«Santidade e Sabedoria nos Pais da Igreja
Pe. José Artulino Besen*
Com a liberdade, a Igreja recebeu a oportunidade de se
organizar, mas também passou a enfrentar um grande perigo, maior do que a
perseguição: o controle por parte do imperador e do estado romano. Essa
interferência política será sempre um perigo para a fé, ameaçada por
imperadores adulados por bispos cortesãos.
Deste modo, as próprias decisões dos concílios sofrem
rupturas de acordo com a vontade imperial. Mas, esta é a grande glória da
Igreja nos séculos IV e V: grandes pastores, doutores na fé, santos, defenderão
a doutrina sem nenhum medo, garantindo a unidade e a ortodoxia. São conhecidos
como Pais (Padres) da Igreja, os Santos Pais.
A autoridade deles é tamanha no seio da Igreja que seus
escritos quase são colocados ao lado dos textos da Escritura: conservaram a
verdadeira doutrina, foram santos, foram sábios. Dividem-se em Pais latinos e
Pais gregos, dependendo da língua utilizada.
Defensores da fé e dos pobres
Formados nas escolas de cultura pagã, colocaram essa
sabedoria a serviço do Evangelho. Normalmente eram de famílias cristãs; a
maioria, porém, pediu o batismo em idade adulta. Após o exercício de uma
profissão profana, formaram-se espiritualmente com os Pais do Deserto, aliando
a sabedoria à santidade de vida e à contemplação. Retornando a suas cidades,
foram ordenados sacerdotes, sendo depois candidatos naturais ao episcopado,
oferecendo à Igreja uma plêiade nunca repetida de grandes bispos.
Como pastores zelosos, seus ensinamentos foram ministrados
através da catequese e da pregação. O povo que os escutava também os
compreendia. Não eram teólogos profissionais: eram santos teólogos. Vale para
eles a máxima da sabedoria cristã oriental: Se sabes rezar, és teólogo; se és
teólogo, sabes rezar.
Os teólogos da Corte se apressavam em justificar o imperador
de plantão. Já os Santos Pais não aceitavam que nada e ninguém se opusesse à
doutrina verdadeira e à unidade da Igreja. Em tempos favoráveis, chamavam o
imperador de “santo”: mas bastava que ele se desviasse da reta doutrina para
chamá-lo de satanás ou anticristo.
Mesmo possuidores de vasta cultura, jamais se afastaram do
povo, vivendo junto à multidão dos pobres e humildes. Na mais pura imitação de
Cristo, são pais dos pobres. Seus sermões contra os ricos e as riquezas são tão
fortes e claros que ainda hoje causam espanto.
Homens normais em sua santidade e sabedoria
Sobre o combativo Atanásio, patriarca de Alexandria,
Gregório de Nazianzo afirmou “que estudou apenas o necessário para não parecer
ignorante”. Era um homem de Igreja, amado pelo seu povo e odiado pelos
adversários heréticos ou pelos poderosos. Constantino disse que ele era
insolente, orgulhoso, provocador de confusão. Para salvar a unidade da Igreja,
não recuava diante de nada.
Atanásio foi vítima de chantagens, calúnias, mas soube
sempre responder, conduzindo o povo a seu favor. Sua defesa da fé o fez sofrer
20 anos de exílio em 46 anos de episcopado.
Toda a Igreja tem em grande conta três Pais conhecidos como
os Grandes Capadócios, por serem da Capadócia: os dois irmãos, Basílio de
Cesaréia e Gregório de Nissa, e Gregório de Nazianzo.
Basílio de Cesaréia, o maior dos Pais do Oriente, esperou
muito tempo para pedir o batismo. Em busca do saber, peregrinou de escola em
escola, frequentando os mestres de Constantinopla e de Atenas. Fundador da vida
monástica oriental, teve imensa preocupação com os pobres. Percebeu a
exploração dos humildes: em anos difíceis, os impostos e os dízimos eram
cobrados com antecipação, criando verdadeiros escravos.
Suas palavras: “As exigências chegam ao cúmulo da
desumanidade. Exploras o desespero, fazes dinheiro com lágrimas, estrangulas
quem está nu, esmagas o faminto, foram ditas ao ver um pai vender um filho como
escravo para escapar da miséria!”. Um prefeito, que não conseguia convencê-lo,
lhe disse: “Até hoje ninguém ousou falar-me com tal liberdade”. Respondeu
secamente: “Sem dúvida nunca encontraste um bispo!”
O pai de Gregório de Nazianzo era um herege. Com a oração da
esposa converteu-se e até tornou-se bispo de Nazianzo, gerando Gregório, filho
único depois batizado por ele. Gregório era muito sensível, mais propenso à
poesia e à contemplação do que à administração. Foi eleito bispo de Sásima, mas
se recusava a assumir um posto povoado de estrangeiros e de vagabundos. Diz,
porém, que não se recusava a defender as galinhas e os porquinhos.
Gregório diversas vezes fugiu, pois não queria
administração. Quando o velho bispo pai morreu, fugiu mais uma vez. Mas, sua
fama persistia e acabou levando-o à escolha como patriarca de Constantinopla,
onde adquiriu fama como o bispo da Trindade. Nas vezes em que novamente quis
fugir, o povo dizia: “Então nos deixarás sem a Trindade?”
Gregório, durante o concílio de Constantinopla (451), não aguentou
mais as discussões em que os mais jovens tagarelavam como um bando de
papagaios. Preferindo pregar a Trindade a ficar discutindo, fugiu, fixando-se
na diocese de seu pai, que administrou por algum tempo, dedicando-se mais à
vida literária e contemplativa.
João Crisóstomo
Nascido em Antioquia, João Crisóstomo (Crisóstomo = boca de
ouro) nasceu para ser monge e pregador, e nunca para ser administrador ou
político.
Orador nato, conhece todos os recursos para convencer e
atrair os ouvintes, especialmente atraindo os humildes, objeto de sua atenção.
Denuncia o luxo, a riqueza, a preguiça. A fama de orador fez chegar seu nome à
capital do Império e em 397, contra sua vontade, foi praticamente sequestrado e
feito patriarca de Constantinopla. Seu primeiro ato foi limpar do luxo o
palácio episcopal. Passou a comer sozinho e não aceitava recepções.
João continua sendo monge e, denunciando os abusos da corte
e dos bispos, se indispõe com todos, especialmente com a imperatriz Eudóxia
que, para provocá-lo, fez erguer uma imagem própria diante da catedral...
Mas continuou a denunciar a imperatriz e na celebração
pascal foi detido e exilado em uma pequena aldeia da Armênia, onde morreu em
407, proferindo suas últimas palavras: “Glória a Deus por tudo”. É o mais amado
dos Pais orientais, sendo a liturgia ortodoxa denominada “Divina Liturgia de
São João Crisóstomo”.
Qual o assunto dos Pais Orientais
A Santíssima Trindade, a Bíblia, Maria e a justiça social.
Os Pais do Oriente eram movidos pelo desejo de contemplar a Deus e esclarecer
seu grande mistério.
Saídos do deserto, eram monges em meio ao tumulto da cidade
dos homens. O amor a Deus fê-los possuir uma imensa compaixão pelos pobres,
criando obras para socorrer os famintos e abandonados.
FONTE:
Seleção "HISTÓRIA DA IGREJA"
Publicação no ECCLESIA autorizada pelo autor
* O Autor, Pe. José Artulino Besen é historiador
eclesiástico, professor de História da Igreja no Instituto Teológico de Santa
Catarina – ITESC desde 1975 e pároco.
https://www.ecclesia.org.br/
Nenhum comentário:
Postar um comentário