Translate

terça-feira, 2 de julho de 2024

O Rio Grande do Sul 2 meses após as enchentes

Mutirão de solidariedade e limpeza nas cidades atingidas após enchentes no RS no início de maio (ANSA)

O arcebispo de Porto Alegre e presidente da CNBB, dom Jaime Spengler, faz um balanço da delicada situação vivida pelo Rio Grande do Sul há 2 meses da maior catástrofe natural da história do Estado, que também gerou "um movimento de solidariedade como nunca se viu na história do Brasil". Um momento também de grande missão para a Igreja: "o nosso povo precisa ser alimentado na fé, mas também na esperança", ao encontro da proposta do Jubileu, acrescenta o prelado, "esperançar o nosso povo".

Andressa Collet - Vatican News

"Agora se está num processo de limpeza. Andando pelas ruas das cidades e dos bairros a gente vê montanhas de lixo. As famílias tiveram que tirar praticamente tudo de dentro de casa. Ficaram as paredes. Em algumas residências, até mesmo as paredes desabaram. E com isso podemos imaginar o que significa a quantidade de lixo que temos na rua. O Poder Público está tendo muita dificuldade para tirar essa sujeira toda. Temos o problema das doenças que estão surgindo. E são várias!"

O testemunho é de dom Jaime Spengler, presidente do CELAM e da CNBB, que esteve em Roma na semana passada para a Assembleia Plenária da Pontifícia Comissão para a América Latina. Em entrevista a Silvonei Protz, o arcebispo de Porto Alegre procurou descrever a triste realidade vivida na capital gaúcha há 2 meses da maior catástrofe natural da história do Rio Grande do Sul. As enchentes afetaram mais de 2 milhões de pessoas e causaram 179 mortes, segundo o último boletim da Defesa Civil publicado nesta segunda-feira (01/07), como recorda o prelado:

"A situação é muito delicada. Nós temos cidades completamente destruídas. Na região metropolitana de Porto Alegre o desastre foi enorme. Tivemos cidades e bairros totalmente destruídos. Na arquidiocese, tivemos 16 paróquias e igrejas-matriz com suas comunidades que ficaram submersas. Não temos noção exata das perdas, mas mais do que nós perdemos, a população perdeu. Temos uma multidão de famílias de pessoas que perderam realmente tudo. Muita gente saiu de casa de madrugada quando as águas subiram de uma forma muito rápida, de pijama. Não tiveram tempo de retirar nada."

Alimentar na fé e esperançar o povo

Em meio à tragédia climática vivida pelos gaúchos, a esperança e a fé encontram espaço em manifestações de solidariedade e proximidade, como aquela que veio do Papa Francisco. Em 5 de maio, ao final do Regina Caeli, o Pontífice assegurou orações pelos afetados com as inundações, pedindo ao Senhor de "acolher os mortos e confortar os familiares e quem teve que abandonar suas casas". Quatro dias depois, a ajuda concreta do Papa através da Esmolaria Apostólica: cerca de 100 mil euros (o equivalente a mais de 500 mil reais) foram enviados à Nunciatura do Brasil para destinar aos atingidos pelas enchentes. E, em 11 de maio, veio o telefonema do Papa ao próprio dom Jaime Spengler, em mais uma manifestação de solidariedade "em favor de todos que estão sofrendo a catástrofe", disse Francisco, ao acrescentar: "estou próximo e rezo por vocês". Segundo definição do arcebispo de Porto Alegre, essa é uma forma de "esperançar o povo":

"Eu creio que neste momento histórico que vivemos, social, político, econômico e também eclesial, uma das grandes missões da Igreja neste momento na América Latina - e que vem ao encontro da proposta do Ano Jubilar - é esperançar o nosso povo. O nosso povo necessita ser alimentado, sim, na fé, mas também na esperança. E porque sinto essas duas virtudes? Porque a caridade é uma característica do cotidiano do nosso povo. O nosso povo sabe ser solidário, nosso povo é bom e generoso. Experimentamos isso agora no Brasil, depois das enchentes que sofremos no sul: um movimento de solidariedade como nunca se viu na história do Brasil! Mas isso é característica do povo latino-americano."

