A principal fonte sobre a vida de São
Bento é o livro II dos “Diálogos” de São Gregório Magno, totalmente
dedicado a ele. Bento nasceu por vota do ano 480 em Núrcia (Norcia, em
Italiano), província de Perúgia, região da Úmbria na Itália central. Tinha uma irmã gêmea, Escolástica, também canonizada. Os
pais provavelmente tinham boa condição social e financeira, e por isso Bento teve a oportunidade de ir estudar em Roma.
A época era difícil, de
decadência, desagregação e confusão, pois todo o território do
antigo Império Romano ainda sofria com as sucessivas invasões de variados povos
bárbaros. Roma apresentava desorganização e mediocridade
moral. Também na Igreja a situação era difícil, incluindo um cisma de três anos após a morte do Papa Anastácio II
em 498, que foi seguida pela disputa entre Símaco, Papa legítimo, e Lourenço,
antipapa. Neste ambiente, corrompido por barbárie e antiga
cultura decante, ficou evidente para Bento que seus desejos de
busca elevada e sobrenatural não poderiam ser alcançados.
De fato, mesmo moço, já tinha a personalidade sedimentada numa profunda
maturidade: assim São Gregório se refere a ele, “Houve um varão de vida venerável, bento por graça e por nome,
dotado desde sua mais tenra infância de uma cordura de ancião. Com efeito,
antecipando-se por seus costumes à idade, jamais entregou seu espírito a
qualquer prazer (…), desprezou o mundo com suas flores, como se estivessem
murchas”.
Portanto abandonou os bens, a casa e os
estudos, escolhendo viver na erma aldeia de Efide (atual
Affile), a aproximadamente 50 km de Roma, nas montanhas de Sabina, em
recolhimento e oração. Sua antiga governanta não se quis
separar dele e o acompanhou, servindo-o nos afazeres domésticos.
Veio a ocorrer que esta mulher, por descuido,
deixou cair e quebrar uma jarra de argila emprestada de uma vizinha. Bento a encontrou chorando pelo acontecido, e, compadecido, juntou
os pedaços e rezou sobre eles, que se reconstituíram de forma perfeita. Este
foi o primeiro milagre por sua intercessão, que logo lhe trouxe muita fama e
popularidade; ele, que “desejava mais os desprezos que
os louvores deste mundo” (São Gregório Magno), retirou-se,
agora sozinho, para as montanhas de Subíaco.
Ali, por volta de 505, refugiou-se numa gruta, tendo antes encontrado com um monge
chamado Romão (ou Romano) de um mosteiro próximo. Romão o
ajudou baixando diariamente, por uma corda, o pão que durante certo tempo
foi o único alimento do jovem eremita; também forneceu a Bento um
hábito monástico.
Durante três anos, entregue
à direção do Espírito Santo, viveu Bento, sofrendo muito as
tentações do diabo. Em relação à pureza, em ocasião
particularmente intensa, encontrou como recurso o expediente de, para não
fraquejar, retirar as vestes e atirar-se nu nas moitas de espinhos e urtigas,
nas quais arrastou-se, de modo que todo o corpo ficou ferido, e a dor
substituiu o desejo. Depois do episódio, não mais foi tentado pela luxúria.
Estando com cerca de 30 anos, a comunidade de um mosteiro próximo, em Vicaro,
insistiu para que ele se tornasse o abade. Estes monges, tíbios e
insinceros, logo se arrependeram, pois Bento os queria conduzir para a
perfeição, através da observância estrita da regra monástica e do dever,
o que não desejavam; decidiram então matá-lo, colocando veneno no seu vinho.
Ao abençoar Bento a bebida, com o sinal da Cruz, o
recipiente se quebrou, e o santo abade descobriu as suas intenções. Abandonando o mosteiro, Bento voltou para a sua gruta (conhecida
depois como Sacro Speco, “gruta sagrada”, e que foi protegida para
preservação com a construção do Mosteiro de São Bento na montanha de Subíaco).
Mesmo na solidão a sua fama de santidade se
espalhou, e surgiram discípulos em número crescente. De Roma chegavam nobres
varões, e filhos de muitos patrícios desejosos de que Bento os ensinasse e
formasse. Entre eles estavam por exemplo os futuros São
Mauro e São Plácido, importantíssimos na História da Ordem e da Igreja. Houve
a necessidade de Bento fundar 12 mosteiros nas proximidades, no vale do rio
Aniene, cada qual com 12 monges dirigidos por um abade sob sua supervisão.
Na prática, estava fundada assim a Ordem
Beneditina. Em paz e harmonia, dedicando-se à oração e ao trabalho, a
comunidade prosperava, e os milagres, a doutrina e santidade de Bento
despertavam numerosas vocações.
Muitos foram os milagres de São Bento ali. Curou doentes, salvou pessoas de perigos, expulsou demônios, fez
um monge andar sobre as águas, ressuscitou um menino morto. Um
dos mais famosos foi ter feito brotar água de um ponto alto na
montanha, para abastecer três dos mosteiros, cujos monges tinham grande
dificuldade em subir e descer para consegui-la.
