Do Opúsculo Itinerário da mente para Deus, de
São Boaventura, bispo
(Cap.7,1.2.4.6:Opera
omnia,5,312-313)
(Séc. XII)
A sabedoria mística revelada
pelo Espírito Santo
Cristo
é o caminho e a porta. Cristo é a escada e o veículo, o propiciatório colocado sobre a arca de
Deus (cf. Ex 26,34) e
o mistério desde sempre escondido (Ef 3,9). Quem olha para
este propiciatório, como rosto totalmente voltado para ele, contemplando-o
suspenso na cruz, com fé, esperança e caridade, com devoção, admiração e
alegria, com veneração, louvor e júbilo, realiza com ele a Páscoa, isto é, a
passagem. E assim, por meio do lenho da cruz, atravessa o mar Vermelho, saindo
do Egito e entrando no deserto, onde saboreia o maná escondido. Descansa também
no túmulo com Cristo, parecendo exteriormente morto, mas experimentando, tanto
quanto é possível à sua condição de peregrino, aquilo que foi dito pelo próprio
Cristo ao ladrão que o reconhecera: Ainda hoje estarás comigo no Paraíso (Lc 23,43).
Nesta
passagem, se for perfeita, é preciso deixar todas as operações intelectuais, e
que o ápice de todo o afeto seja transferido e transformado em Deus. Estamos
diante de uma realidade mística e profundíssima: ninguém a conhece, a não ser
quem a recebe; ninguém a recebe, se não a deseja; nem a deseja, se não for
inflamado, até à medula, pelo fogo do Espírito Santo, que Cristo enviou ao
mundo. Por isso, o Apóstolo diz que essa sabedoria mística é revelada pelo
Espírito Santo (cf. 1Cor 2,13).
Se,
portanto, queres saber como isso acontece, interroga a graça, e não a ciência;
o desejo, e não a inteligência; o gemido da oração, e não o estudo dos livros;
o esposo, e não o professor; Deus, e não o homem; a escuridão, e não a
claridade. Não interrogues a luz, mas o fogo que tudo inflama e transfere para
Deus, com unções suavíssimas e afetos ardentíssimos. Esse fogo é Deus; a sua
fornalha está em Jerusalém. Cristo acendeu-a no calor da sua ardentíssima
paixão. Verdadeiramente, só pode suportá-la quem diz: Minha alma prefere ser sufocada, e os
meus ossos a morte (cf. Jó 7,15). Quem ama esta morte pode ver
a Deus porque, sem dúvida alguma, é verdade: O homem não pode ver-me e viver (Ex
33,20). Morramos, pois, e entremos na escuridão; imponhamos silêncio às
preocupações, paixões e fantasias. Com Cristo crucificado, passemos deste mundo para o Pai (cf.
Jo 13,1), a fim de podermos dizer com o apóstolo Filipe, quando o Pai se
manifestar a nós: Isso
nos basta (Jo 14,8); ouvirmos com São Paulo: Basta-te a minha graça (2Cor
12,9); e exultar com Davi, exclamando: Mesmo
que o corpo e o coração vão se gastando, Deus é minha parte e minha herança
para sempre! (Sl 72,26). Bendito seja Deus para sempre! E que todo o povo diga:
Amém! Amém! (cf. Sl 105,48).
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