O "tapete solidário" de Barão de Cotegipe

O "tapete solidário" de Corpus Christi na Paróquia de N.S. do Rosário, em Barão de Cotegipe (Vatican Media)

Um dos exemplos vem de uma pequena comunidade ao norte do Rio Grande do Sul, que não foi afetada drasticamente com as enchentes. No final de maio, há um mês das enchentes, durante a celebração de Corpus Christi, a paróquia de Nossa Senhora do Rosário, do município de Barão de Cotegipe, foi motivada a fazer doações às vítimas das enchentes. O Padre Paulo Bernardi conta que o tradicional tapete feito de serragem e areia desta vez foi produzido com roupas de cama, toalhas, travesseiros e alimentos não-perecíveis. Os fiéis, ao longo da caminhada, rezavam o terço e a cada Ave Maria lembravam de 5 cidades afetadas pelas chuvas. Já as doações que formaram o "tapete solidário", por indicação da Caritas Diocesana, foram destinadas à população da cidade de Pelotas.

"Se você aquecer o teu coração e fizer uma doação, com certeza nós vamos aquecer o povo do estado e vamos criar ânimo para esse povo para que eles possam reconstruir tudo que perderam. A nossa gratidão a Deus por tantas empresas e tantas pessoas que estão fazendo inúmeras doações. Não podemos parar de doar, porque os problemas em algumas regiões estão iniciando apenas agora", reforça o Pe. Paulo Bernardi, já que o inverno chegou com força na região sul do Brasil e o frio tomou conta do Rio Grande do Sul, com mínimas que nesta segunda-feira (1º) chegaram a -2,7ºC em Vacaria, por exemplo.

Com o frio, mutirão da solidariedade se intensifica

Com essa onda gelada, as doações ajudam tanto as famílias que perderam tudo com as enchentes, como os moradores em situação de rua que procuram os abrigos públicos. Um movimento de solidariedade local mas que vem se estendendo pelo país inteiro e sem olhar fronteiras: além do Papa, mobilizações em diversos países são registradas em prol das vítimas do RS. Dois contêiners com roupas de inverno arrecadadas na Itália partem do Porto de Livorno ao Brasil no próximo sábado (06/01), num mutirão de ações concretas, como confirma dom Jaime:

“Solidariedade se faz com o coração e com as mãos. E realmente nós podemos ver isso de uma forma muito concreta. Eu nunca tinha presenciado, testemunhado, visto, tido notícia de um movimento de solidariedade tão grande como assisti nesse último mês de junho no Brasil. Praticamente todas as dioceses se envolveram, mas não só. Também outras entidades da sociedade civil, pessoas anônimas, enfim, foi realmente um mutirão de solidariedade. E é isso que nos dá dignidade e mostra a honradez do nosso povo.”

E o futuro dessa catástrofe toda?

Dois meses após a catástrofe, entre movimentos de limpeza e de solidariedade, de alimentar a fé e esperançar o povo, o arcebispo de Porto Alegre compartilha a grande preocupação do futuro do Rio Grande do Sul:

"Até agora tivemos essa grande onda de solidariedade, mas a grande questão é daqui a um mês, dois meses. Temos um número grande de microempresas, pequenos empresários e pequenas indústrias que perderam tudo e nós sabemos que quem mais proporciona postos de trabalho são eles. E esse trabalho de reconstrução não será fácil. Aliás, não se trata de reconstrução, eu não gosto desse termo, porque o Rio Grande do Sul precisará ser construído de forma diferente. Não reconstruir simplesmente, não podemos voltar àquilo que tínhamos antes. Então, essa é uma situação que preocupa. É verdade que o Poder Federal está prometendo uma ajuda financeira para o estado muito grande, mas não sabemos se chega, quando chega e como chega. Também o Governo do Estado faz promessas e inclusive os municípios, mas nós conhecemos a realidade dos nossos municípios brasileiros que não têm grandes condições. Realmente é uma questão que fica no ar: e o amanhã?"

Fonte: https://www.vaticannews.va/pt

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF