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quarta-feira, 10 de julho de 2024

As lições da experiência de um acampamento

Acampamento (Crédito: Revista Direcional Escola)

AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA DE UM ACAMPAMENTO

Dom Antônio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)

De modo geral, a experiência dos acampamentos juvenis, de caráter pastoral, gera uma profunda atração nos jovens; para que possamos compreender esse fenômeno é necessário considerarmos a realidade que vivem milhões de jovens atualmente, sobretudo no contexto urbano das grandes cidades.   

Os jovens urbanos, respeitando a variedade de contextos, estão de modo geral, cada vez mais confinados em suas estruturas domésticas e tem pouca experiência de amizades e interação social; sentem-se movidos pela forte atração e ou dependência tecnológica, que os levam ao distanciamento do divertimento coletivo e a viverem uma vida artificializada, distantes da natureza. Sentem forte estresse nas relações familiares, oprimidos para terem bons resultados nos estudos e muitos vivem solitários na família. Fenômenos como a drogadição, a automutilação, o vazio existencial, a criminalidade são consequências de muitos fatores. No último acampamento do qual participei um jovem me disse: “isto para mim é uma espécie de experiência de paraíso!”  

 Os jovens e a experiência do acampamento  

O Setor Juventude da Arquidiocese de Belém promoveu o III Acampamento Juvenil Arquidiocesano nos dias 04-07 de julho (2024) para jovens de 15 a 29 anos. Vale a pena recordarmos os números dos participantes e refletir sobre eles: no I Acampamento (2022) participaram 470 jovens; no II 1170 e no III 1672. Essa significativa expressão numérica crescente nos convida à reflexão. Uma pergunta é inevitável: por que os jovens gostam desse tipo de evento?  

Antes de tudo, porque eles estão de férias; isso significa que o dinamismo da pastoral juvenil deve levar em conta também a disponibilidade de tempo dos jovens; o tempo de férias dos jovens nos oferece a possibilidade da pastoral juvenil planejar e oferecer-lhes atividades pastorais extraordinárias. Em muitos ambientes décadas atrás, era comum a promoção das colônias de férias; houve uma crise dessas atividades, mas se sente hoje a necessidade da reproposição delas. A sensibilidade pastoral e pedagógica da catequese deve também saber servir-se dos tempos de férias das crianças e dos adolescentes. 

Os jovens gostam da experiência do acampamento porque a sua programação não está presa à rotina do cotidiano, mas lhes oferece experiências extraordinárias de novas aprendizagens através de atividades festivas, lúdicas, esportivas, culturais, religiosas; a atratividade dos acampamentos nos fala da necessidade de levarmos em conta a sensibilidade juvenil nas nossas propostas pastorais; isso se refere à linguagem, modos de relacionamento, tempos de atenção, ambientes educativos… A psicologia juvenil exige da pastoral juvenil uma visão mais aberta, dinâmicas criativas, metodologias ativas e envolventes, encontro com a natureza; gostam porque os jovens apreciam o desafio da adaptabilidade, da ação conjunta e competitiva e estão abertos a aprendizagem através de novas experiências.  

 Interessantes referências bíblicas 

Na Bíblia encontramos muitas referências sobre acampamentos; de modo particular encontramos duas categorias: há os acampamentos estratégicos enquanto agrupamento de combatentes em tempos de guerra e os acampamentos enquanto ambiente de convivência de um processo de deslocamento e libertação. Assim Abraão respondendo positivamente ao chamado de Deus, pôs-se a caminho rumo a Terra Prometida, parando “de acampamento em acampamento” (cf. Gn 12,9). Essa mesma dinâmica encontramos também no processo de saída do Egito. O processo libertário após a travessia do Mar Vermelho aconteceu também através de etapas, passo a passo, pouco a pouco, de acampamento em acampamento, atravessando territórios; algumas vezes na amizade com povos diferentes, outras vezes em graves conflitos.  

