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sábado, 27 de julho de 2024

Uma humanidade que não é uma fachada (1)

João Paulo I e Paulo VI (ACI Digital)

Uma humanidade que não é uma fachada

O cardeal Aloisio Lorscheider, arcebispo de Aparecida, Brasil, fala: «Luciani certamente teria tido em mente a predileção da Igreja pelos pobres. Durante muitos anos guardou a carta com a qual o seu pai socialista lhe deu consentimento para entrar no seminário: “Espero que quando te tornares sacerdote estejas ao lado dos pobres e dos trabalhadores porque Cristo esteve ao lado deles”»

Entrevista com o Cardeal Aloisio Lorscheider por Stefania Falasca

Dos 111 cardeais reunidos na Capela Sistina naquele conclave de agosto de 1978 que levou à eleição do Papa Luciani, o cardeal brasileiro Aloisio Lorscheider era o mais jovem. Conhecia de perto o patriarca de Veneza e estava ligado a ele por uma amizade sincera. Assim que foi eleito papa, João Paulo I revelou que havia reservado o voto no conclave justamente para ele, tamanha a estima que tinha pelo então presidente do Conselho Episcopal Latino-Americano.

Dom Aloísio Lorscheider (ACI Digital)

Dom Aloísio, representante de uma Igreja que está na linha da frente na defesa dos pobres, é uma testemunha excepcional das expectativas e esperanças que levaram o patriarca de Veneza ao trono de Pedro.

Pela primeira vez o cardeal brasileiro concorda em falar extensivamente sobre suas memórias pessoais daqueles momentos importantes e sobre sua amizade com Albino Luciani.

Nós o encontramos em sua casa em Aparecida, cidade onde fica o maior e mais venerado santuário mariano do Brasil, do qual hoje é arcebispo. 

Eminência, no dia 6 de agosto, há vinte anos, no palácio papal de Castel Gandolfo, faleceu o Papa Paulo VI. O que você lembra do último período do Pontífice? Quando foi a última vez que você se encontrou com ele? ALOISIO LORSCHEIDER: A última vez que vi Paulo VI foi no final do seu pontificado, durante uma visita ao Vaticano dos presidentes de algumas conferências episcopais. Naquela ocasião lembro que Paulo VI se aproximou e me abraçou, depois disse: “Vocês, bispos brasileiros, são aqueles que hoje lavam os pés dos pobres”. Disse-o com aquele tom particular que tinha a sua voz, uma voz rouca, quase trêmula, e depois acrescentou lentamente: “Como eu gostaria de lavar os pés dos pobres...”. Jamais esquecerei aquele momento e a voz de Paulo VI ao pronunciar estas palavras. Também fiquei impressionado com a atenção e o extremo realismo de Paulo VI. Um realismo no seu julgamento do mundo e da Igreja, que sofreu até ao fim e que marcou o seu pontificado a partir dos anos imediatamente seguintes ao Concílio Vaticano II.

Na opinião de muitos, o patriarca de Veneza Albino Luciani era o sucessor desejado por Paulo VI. Isso é o mesmo para você também?
LORSCHEIDER: Paulo VI tinha um profundo respeito por Albino Luciani: nomeou-o patriarca de Veneza, uma sede muito importante, e em nome de Paulo VI Luciani escreveu intervenções sobre a Concordata e sobre a defesa da vida. Depois houve aquele episódio “profético” em Veneza em 1972, poucos meses antes de Luciani ser nomeado cardeal. Diante de uma imensa multidão que enchia a Praça de São Marcos, Paulo VI tirou a estola pontifícia dos ombros e colocou-a sobre o patriarca, dizendo-lhe: “Você merece esta estola” e o pobre Luciani ficou todo vermelho. Acredito que o patriarca de Veneza não só foi o sucessor esperado por Paulo VI, mas foi aquele que, entre outros, melhor seguiu e segue as orientações fundamentais do seu magistério.

Num livro que reúne as confidências do Papa Luciani ao Cardeal Villot, está escrito que um dos desejos urgentes do novo Papa era encontrar em breve «o presidente do Celam, o Cardeal Aloisio Lorscheider, que conheço há anos e a quem Eu dei meu voto no conclave." Então vocês se conheciam bem? Quando você o conheceu?
LORSCHEIDER: Não me lembro exatamente das primeiras vezes que tive a oportunidade de encontrar Luciani, talvez durante algum sínodo em Roma, mas conhecia alguns de seus escritos e o respeitava por eles. Meu primo Ivo Lorscheiter, bispo de Santa Maria, no sul do Brasil, o conhecia pessoalmente há algum tempo e estava ligado a ele por uma profunda amizade. Luciani o amava muito e tinha muito respeito por ele. Acredito que o Cardeal Luciani, se é verdade que votou em mim no conclave, também o fez pensando nele. Em novembro de 1975, por ocasião do centenário da imigração italiana na região de Santa Maria, Dom Ivo convidou o patriarca de Veneza a visitar as comunidades venezianas de sua diocese. Foi nessa ocasião que tive a oportunidade de conhecê-lo de perto.

O que você lembra da viagem do cardeal Luciani ao Brasil? LORSCHEIDER: Na diocese de Santa Maria, Luciani ficou quatro dias parado. Nesse período descansou pouco: visitou institutos, igrejas, religiosos, subúrbios pobres, parando entre comunidades de origem italiana. Onde quer que chegasse, fazia um breve discurso sem nunca se repetir e muitos choravam ao ouvir o patriarca de sua terra falar, principalmente quando ele lhes falava no dialeto veneziano. Celebrou a festa de Nossa Senhora de Todas as Graças, particularmente venerada naquela zona, proferindo uma bela homilia em português. Ele então recebeu um título honorário da Universidade Federal por seu famoso Ilustríssimo e nessa ocasião fez um discurso sobre a virtude da prudência. Ao final dessa visita fizemos juntos a viagem de volta ao Rio de Janeiro. Luciani era naquela época também vice-presidente da Conferência Episcopal Italiana. Durante a viagem tivemos uma troca cordial e franca de ideias sobre as funções que deve ter uma conferência episcopal.

Que impressão você teve da pessoa dele então?
LORSCHEIDER: De um homem afável e de uma bonomia também temperada com um toque de humor. Homem de grande zelo apostólico, com um amor discreto pelos pobres, espirituoso no pensamento e firme na doutrina.

Todas as reconstruções sublinham o papel decisivo dos cardeais brasileiros na escolha de Luciani no conclave de agosto de 78. Na verdade, o historiador Gabriele De Rosa escreveu que a candidatura de Luciani já vinha sendo cultivada e preparada há algum tempo pelos latino-americanos. Isto é verdade?
LORSCHEIDER: Até onde eu sei, não houve preparação. Pessoalmente tinha uma certa sintonia com o cardeal Arns, mas dos outros três cardeais brasileiros, por exemplo, não saberia dizer se conheciam Luciani de perto. Albino Luciani não era muito conhecido pela Conferência Episcopal Brasileira. Seu nome nem sequer aparecia nas listas de possíveis candidatos que circulavam na imprensa, tanto que, lembro-me, pouco antes da abertura do conclave, um jornalista veio até mim apresentando-me uma lista de nomes. Ao lê-lo, observei que faltava o nome do patriarca de Veneza. Naquele momento eu disse assim... de uma forma completamente inocente. E ele me agradeceu porque realmente não tinha pensado nesse nome.

No entanto, poucos dias antes do conclave, ela deu uma entrevista na qual traçou o perfil de quem deveria ter sido o novo papa. Naquela entrevista ele disse textualmente: «O novo papa deve ser antes de tudo um bom pai espiritual, um bom pastor, como foi Jesus, que exerce o seu ministério com paciência e disponibilidade para o diálogo... deve ser sensível aos problemas sociais ...deve respeitar e encorajar a colegialidade dos bispos... não deve tentar impor soluções cristãs aos não-cristãos...". Todos leram isso como um kit de identidade de Luciani... LORSCHEIDER: Essas características nada mais expressavam do que as orientações daquele colégio de cardeais. O ponto fundamental era que queriam um papa que fosse antes de tudo um bom pastor. Pensamos então num italiano, não da Cúria. O nome de Albino Luciani surgiu durante o conclave.

Arquivo 30Dias, retirado da edição nº. 07/08 - 1998

Fonte: http://www.30giorni.it/

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Pe. Manuel Pérez Candela

Pe. Manuel Pérez Candela
Pároco da Paróquia Nossa Senhora da Imaculada Conceição - Sobradinho/DF