, mas se sente hoje a
necessidade da reproposição delas. A sensibilidade pastoral e pedagógica da catequese
deve também saber servir-se dos tempos de férias das crianças e dos
adolescentes.
Os jovens gostam da experiência do acampamento
porque a sua programação não está presa à rotina do cotidiano, mas lhes oferece
experiências extraordinárias de novas aprendizagens através de atividades
festivas, lúdicas, esportivas, culturais, religiosas; a atratividade dos
acampamentos nos fala da necessidade de levarmos em conta a sensibilidade
juvenil nas nossas propostas pastorais; isso se refere à linguagem, modos de
relacionamento, tempos de atenção, ambientes educativos… A psicologia juvenil
exige da pastoral juvenil uma visão mais aberta, dinâmicas criativas,
metodologias ativas e envolventes, encontro com a natureza; gostam porque os
jovens apreciam o desafio da adaptabilidade, da ação conjunta e competitiva e
estão abertos a aprendizagem através de novas experiências.
Interessantes referências bíblicas
Na Bíblia encontramos muitas referências sobre
acampamentos; de modo particular encontramos duas categorias: há os
acampamentos estratégicos enquanto agrupamento de combatentes em tempos de
guerra e os acampamentos enquanto ambiente de convivência de um processo de
deslocamento e libertação. Assim Abraão respondendo positivamente ao chamado de
Deus, pôs-se a caminho rumo a Terra Prometida, parando “de acampamento em
acampamento” (cf. Gn 12,9). Essa mesma dinâmica encontramos também no processo
de saída do Egito. O processo libertário após a travessia do Mar Vermelho
aconteceu também através de etapas, passo a passo, pouco a pouco, de
acampamento em acampamento, atravessando territórios; algumas vezes na amizade
com povos diferentes, outras vezes em graves conflitos.
A experiência do acampamento com as tendas no
deserto, são metáforas da nossa existência humana, porque movidos pela fé,
estamos em busca da pátria eterna. Neste mundo tudo é provisório e, por isso,
não temos estruturas definitivas, mas somente tendas. A imagem da tenda e do
acampamento nos chama a atenção para a consciência da provisoriedade da vida
neste mundo e para a necessidade do olhar para frente porque estamos caminhando
e não devemos nos apegar a nada que nos impeça de chegar ao santuário celeste nossa
pátria definitiva. De fato, é isso que nos diz a Carta aos Hebreus: movidos
pela fé, confessamos que somos estrangeiros e peregrinos sobre a terra e
estamos a caminho da nossa pátria definitiva (cf. Hb 11,13-14). Estamos
acampados neste mundo e a qualquer momento nossa tenda pode ser desfeita!
O acampamento nos apresenta a ideia de que a
nossa vida de fé não é uma corrida imediatista, instantânea, isolada, mas é uma
experiência comunitária, que implica fases e processo de amadurecimento com
seus desafios, tentações, conquistas, conflitos e perdas. No deserto, apesar da
grande preocupação de Moisés e seus colaboradores com a higiene física, moral e
religiosa dos acampamentos, também neles aconteciam coisas desagradáveis (cf.
Ex 32; Nm 14-16). No acampamento aparecem também as marcas das fragilidades
humanas como em toda comunidade, sociedade e instituição. Em todas as dinâmicas
humanas o “joio e o trigo” estão sempre presentes (cf. Mt
13,24-30).
Mas o acampamento era sobretudo, lugar da
experiência de Deus (cf. Gn 32,3; Dt 23,15); acompanhando os homens o
acampamento se torna também a casa de Deus, ambiente das suas múltiplas
manifestações. O acampamento é espaço no qual se manifesta a generosa bondade
da Providência Divina que conforta, fortalece, alimenta o seu povo (cf.
Ex 16,13; Nm 11,9). O acampamento também é lugar de convocação, de chamada
vocacional, de serviço e também de espaço para profecias (cf. Nm 11,26-27); o
acampamento é lugar da experiência da convivência fraterna e da santidade (cf.
Dt 23,15).
O sentido bíblico do acampamento nos convida a
pensar na vida de fé como peregrinação, processos, caminhada, desenvolvimento,
esforço virtuoso para superar limitações e as tentações do estacionamento; o
sentido bíblico do acampamento nos estimula a crescer na virtude da
adaptabilidade encarando desafios, abraçando sacrifícios, acolhendo o novo,
cultivando o otimismo, conservando a liberdade, reforçando a vida
fraterna.
Algumas questões importantes
A experiência da participação dos jovens no
III Acampamento Juvenil Arquidiocesano (Belém) foi muito bem avaliado por seus
participantes, colaboradores e nos ofereceu alguns dados dignos de reflexões
para a pastoral juvenil.
·
A qualidade de um evento pastoral depende
primordialmente da seriedade e da clareza do seu projeto e da sintonia de todos
os seus colaboradores envolvidos;
·
Não basta assegurar a qualidade técnica de um
evento pastoral é necessário que haja uma forte dimensão socioafetiva,
motivação, diversidade de conteúdos e experiências, leveza na programação,
articulação de lideranças, ousadia pedagógico-pastoral;
·
Não basta movimentos, é necessário dar tempo
para a escuta, meditação e oração, por isso é de extrema importância a
disponibilidade do maior número possível de confessores e orientadores
(psicólogos) antenados com a psicologia juvenil; o acampamento também é espaço
para a experiência da orientação espiritual, do discernimento moral, de tomadas
de decisão, conversão, provocação vocacional, estímulo ao sentido da
vida.
·
É bom que o acampamento seja uma experiência
aberta a todos e não somente para os bonzinhos, porque tem como finalidade a
promoção da formação humana e da evangelização; essa abertura propicia a
participação de jovens de outras Igrejas e são muitos os jovens evangélicos que
estão buscando amparo na Igreja Católica em processo de conversão.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
Você já participou de algum acampamento, como
foi a experiência?
Por que, muitas vezes, temos medo de ousar
pastoralmente?
Como podemos crescer na propositividade
pastoral em relação ao tempo de férias do nossos adolescentes e
jovens?
Fonte: https://www.cnbb.org.br/
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