Uma personalidade que se identifique
com Cristo
Começamos uma série de editoriais
sobre a formação do caráter e a maturidade cristã. Como influi a personalidade
na vida diária? As pessoas podem mudar? Qual é o papel da graça?
13/03/2020
Maturidade humana e sobrenatural
A palavra "maturidade" significa primeiramente
estar maduro, pronto, e por extensão refere-se à plenitude do ser. Implica
também o cumprimento da tarefa em si. Por isso, na vida do Senhor encontraremos
o melhor paradigma. Contemplá-la nos Evangelhos e ver como Cristo trata as
pessoas, sua fortaleza ante o sofrimento, a decisão com que empreendeu a missão
recebida do Pai, tudo isso nos dá o critério da maturidade.
Ao mesmo tempo, nossa fé incorpora todos os valores nobres
que se encontram nas diversas culturas, e por isso também é útil assimilar,
purificando-os, os critérios clássicos de maturidade humana. É algo que se fez
ao longo da história da espiritualidade cristã, em maior ou menor grau, de
forma mais ou menos explícita.
O mundo clássico greco-romano, por exemplo (que foi tão
sabiamente cristianizado pelos Padres da Igreja), colocou no centro do ideal da
maturidade humana especialmente a "sabedoria" e a
"prudência", entendidas com diversos matizes. Os filósofos e teólogos
cristãos daquela época enriqueceram esta concepção observando a primazia das
virtudes teologais, de modo especial a caridade como vínculo da perfeição[8] ,
em palavras de São Paulo, e que dá forma a todas as virtudes.
Atualmente, o estudo sobre a maturidade humana se completou
com diversas perspectivas oferecidas pelas ciências modernas. Suas conclusões
são úteis na medida em que partem de uma visão do homem aberta à mensagem
cristã.
Assim, alguns costumam distinguir três campos fundamentais
na maturidade: intelectual, emotiva e social. Traços significativos de
maturidade intelectual podem ser: um adequado conceito de si mesmo (proximidade
entre o que uma pessoa pensa que é, e o que realmente é; a sinceridade consigo
mesmo influi decisivamente nisso); uma filosofia correta da vida; estabelecer
pessoalmente metas e fins claros, porém com horizontes abertos e ilimitados (em
amplitude, profundidade e intensidade); um conjunto harmonioso de valores; uma
clara certeza ético-moral; um realismo sadio ante o próprio mundo e alheio; a
capacidade de reflexão e análise serena dos problemas; a criatividade e a
iniciativa; etc.
Entre os traços de maturidade emotiva, sem nenhuma pretensão
de exaustividade, cabe distinguir: saber reagir proporcionalmente ante os
acontecimentos da vida, sem deixar-se abater pelo fracasso nem perder o
realismo no sucesso; a capacidade de controle flexível e construtivo de si
mesmo; o saber amar, ser generosos e dar-se aos outros; a segurança e firmeza
nas decisões e compromissos; a serenidade e capacidade de superação ante os
desafios e as dificuldades; o otimismo, a alegria, a simpatia e o bom humor.
Finalmente, como parte da maturidade social encontramos: o
afeto sincero pelos outros, o respeito a seus direitos e o desejo de descobrir
e aliviar suas necessidades; a compreensão da diversidade de opiniões, valores
ou traços culturais, sem preconceitos; a capacidade de crítica e independência
perante a cultura dominante, o ambiente, os grupos de pressão ou as modas; uma
naturalidade no comportamento que leva a atuar sem convencionalismos; a ser
capazes de ouvir e compreender; a disposição a colaborar com outros.
Um caminho para a maturidade
Poderíamos resumir essas características dizendo que a
pessoa madura é capaz de desenvolver um projeto elevado, claro e harmonioso de
sua vida, e possui as disposições positivas necessárias para realizá-lo com
facilidade.
Em qualquer caso, a maturidade é um processo que requer
tempo, e passa por diferentes momentos e etapas. Costumamos crescer de uma
maneira gradual, embora na história pessoal possa haver acontecimentos que
levam a dar grandes saltos. Por exemplo: para alguns, o nascimento do primeiro
filho é um marco divisório, ao perceber o que implica esta nova
responsabilidade; ou, depois de passar por sérias dificuldades econômicas, uma
pessoa pode aprender a reconsiderar quais são as coisas verdadeiramente
importantes na vida; etc.