A fonte permanece abundante até hoje. Bento recebeu também o dom de saber o que se passava com os seus
filhos espirituais, sem vê-los, à distância; assim pôde corrigir,
por exemplo, dois monges que indevidamente tinham bebido e
comido fora do mosteiro, e outro que, também indevidamente, aceitara
um presente das monjas de um mosteiro próximo, ao qual Bento lhe mandara dar
assistência espiritual.
Como é comum, tais maravilhas despertam
inveja, e o pároco de uma igreja nas vizinhanças de Subíaco, de nome Florêncio,
iniciou uma campanha de difamação dos beneditinos e seu abade, procurando
afastar deles as pessoas. Não tendo sucesso, presenteou São
Bento com um pão envenenado. Ora, todo dia o santo oferecia pão a
um corvo que vinha na hora da refeição.
Bento ordenou-lhe que levasse o pão envenenado para
longe, onde não pudesse fazer mal a ninguém, e assim aconteceu. Florêncio então
tentou corromper os outros monges, fazendo entrar no quintal do mosteiro sete
moças nuas para despertar a sua luxúria. Bento, sabendo que era
ele próprio o motivo desta perseguição, resolveu ir embora com alguns poucos
irmãos, depois de organizar a direção da comunidade. Florêncio
contemplava satisfeito a partida do abade, sobre um terraço, quando só esta
parte da construção ruiu, e o matou… São Bento, avisado, chorou pelo inimigo. A
data aproximada era 529.
Bento chegou com seus companheiros a Cassinum, uma
antiga vila fortificada romana, entre Roma e Nápoles. Reformando a fortaleza e o antigo templo pagão do lugar,
transformou-os na célebre Abadia de Monte Cassino, de onde a Ordem Beneditina
se espalhou por toda a Europa. Realmente foi a sua influência
de comunidade verdadeiramente católica, de governo sábio e organizado, baseado
nas diretrizes do Evangelho, que se tornou o exemplo iluminado para os costumes
espirituais e materiais, tanto no âmbito público como no
privado, de toda uma época, sendo igualmente referência para todos os tempos.
Um dos aspectos essenciais deste
sucesso é a famosíssima Regra que São Bento aí escreveu (ao
menos na sua redação atual) para os seus monges, um farol de sensatez,
equilíbrio e sabedoria espiritual e prática, que permite “aos fortes
progredirem a aos fracos não desanimarem”. É uma leitura obrigatória para
todo católico, religioso ou leigo, que queira aprofundar e desenvolver a sua
vida espiritual, sob o benefício da equidade.
Como esclarece o erudito bispo e teólogo Bossuet, do século XVII, a Regra de São
Bento é “uma suma de cristianismo, um douto compêndio de toda a doutrina
do Evangelho, de todas as instituições dos Santos Padres, de todos os conselhos
de perfeição. Nela sobressaem eminentemente a prudência e a
simplicidade, a humildade e o valor, a severidade e a mansidão, a liberdade e a
dependência; nela a correção desdobra todo o seu vigor, a condescendência todo
o seu atrativo, a autoridade a sua robustez, a sujeição a sua tranqüilidade,
o silêncio a sua gravidade, a palavra as suas graças, a força o seu exercício,
e a debilidade o seu sustentáculo”.
O seu objetivo é afastar do coração humano as
trivialidades, facilitando a alma a elevar-se sem obstáculos a Deus, serena e
permanentemente focando na vida infinita do Paraíso, e o seu modus
operandi é o conhecido aforismo Ora et Labora, “reza e trabalha”, que harmoniza
– na ordem certa – as atividades vitais do ser humano, a oração e a ação.
A obra civilizadora de São Bento e sua Regra foram a resposta de Deus ao caos do período,
trazendo obediência e beleza, cultura e espiritualidade – os fundamentos da
vida humana comunitária – para as sociedades medievais e posteriores.
Monte Cassino e São Bento passaram a ser procurados
e visitados por bispos, abades, reis, príncipes, nobres,
pessoas comuns, em busca de conselho, conforto, orientação e aprendizado. Da
mesma forma, posteriormente, outros mosteiros beneditinos
passaram a ser o centro de núcleos de civilização e progresso, em torno dos
quais os países europeus fixaram as bases do seu
desenvolvimento, que só é possível com paz e estabilidade.
Santa Escolástica, irmã gêmea de São Bento,
promoveu o desenvolvimento do ramo feminino da Ordem. Encontravam-se anualmente numa casa pertencente ao mosteiro de
Monte Cassino, relativamente próxima do mosteiro feminino. No
ano de 547, sabendo que sua morte estava próxima, e tendo
passado como sempre aquela data especial em elevada conversação com o irmão,
Escolástica pediu que ele ali ficasse e tivessem ainda a noite para falar das
coisas de Deus. Bento recusou energicamente, pois
disciplinadamente queria passar a noite no mosteiro.
Ela então abaixou a cabeça, rezando por alguns momentos, e quando a ergueu de novo o tempo,
límpido, transformou-se numa tempestade tão absurdamente violenta que água e
raios impediam completamente que o abade e seus poucos monges acompanhantes
saíssem da casa.
