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sexta-feira, 19 de julho de 2024

O vício da gula e caminhos para a superação

Pecado da gula (Wikipédia)

O VÍCIO DA GULA E CAMINHOS PARA A SUPERAÇÃO

Dom João Santos Cardoso
Arcebispo de Natal (RN)

A gula é um desejo excessivo e desordenado por comida e bebida, que vai além da necessidade de nutrição, transformando-se em um anseio descontrolado por prazer sensorial. 

O místico medieval Hugo de São Victor classifica a gula como o sexto vício entre os sete pecados capitais, que ele compara aos rios da Babilônia, os quais espalham o mal pela terra. Para superar a gula, ele a associa ao sexto pedido do Pai Nosso, “não nos deixeis cair em tentação”, e à sexta bem-aventurança, “bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça”. Segundo sua abordagem, a gula seduz o ser humano, afastando-o dos valores superiores e da busca por Deus. Assim, a gula não apenas gera outros pecados, mas também desvia o homem da verdadeira felicidade espiritual. 

Santo Tomás de Aquino, na Suma Teológica, considera que o ato de comer, embora seja uma necessidade humana, torna-se pecaminoso quando se desvia da razão e moderação, podendo levar a outros vícios e pecados. Assim, a gula pode ser um pecado mortal quando o prazer da comida se torna um fim em si mesmo, levando o indivíduo a desprezar Deus e a agir contra seus preceitos. Se a gula apenas corrompe os meios, sem levar a uma violação direta da lei divina, é considerada pecado venial. Ele também classifica a gula como um vício capital porque seus prazeres são altamente desejáveis, o que leva a outros pecados. Embora a comida se ordene à nutrição, o prazer desordenado da comida pode se tornar um fim em si mesmo, promovendo outros pecados. 

Santo Tomás considera que a gula se opõe à virtude da temperança e não se refere apenas ao excesso de comida e bebida, mas também à forma como se come: se apressadamente, mostrando avidez e desordem no apetite; com muito requinte, demonstrando apego desordenado à forma de preparar e comer; buscando apenas alimentos mais saborosos e suculentos, a fim de obter o máximo de prazer; consumindo mais alimentos do que o necessário com desejo desmedido pela comida. A virtude da temperança, que modera os desejos e prazeres, é o remédio contra a gula. 

Em sua catequese sobre os vícios e virtudes, o Papa Francisco destaca que a relação com a comida deve ser equilibrada e serena. Ele ressalta que o problema não está no alimento em si, mas na relação que se tem com ele. Uma relação desordenada com a comida pode levar a distúrbios alimentares como anorexia, bulimia e obesidade. O Papa Francisco também critica a gula social, que se manifesta na exploração excessiva dos recursos do planeta, comprometendo o futuro de todos (Audiência Geral, 10/01/2024). 

A gula apresenta perigos tanto físicos quanto espirituais. O consumo excessivo de alimentos pode levar à obesidade, doenças cardíacas, diabetes e outros problemas de saúde. A busca incessante por satisfação através da comida pode transformar-se em um hábito destrutivo. 

Espiritualmente, a gula desvia o foco do ser humano dos valores superiores e da busca por Deus. Ao procurar consolo nos prazeres sensoriais, o indivíduo nega sua transcendência. O vício da gula reduz o ser humano a um nível inferior ao dos animais, que comem apenas para sobreviver, enquanto o ser humano transcende o puro dado animal, pela cultura, racionalidade e espiritualidade e, portanto, deve buscar um equilíbrio maior e uma relação mais saudável com a alimentação. 

Superar a gula exige uma abordagem consciente e deliberada, que inclui práticas espirituais e disciplina pessoal, como jejum e abstinência, práticas que ajudam a disciplinar o corpo e a mente, reduzindo o apego aos prazeres sensoriais e fortalecendo a vontade contra o excesso. A oração antes das refeições e a compreensão de que “não só de pão vive o homem, mas de toda palavra que sai da boca de Deus” (Mt 4,4), ajudam a manter o foco nos valores espirituais. Educação e consciência, buscando informar-se sobre os perigos da gula e sobre uma alimentação saudável pode ajudar a desenvolver hábitos alimentares mais salutares. A prática da partilha de alimentos com os necessitados, bem como a participação em iniciativas de caridade, ajuda a cultivar um consumo responsável e solidário. 

A luta contra a gula deve ser contínua e envolve autoconhecimento e disciplina. Ao reconhecer a gula como um vício que impede o crescimento humano e espiritual, podemos buscar forças em Deus e nas práticas espirituais para superá-la. A verdadeira fome que devemos nutrir é pela justiça e pela bondade, alinhando nossos desejos com os propósitos divinos e construindo uma vida de equilíbrio e gratidão. 

 Fonte: https://www.cnbb.org.br/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF