A experiência da oração nos profetas
Dom Antônio Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
Na Sagrada Escritura é muito forte a experiência de Deus na
vida dos profetas; eles estão continuamente em diálogo com Deus, ouvindo,
interpretando seus oráculos e transmitindo-os ao povo. Mas essa atenção à voz
de Deus não é passiva e nem neutraliza a humanidade deles. Os profetas sentem
angústias, sofrem, vivem fortes tensões, passam por momentos de crises,
questionam a Deus diante do mistério do mal, sentem-se frágeis, impotentes e
por isso, também silenciam, oram, retiram-se, dialogam com Deus! Falar da
oração nos profetas bíblicos é um desafio por causa da diversidade dos
sujeitos, da variedade dos contextos históricos e da abundância literária
deles; tudo isso não nos permite pretender uma reflexão exaustiva. Por isso,
consideremos apenas alguns aspectos.
Oração, vocação e missão
Nos profetas há uma íntima relação entre oração, consciência
vocacional e missão. No profeta Isaías a primeira referência sobre a oração
está relacionada ao seu chamado vocacional. É através da oração que o profeta
descobre sua vocação e responde com generosidade (cf. Is 6,8). A apresentação
da missão assusta o profeta, mas através da oração sente-se consolado e
responde: «Eu te agradeço, Javé, porque estavas irado contra mim, mas a tua ira
se acalmou e me consolaste. Sim, Deus é a minha salvação! Eu confio e nada
tenho a temer… “ (Is 6,9).
A relação entre oração, vocação e missão aparece também com
muita clareza nos cânticos do servo sofredor (cf. Is 42,1-4; 49,1-6; 50,4-9;
52,13-15). A intimidade com Deus gera uma profunda consciência mística que o
sustenta e o mantém resiliente. A experiência do drama da missão é ocasião para
renovação da fidelidade e do reconhecimento do chamado de Deus, assim declara
Jeremias num contexto de sofrimento missionário: “Tu me seduziste, Javé, e eu
me deixei seduzir. Foste mais forte do que eu e venceste” (Jr 20,7). É após uma
angustiante experiência de oração, que o profeta Jonas redimensiona sua
resposta ao chamado de Deus e assume sua missão (cf. Jn 2;3,1-4). A dimensão
teológica da vocação e da missão é aprofundada através da experiência da
oração.
No drama da missão, o profeta reconhece a fonte da sua
esperança: “Javé, tem piedade de nós, pois esperamos em ti! Sê nosso braço pela
manhã e nossa salvação no perigo” (Is 26,2). Na oração o profeta reconhece sua
pequenez e fragilidade, não é superior aos outros. “Javé, tu és o nosso pai;
nós somos o barro, e tu és o nosso oleiro; todos nós somos obra de tuas mãos…
Vê! Todos nós somos o teu povo” (Is 64,7-8).
Essa mesma consciência de carência também é evidenciada na oração do profeta
Jeremias: “Javé, eu sei que o homem não é dono do próprio caminho; que não
pertence ao homem que caminha dirigir seus próprios passos. Javé, corrige-me…”
(Jr 10,23-24). A oração é experiência educativa!
Em oração Jeremias se questiona sobre o avanço do mal: “Por
que o caminho dos ímpios prospera e os traidores vivem todos em paz? (…)
crescem e produzem frutos. Tu estás (…) longe do coração deles. Mas tu, Javé,
me conheces e me vês, e sabes que o meu coração está contigo” (Jr 12,2-3). Esse
mesmo drama também é vivido pelo profeta Habacuque quando em oração se
questiona: “Até quando, Javé, vou pedir socorro, sem que me escutes? Até quando
clamarei a ti: «Violência!» sem que tu me tragas a salvação? Por que me fazes
ver o crime e contemplar a injustiça? (…) O ímpio cerca o justo, e o direito
aparece distorcido” (Hab 1,2-4).
A oração é também tempo para apresentar a Deus o propósito
de mudança pessoal renovando a confiança e esperança, mesmo que persista o
mistério do mal: “Ainda que a figueira não brote e não haja fruto na parreira;
ainda que a oliveira negue seu fruto e o campo não produza colheita; ainda que
as ovelhas desapareçam do curral e não haja gado nos estábulos eu me alegrarei
em Javé e exultarei em Deus, meu salvador. Meu Senhor Javé é a minha força, ele
me dá pés de gazela e me faz caminhar pelas alturas” (Hab 3,17-19).
Sensibilidade social na Oração
A oração dos profetas é marcada pela sensibilidade social.
Aquilo que o povo vive repercute profundamente sobre os sentimentos do profeta
e condiciona o conteúdo da sua oração. Profundamente entristecido diante dos
males sofrido por seu povo, o profeta Jeremias lamenta em oração:
“transformaram minha propriedade querida num deserto desolado; dela fizeram um
lugar devastado, e a deixaram em estado deplorável; está desolada diante de
mim: o país inteiro foi devastado, ninguém se preocupa com isso (…), e não há
paz para ninguém” (Jr 12,10-12). “Tu bem sabes! Javé, lembra-te de mim,
ajuda-me e vinga-me de meus perseguidores. Por tua paciência não me deixes
perecer! Olha como suporto insultos por tua causa” (Jr 15,15).
Na oração do profeta está o presente o contexto histórico em
que ele e o povo vivem, seus males e esperanças, por isso, tudo o que toca a
vida do povo também é objeto da sua oração: a injustiça, a escravidão, a fome,
a violência, a tortura, a humilhação, a falta de perspectivas, as doenças, a
exploração, a idolatria, a corrupção, a indiferença etc. Os males são motivos
de múltiplas súplicas! Jeremias sentindo a dureza da missão profética em meio a
tantos males do povo (cf. Jr 2-7) tende a entrar em depressão e verbaliza: “O
sofrimento me acabrunha e meu coração desfalece, pois ouço de longe os gritos
da capital do meu povo: «Será que Javé não está mais em Sião? (…). Eu também
fiquei ferido por causa do ferimento da capital do meu povo; fiquei deprimido,
e a solidão me agarrou” (Jr 8,18.21). E sentiu a necessidade de um retiro:
“Quem poderia dar-me no deserto um abrigo de viajantes? Então eu deixaria o meu
povo e iria para longe deles, pois todos eles são adúlteros, um bando de
traidores” (Jr 9,1).
Está na oração também as reações dos perseguidores à missão
do profeta, por isso, Jeremias apresenta Deus as intenções maldosas e
perversas dos seus perseguidores; mas sem medo deles, renova a confiança no seu
defensor (cf. Jr 15,18-23; Jr 20,14-20). A experiência de oração não é
simplesmente espaço para desabafo e súplica, mas também oportunidade de
conforto e alívio que vem da escuta da palavra de Deus: “Quando recebi as tuas
palavras, eu as devorava. A tua palavra era festa e alegria para o meu coração,
porque eu levava o teu nome, ó Javé, Deus dos exércitos” (Jr 15,16).
Oração, memória e pedido de perdão
No livro das Lamentações e nas páginas do profeta Baruc,
contemporâneo do profeta Jeremias, vemos que a oração tem uma profunda relação
com a memória do passado seja para a gratidão como para o pedido de perdão. Na
oração deve estar presente a nossa história: “Ai de nós, porque pecamos!
Lembra-te, Javé, do que aconteceu; olha bem, para ver a vergonha que passamos!
Nossa herança passou para estrangeiros, nossas casas são agora de gente
estranha. Agora somos todos órfãos, pois perdemos nosso pai; nossas mães ficaram
viúvas. Temos que comprar a água que bebemos e pagar a lenha que usamos” (Lm
5,1-4).
Em sua oração o profeta Baruc faz da memória do passado, um
veemente pedido de perdão. “Nós pecamos, não guardamos respeito, praticamos a
injustiça, ó Senhor, nosso Deus, contra todos os teus mandamentos; afasta de
nós a tua ira, pois nos tornamos um pequeno resto entre as nações por onde nos
espalhaste. Ouve, Senhor, a nossa prece e a nossa súplica, libertando-nos
por causa da tua honra. Faz com que ganhemos o favor daqueles que nos exilaram,
a fim de que a terra fique sabendo que tu és o Senhor nosso Deus, pois o teu
nome foi invocado sobre Israel e seus descendentes” (Br 2,12-15; cf. Br
2,16-35).
Também o profeta Daniel contemplando as desgraças do povo
confessa dizendo: «Ah! Senhor, Deus imenso e terrível, cumpridor da aliança e
do amor para com os que te amam e observam os teus mandamentos! Pecamos,
praticamos crimes e impiedades, fomos rebeldes e nos desviamos dos teus
mandamentos e das tuas sentenças. Não quisemos escutar os profetas, teus
servos, que em teu nome falavam aos nossos reis e autoridades, aos nossos pais
e a todos os cidadãos” (Dn 9,4-6).
Com o profeta Daniel nos deparamos com uma atitude de
inabalável fé em Deus, como o Senhor que dirige a história, por isso, apesar
dos sofrimentos e do fracasso das perspectivas humanas, «que o nome do Senhor
seja louvado, desde agora e para sempre, pois a ele pertencem a sabedoria e o
poder, Ele modifica os tempos e estações, depõe e entroniza os reis, dá
sabedoria aos sábios e ciência aos inteligentes” (Dn 2,19-21). Ele é o único
Deus que merece louvor para sempre por seu ser e por todas as suas obras (cf.
Dn 3,24-90).
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
Os profetas não são meros relatores de Deus, mas sentem a
necessidade da oração. Por quê?
O que a sensibilidade social da oração dos profetas nos
ensina?
Por que a memória do passado é importante na oração?
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