“— Que Deus Todo-Poderoso te perdoe, irmã! O que
fizeste?
— Supliquei a ti e não quiseste atender-me. Roguei
ao meu Senhor e Ele me ouviu. Agora sai, se podes, e regressa ao mosteiro…”
São Bento entendeu, e passaram a noite em
vigília. Três dias depois, ele viu a alma da irmã, sob a forma de pomba,
subir ao Paraíso. Mandou recolher o seu corpo e o sepultou no
local que havia aprontado para si. Bento faleceu provavelmente no mesmo ano,
547, em 21 de março.
Tendo conhecimento do que ia acontecer, mandou
preparar a sepultura ao lado da irmã com seis dias de antecedência. Logo foi tomado de febre, com a condição piorando rapidamente. No
dia previsto, fez questão de ser levado ao oratório, onde, apoiado nos braços
dos irmãos, recebeu a Santíssima Comunhão e morreu, de pé, com
a alma erguida diante do Senhor.
Após sua morte, a Ordem Beneditina continuou a
crescer, especialmente a partir da Abadia de Cluny, na França do século
X: chegaram estar subordinados a ela 17 mil mosteiros. Nações inteiras foram convertidas ao Catolicismo sob a influência
beneditina; muitas e famosas universidades, como Paris, Cambridge, Bolonha,
Oviedo, Salamanca e Salzburgo tiveram origem a partir de
colégios beneditinos; mais de 30 Papas adotaram sua Regra; incontáveis
mártires, cardeais, bispos, santos, discípulos, partilharam e partilham desta
espiritualidade.
São Bento é o Fundador e Patriarca do monaquismo do Ocidente, e primeiro Patrono da Europa, atualmente junto com santos Metódio e Cirilo e santas Brígida, Catarina de Sena e Tereza Benedita da Cruz.
Colaboração: José Duarte
de Barros Filho
Reflexão:
Absolutamente notável é a vida e
a figura de São Bento, bem como a sua obra. Claro, muitos são os santos que
tiveram vidas e missões particularmente excepcionais, e também com obras
imensas. O alcance do que fez e o legado que deixou é que o torna um destaque
mesmo entre eles. O equilíbrio da Regra Beneditina, de profundíssima
espiritualidade a par com um bom senso “divinamente humano”, e uma praticidade
chã e elevada ao mesmo tempo a torna verdadeiramente acessível a potencialmente
qualquer um, religioso ou leigo. É uma receita de santidade palpável e
universal, uma solução direta às aspirações do “como viver”, e bem, do ser
humano. Tem, neste sentido, a catolicidade da própria Igreja. Sua própria vida
incluiu harmoniosamente milagres estrondosos e a mais normal rotina de oração,
trabalho, estudo, lazer e descanso, dando exemplo da maior elevação espiritual
em todos os aspectos que compõem a vida humana, de forma simples e realmente
praticável, tanto individual quanto comunitariamente. Isto de fato é tão inusitado
quanto grandioso: as vidas e obras de outros gigantes de santidade não
apresentam todos estes aspectos juntos. São conhecidos muitos que passaram por
exemplo por experiências, místicas ou humanas, de exigência extrema, grandes
taumaturgos, grandes doutores, grandes missionários, grandes penitentes…uma
lista incontável; mas o aspecto individualíssimo das suas vivências, situações
e desdobramentos na vida dos povos e da Igreja, principalmente considerando
todos os aspectos em conjunto, não abarca ou pode incluir na sua proposta de
santidade um número tão grande de almas como é possível pela espiritualidade
beneditina. Não quer dizer que todos tenham gosto, propensão, vocação
específica para ela, mas sim que ela pode de alguma forma ser praticada por qualquer
um, porque é maleável o suficiente para se adaptar a circunstâncias diferentes,
sem perder o conteúdo. Traz sempre um equilíbrio acessível. E isto, em outras
palavras, é possibilitar que se torne individual a salvação universal de
Cristo, num mesmo âmbito de comunhão: a própria essência da unidade na
diversidade desejada pela Igreja.
Oração:
“Escuta, filho, os preceitos do mestre, e inclina o
ouvido do teu coração; recebe de boa vontade e executa eficazmente o conselho
de um bom pai para que voltes, pelo labor da obediência, Àquele de Quem te
afastaste pela desídia da desobediência. A ti, pois, se dirige agora a minha
palavra, quem quer que sejas que, renunciando às próprias vontades, empunhas as
gloriosas e poderosíssimas armas da obediência para militar sob o Cristo
Senhor, verdadeiro Rei” (Início do Prólogo da Regra de São Bento). Ó Deus de amor
e sabedoria, concedei-nos que, por intercessão de São Bento, como ele
reformemos a dura fortaleza e antigo templo mundano da nossa própria alma, pela
vivência humilde da regra de Salvação que nos destes na Palavra da Vossa
Igreja, ouvindo e obedecendo ao Mestre a Quem queremos voltar. Por Nosso Senhor
Jesus Cristo e Nossa Senhora. Amém.
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