A experiência do acampamento com as tendas no deserto, são metáforas da nossa existência humana, porque movidos pela fé, estamos em busca da pátria eterna. Neste mundo tudo é provisório e, por isso, não temos estruturas definitivas, mas somente tendas. A imagem da tenda e do acampamento nos chama a atenção para a consciência da provisoriedade da vida neste mundo e para a necessidade do olhar para frente porque estamos caminhando e não devemos nos apegar a nada que nos impeça de chegar ao santuário celeste nossa pátria definitiva. De fato, é isso que nos diz a Carta aos Hebreus: movidos pela fé, confessamos que somos estrangeiros e peregrinos sobre a terra e estamos a caminho da nossa pátria definitiva (cf. Hb 11,13-14). Estamos acampados neste mundo e a qualquer momento nossa tenda pode ser desfeita! 

O acampamento nos apresenta a ideia de que a nossa vida de fé não é uma corrida imediatista, instantânea, isolada, mas é uma experiência comunitária, que implica fases e processo de amadurecimento com seus desafios, tentações, conquistas, conflitos e perdas. No deserto, apesar da grande preocupação de Moisés e seus colaboradores com a higiene física, moral e religiosa dos acampamentos, também neles aconteciam coisas desagradáveis (cf. Ex 32; Nm 14-16). No acampamento aparecem também as marcas das fragilidades humanas como em toda comunidade, sociedade e instituição. Em todas as dinâmicas humanas o “joio e o trigo” estão sempre presentes (cf. Mt 13,24-30).  

Mas o acampamento era sobretudo, lugar da experiência de Deus (cf. Gn 32,3; Dt 23,15); acompanhando os homens o acampamento se torna também a casa de Deus, ambiente das suas múltiplas manifestações. O acampamento é espaço no qual se manifesta a generosa bondade da Providência Divina que conforta, fortalece, alimenta o seu povo (cf.  Ex 16,13; Nm 11,9). O acampamento também é lugar de convocação, de chamada vocacional, de serviço e também de espaço para profecias (cf. Nm 11,26-27); o acampamento é lugar da experiência da convivência fraterna e da santidade (cf. Dt 23,15).  

O sentido bíblico do acampamento nos convida a pensar na vida de fé como peregrinação, processos, caminhada, desenvolvimento, esforço virtuoso para superar limitações e as tentações do estacionamento; o sentido bíblico do acampamento nos estimula a crescer na virtude da adaptabilidade encarando desafios, abraçando sacrifícios, acolhendo o novo, cultivando o otimismo, conservando a liberdade, reforçando a vida fraterna. 

Algumas questões importantes

A experiência da participação dos jovens no III Acampamento Juvenil Arquidiocesano (Belém) foi muito bem avaliado por seus participantes, colaboradores e nos ofereceu alguns dados dignos de reflexões para a pastoral juvenil.   

·         A qualidade de um evento pastoral depende primordialmente da seriedade e da clareza do seu projeto e da sintonia de todos os seus colaboradores envolvidos; 

·         Não basta assegurar a qualidade técnica de um evento pastoral é necessário que haja uma forte dimensão socioafetiva, motivação, diversidade de conteúdos e experiências, leveza na programação, articulação de lideranças, ousadia pedagógico-pastoral;  

·         Não basta movimentos, é necessário dar tempo para a escuta, meditação e oração, por isso é de extrema importância a disponibilidade do maior número possível de confessores e orientadores (psicólogos) antenados com a psicologia juvenil; o acampamento também é espaço para a experiência da orientação espiritual, do discernimento moral, de tomadas de decisão, conversão, provocação vocacional, estímulo ao sentido da vida. 

·         É bom que o acampamento seja uma experiência aberta a todos e não somente para os bonzinhos, porque tem como finalidade a promoção da formação humana e da evangelização; essa abertura propicia a participação de jovens de outras Igrejas e são muitos os jovens evangélicos que estão buscando amparo na Igreja Católica em processo de conversão.  

PARA A REFLEXÃO PESSOAL: 

Você já participou de algum acampamento, como foi a experiência? 

Por que, muitas vezes, temos medo de ousar pastoralmente? 

Como podemos crescer na propositividade pastoral em relação ao tempo de férias do nossos adolescentes e jovens?  

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF