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sábado, 27 de julho de 2024

Dar mais sem ser heróis (1)

Foto/Crédito: Opus Dei

Dar mais sem ser heróis

Ser santos é “dar o melhor de si” e, ao mesmo tempo, perceber “que no final é sempre Deus quem faz tudo”. Texto sobre a santidade que Deus nos pede.

23/01/2019

O episódio da pesca milagrosa narrado por são Lucas pode nos ajudar a descobrir o que o Senhor pede a cada um de nós. Uma petição que se resume em uma palavra exigente e muitas vezes incompreensível: santidade.

Reparemos na vida de Jesus, que, no momento em que esta passagem do Evangelho é narrada, é considerado um mestre famoso, procurado, ouvido e seguido por muitas pessoas. Jesus vê dois barcos às margens do lago de Genesaré. “Ele viu dois barcos à beira do lago; os pescadores tinham descido e lavavam as redes. Subiu num dos barcos, o de Simão, e pediu que se afastasse um pouco da terra. Então se sentou e, do barco, ensinava as multidões. Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Avança mais para o fundo, e ali lançai vossas redes para a pesca’. Simão respondeu: ‘Mestre, trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes’ ” (Lc 5,2-5).

O SENHOR CHAMA OS PESCADORES JUSTAMENTE NO MOMENTO EM QUE FRACASSARAM.

Como sabemos, a história continua com uma pesca abundante, mas é importante observar que Jesus sobe no barco dos pescadores e os chama, pergunta-lhes, encoraja-os a fazer algo maior do que já estavam fazendo. Ao considerar esta história, poderíamos pensar: “Sim, eu deveria fazer mais, mas já é suficiente tentar sobreviver...”. Uma reação normal, mas errada. O Senhor não diz: “Você não fez nem a metade do que tinha que fazer, agora tem que fazer mais...”. Jesus sobe no barco porque Ele quer saber como estamos dentro do nosso barco: isso é a vocação. É um chamado para darmos o melhor de nós mesmos. Curiosamente, nessa cena, a chamada é feita quando os pescadores lavam suas redes depois de terem trabalhado a noite toda sem sucesso. Isto é, o Senhor chama os pescadores justamente no momento em que fracassaram.

O Cardeal Ratzinger, em um artigo publicado no Observatório Romano no dia da canonização de São Josemaria, em 6 de outubro de 2002, ressaltou que existe uma ideia errada sobre o que é a santidade: “Conhecendo um pouco da história dos santos, sabendo que nos processos de canonização se procura a virtude 'heroica', podemos ter, quase inevitavelmente, um conceito equivocado da santidade porque tendemos a pensar: ‘isto não é para mim’; ‘eu não me sinto capaz de praticar virtudes heroicas’; ‘é um ideal alto demais para mim’. Neste caso, a santidade estaria reservada para alguns grandes cujas imagens vemos nos altares e que são muito diferentes de nós, comuns pecadores. Esta seria uma ideia totalmente equivocada da santidade, uma concepção errônea que foi corrigida – e isto me parece um ponto central – precisamente por Josemaria Escrivá”.

O esforço atlético pela perfeição

No entanto, sabemos que a santidade normal e cotidiana não é exclusiva de São Josemaria: há muitos outros testemunhos de santidade alcançável – “a santidade da porta ao lado”, como o Papa Francisco a chamou na Gaudete et exsultate. Com efeito, há uma concepção muito perigosa do que é santidade: a santidade concebida como um esforço atlético para fazer tudo com a máxima perfeição. Esta não é a experiência dos santos, nem é a experiência dos apóstolos. A chamada deles não se explica porque eles eram bons ou porque eles estavam dando o melhor de si. O santo não é aquele que faz tudo bem, mas aquele que deixa a vontade de Deus agir em sua vida. Por quê? Porque confia nEle.

O SANTO NÃO É AQUELE QUE FAZ TUDO BEM, MAS AQUELE QUE DEIXA A VONTADE DE DEUS AGIR EM SUA VIDA

Portanto, o erro deve ser corrigido primeiro no nível terminológico, porque se fala de santidade na vida cotidiana, de santificação do trabalho, de uma chamada à santidade dirigida a todos... Mas “as palavras são importantes”, e se as palavras não são compreendidas, temos um problema. Nós não podemos presumir que atribuímos o verdadeiro significado a termos como bem-aventurado, manso, santidade, pecado, reconciliação, eucaristia... Em concreto, a “santificação” pode ser erroneamente entendida como uma espécie de perfeição ética ou mesmo estética, característica de uma pessoa infalível (“porque eu aprendi e não erro mais”).

O Senhor não sobe ao nosso barco por termos passado a noite triunfando e pescando com sucesso. Na verdade, às vezes ele chega nos momentos de fracasso: “trabalhamos a noite inteira e não pegamos nada. Mas, pela tua palavra, lançarei as redes” (Lc 5, 5). E Pedro lança as redes novamente, algo que vai totalmente contra a sua experiência, porque o pescador sabe que a pesca deve ser feita de noite. Mas mesmo sabendo isso, confia mais em Deus do que em sua própria experiência. Este é o grande ato de confiança de Pedro, graças ao qual “... pegaram tamanha quantidade de peixes que as redes se rompiam. Fizeram sinal aos companheiros do outro barco, para que viessem ajudá-los. Eles vieram e encheram os dois barcos a ponto de quase afundarem” (Mt 5,6-7).

Se confiarmos em Deus, acontecem coisas inesperadas. Santificar o trabalho, santificar-se na vida diária, não significa que Deus nos recompensa porque fazemos tudo certo e nunca cometemos erros. Embora não pensemos assim, no fundo, quando cometemos um ato mau, por orgulho, inveja ou ciúmes, muitas vezes vem à nossa cabeça: “Agora Deus vai me castigar porque fiz algo de errado”.

SE CONFIARMOS EM DEUS, ACONTECEM COISAS INESPERADAS

Esta concepção da santidade não está apoiada no evangelho e não é cristã. Da mesma forma, a santificação da vida familiar não significa que a ordem sempre reinará em casa. Uma mãe ou pai com filhos pequenos ou adolescentes podem ter a tentação de pensar: “Se eu santificasse minha vida cotidiana, meus filhos sempre estariam bem arrumados, com as mãos limpas, dentes brancos como nas propagandas de pasta de dentes...”. Não! Santificação não é uma perfeição externa da vida cotidiana, nem da vida social ou familiar.

Significa, isso sim, tentar receber as dificuldades com bom humor, mesmo quando a bagunça parece prevalecer. Significa sorrir, mesmo que tudo no dia corra mal ou o vivamos num ambiente caótico e claramente imperfeito.

Por: Carlo de Marchi

Tradução: Mônica Diez

Fonte: https://opusdei.org/pt-br

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF