Começamos uma série de editoriais
sobre a formação do caráter e a maturidade cristã. Como influi a personalidade
na vida diária? As pessoas podem mudar? Qual é o papel da graça?
13/03/2020
Por que reajo deste modo? Por que sou assim? Sou capaz de
mudar? São algumas das perguntas que alguma vez podem assaltar-nos. Às vezes,
as consideramos em relação aos outros: por que tem esse modo de ser?... Vamos
refletir sobre estas questões, olhando para o nosso objetivo: ser cada vez mais
parecidos com Jesus Cristo, deixando-o operar em nossas vidas.
Este processo abarca todas as dimensões da pessoa, que ao
divinizar-se conserva os traços do autenticamente humano, elevando estas
características de acordo com a vocação cristã. Porque Jesus Cristo é
verdadeiro Deus e verdadeiro homem: perfectus Deus, perfectus homo.
NEle contemplamos a figura realizada do ser humano, pois «Cristo
Redentor (...) revela plenamente o homem ao próprio homem. Esta é — se assim é
lícito exprimir-se — a dimensão humana do mistério da Redenção. Nesta dimensão
o homem reencontra a grandeza, a dignidade e o valor próprios da sua
humanidade[1] ».
A nova vida que recebemos no Batismo está chamada a
crescer até que todos tenhamos chegado à unidade da fé e do
conhecimento do Filho de Deus, até atingirmos o estado de homem feito, a
estatura da maturidade de Cristo[2].
O divino, o sobrenatural, é o elemento decisivo na santidade
pessoal, que une e harmoniza todas as facetas do homem, mas não podemos
esquecer que isto inclui, como algo intrínseco e necessário, o elemento humano:
Se aceitamos a nossa responsabilidade de filhos de Deus, devemos ter em
conta que Ele nos quer muito humanos. Que a cabeça toque o céu, mas os pés
assentem com toda a firmeza na terra. O preço de vivermos cristãmente não é nem
deixarmos de ser homens nem abdicarmos do esforço por adquirir essas virtudes
que alguns têm, mesmo sem conhecerem Cristo. O preço de cada cristão é o Sangue
redentor de Nosso Senhor, que nos quer - insisto - muito humanos e muito
divinos, diariamente empenhados em imitá-lo, pois Ele é perfectus Deus,
perfectus homo, perfeito Deus, perfeito homem[3].
A tarefa de formar o caráter
A ação da graça nas almas está unida ao crescimento da
maturidade humana, o aperfeiçoamento do caráter. Por isso, ao mesmo tempo em
que cultiva as virtudes sobrenaturais, um cristão que busca a santidade
procurará alcançar os hábitos, modos de fazer e de pensar que caracterizam uma
pessoa madura e equilibrada. O fim das suas ações será refletir a vida de
Cristo, e não um simples empenho de perfeição. Por isso, São Josemaria anima a
fazer exame de consciência: —Filho, onde está o Cristo que as almas
buscam em ti? Na tua soberba? Nos teus desejos de impor-te aos outros? Nessas
mesquinhezes de caráter que não queres vencer? Nessa caturrice?... Está aí
Cristo? - Não!! A resposta nos dá una chave para empreender esta
tarefa: —De acordo: deves ter personalidade, mas a tua personalidade tem
de procurar identificar-se com Cristo![4]
Na própria personalidade influi tanto o que se herda e se
manifesta desde o nascimento, que costuma chamar-se temperamento, como os
aspectos que se vão adquirindo pela educação, as decisões pessoais, o trato com
os outros e com Deus, e muitos outros fatores, que inclusive podem ser
inconscientes.
Deste modo, existem diferentes tipos de personalidades ou
caráter ‒ extrovertidos ou
tímidos, vivazes ou reservados,
despreocupados ou apreensivos, etc. ‒,
que se expressam no modo de trabalhar, de relacionar-se com os outros, de
considerar os acontecimentos diários.
Estes elementos influem na vida moral, pois facilitam o
desenvolvimento de certas virtudes, mas também podem facilitar o aparecimento
de defeitos, se faltar o empenho por moldar o temperamento. Por exemplo, uma
personalidade empreendedora pode ajudar a cultivar a laboriosidade, desde que
ao mesmo tempo se viva uma disciplina que evitará o defeito da inconstância e
do ativismo.
Deus conta com nossa personalidade para levar-nos por
caminhos de santidade. O modo de ser de cada um é como uma terra fértil que
precisa ser cultivada: basta tirar com paciência e alegria as pedras e as ervas
daninhas que impedem a ação da graça, e começará a dar frutos, cem por um,
sessenta por um, trinta por um[5].
Cada um pode fazer render os talentos que recebeu das mãos
de Deus, se se deixa transformar pela ação do Espírito Santo, forjando uma
personalidade que possa refletir o rosto de Cristo, sem que isto tire nada de
suas próprias características, pois diferentes são os santos do Céu, que
têm cada um as suas notas pessoais e especialíssimas[6].
Temos de reforçar e aperfeiçoar a personalidade para
ajustar-se a um estilo cristão, mas não se pode pensar que o ideal seria
converter-se em uma espécie de "super-homem" Na verdade, o modelo é
sempre Jesus Cristo, que possui uma natureza humana igual à nossa, porém
perfeita em sua normalidade e elevada pela graça.
Naturalmente, encontramos um exemplo sublime também na
Virgem Maria: Nela se dá a plenitude do humano… e da normalidade. A proverbial
humildade e simplicidade de Maria, talvez suas virtudes mais valorizadas em
toda a tradição cristã, unidas à proximidade, afeto e ternura com todos os seus
filhos ‒ que são virtudes de uma boa mãe de família ‒, são a melhor confirmação deste fato:
a perfeição de uma criatura ‒ Mais
que tu, só Deus![7] ‒,
tão plenamente humana, tão encantadoramente mulher: a Senhora por excelência!
J. Sesé
[1] São João Paulo II, Enc. Redemptor Hominis,
n. 10.
[2] Ef, 4, 13
[3] Amigos de Deus, n. 75
[4] Forja, 468
[5] Mt 13, 8
[6] Caminho, 947
[7] Caminho, n. 496
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