Neste caminho para a maturidade a força transformadora da
graça faz-se presente. Basta um olhar sobre a vida das santas e dos santos mais
conhecidos para detectar neles os ideais elevados, a certeza de suas
convicções, a humildade – que é o mais adequado conceito sobre si mesmo -, sua
criatividade e iniciativa, sua capacidade de entrega e amor feita realidade,
seu otimismo contagioso, sua abertura – seu empenho apostólico, em última
análise ‒ eficaz e
universal.
Podemos encontrar um exemplo claro na vida de São Josemaria
que desde a juventude notava que a graça trabalhava nele consolidando uma
personalidade madura. Percebia dentro de si mesmo, no meio das dificuldades,
uma estabilidade de ânimo fora do comum: Creio que o Senhor pôs na minha
alma outra característica: a paz: ter a paz e dar a paz, como vejo acontecer em
pessoas com quem me relaciono ou que dirijo[9]. Podiam ser
aplicadas a ele, com toda justiça, aquelas palavras do salmo: Super
senes intellexi quia mandata tua quaesivi[10]: sou mais sensato do
que os anciãos, porque observo os vossos preceitos. O que não exclui
que, muitas vezes, adquire-se a maturidade com o tempo, os fracassos e os
sucessos, que estão previstos pela Providência Divina.
Contar com a graça e o tempo
Embora seja possível observar que, em algum momento uma
pessoa chegou a um estágio de maturidade em sua vida, a tarefa de trabalhar
sobre o próprio modo de ser projeta-se ao longo da nossa caminhada terrena.
O autoconhecimento e a aceitação do próprio caráter darão
paz para não desanimar nesta tarefa. Isto não significa ceder ao conformismo.
Quer dizer reconhecer que o heroísmo da santidade não exige possuir uma
personalidade perfeita agora, nem aspirar a um modo de ser idealizado, pois a
santidade requer a luta paciente de cada dia, sabendo reconhecer os erros e
pedir perdão.
As verdadeiras biografias dos heróis cristãos são como
as nossas vidas: lutavam e ganhavam, lutavam e perdiam. E então, contritos,
voltavam à luta[11]. O Senhor conta com o esforço sustentado ao longo
do tempo para aperfeiçoar o próprio modo de ser. É significativo, por exemplo,
aquilo que uma pessoa comentava sobre a serva de Deus Dora Del Hoyo já no final
de sua:«–Dora, quem te viu e quem te vê. Olha que é outra! Riu. Sabia muito
bem do eu que falava» [12]. Tinha observado como, com os anos, seu
caráter tinha atingido uma estabilidade de ânimo que conseguia moderar as
reações de seu gênio.
Nesta tarefa contamos sempre com a ajuda do Senhor e os
cuidados maternos de Santa Maria :«Nossa Senhora realiza precisamente isto
em nós, ajuda-nos a crescer humanamente e na fé, a ser fortes e a não ceder à
tentação de ser homens e cristãos de modo superficial, mas a viver com
responsabilidade, a tender sempre cada vez mais para o alto»[13].
Nos próximos editoriais abordaremos diversos elementos
envolvidos na formação do caráter. Destacaremos algumas das principais
características da maturidade cristã. Contemplaremos o edifício que o Espírito
Santo, com a colaboração ativa de cada um, procura construir no interior da
alma, e consideraremos as características dos alicerces, o que fazer para
garantir a firmeza da estrutura, e como remediar a aparição de alguma fissura.
Forjar uma personalidade capaz de refletir claramente a
imagem de Jesus Cristo é um desafio realmente entusiasmante!
J. Sesé
[8] Cl 3, 14
[9] São Josemaria, Apontamentos íntimos n. 1095, citado em
Andrés Vázquez de Prada, O fundador do Opus Dei, Quadrante, p. 513
[10] Salmo 118
[11] É Cristo que passa, n. 76
[12] Lembranças de Rosalía López, Roma 29-IX-2006 (AGP, DHA,
T-1058), citado en Javier Medina, Una luz encendida. Dora del Hoyo, Palabra,
Madrid 2012, p. 115.
[13] Francisco,
palavras após a oração do rosário na basílica de Santa Maria Maior, 4/05/2013
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