Algo
grande e que seja amor (11): Frutos da fidelidade
A certeza de
saber-nos sempre com Deus é uma fonte viva de esperança, da qual brotam
mananciais de alegria e paz, que fecundam as nossas vidas e as vidas das
pessoas que convivem conosco.
20/08/2019
O livro dos Salmos começa com um canto à fecundidade de quem
procura ser fiel a Deus e à sua lei, e não se deixa levar pelo ambiente que os
ímpios promovem: “Será como uma árvore plantada na margem das águas correntes:
dá fruto na época própria, sua folhagem não murchará jamais. Tudo o que
empreende, prospera” (cf. Sal 1,1-3). Na verdade, trata-se de
um ensinamento constante nas Escrituras: “Aquele que é fiel será muito louvado”
(Prov. 28,20); “o que semeia justiça receberá uma recompensa certa” (Prov.
11,18). Todas as obras de Deus são fecundas, assim como as vidas das pessoas
que respondem ao seu chamado. O Senhor recordou-o aos apóstolos na última ceia:
“eu vos escolhi e vos constituí para que vades e produzais fruto, e o vosso
fruto permaneça” (Jo 15,16). A única coisa que Ele nos pede é que
permaneçamos unidos a Ele como os ramos à videira, porque “quem permanecer em
mim e eu nele, esse dá muito fruto” (Jo 15,5).
Ao longo dos séculos, os santos também experimentaram a
generosidade de Deus. Santa Teresa, por exemplo, escreveu: “E não costuma Sua
Majestade pagar mal a pousada, quando Lhe dão boa hospedagem”[1].
Ele prometeu àqueles que são fiéis que serão recebidos em seu Reino, com
palavras cheias de carinho: “Parabéns, servo bom e fiel! Como te mostraste fiel
na administração de tão pouco, eu te confiarei muito mais. Vem participar da
alegria do teu senhor!” (Mt 25,21). No entanto, Deus não espera o Céu para dar
o prêmio aos seus filhos, nesta vida Ele já os vai introduzindo na alegria
divina com muitas bênçãos, com frutos de santidade e virtudes, fazendo com que
cada pessoa e os seus talentos tenham o melhor rendimento possível. Ajuda-nos a
não prestar muita atenção à nossa fragilidade e a confiarmos cada vez mais no
poder de Deus. Além disso, por meio de seus filhos, o Senhor também abençoa as
pessoas que estão ao seu redor. Deus se alegra com isso: “nisto é glorificado
meu Pai, para que deis muito fruto” (Jo 15,8).
Nestas páginas, vamos rever alguns frutos que a nossa
fidelidade produz, tanto na nossa vida como na dos outros. Queira Deus que
esses frutos, e muitos outros que só Ele conhece, nos animem a nunca
interromper a ação de graças pelos seus cuidados e pela sua proximidade. Assim,
nós também aprenderemos a nos beneficiarmos desse amor cada dia mais.
Um céu dentro de nós
Poucas semanas antes de ir para o Céu, São Josemaria dizia a
alguns de seus filhos: “O Senhor quis depositar em nós um tesouro riquíssimo.
(…) Em nós habita Deus, Senhor Nosso, com toda a sua grandeza. Em nossos
corações há habitualmente um Céu”[2].
O Senhor havia prometido aos apóstolos: “Se alguém me ama, guardará a minha
palavra e meu Pai o amará, e nós viremos a Ele e nele faremos nossa morada” (Jo 14,23).
Este é o principal dom que Deus nos oferece: a sua amizade e a sua presença em
nós.
Deus não espera o Céu para dar o prêmio aos seus
filhos, nesta vida Ele já os vai introduzindo na alegria divina com muitas
bênçãos
Todos os dias podemos contemplar na oração com olhos novos
esta verdade da presença divina em nós, e cultivá-la em nossa memória. Repletos
de assombro e agradecimento procuraremos corresponder como bons filhos ao
carinho imenso que Deus tem por nós. Porque “não é para ficar no cibório de
ouro que Ele desce do céu todos os dias, mas para encontrar um outro céu,
infinitamente mais querido que o primeiro, o céu da nossa alma, feito à sua
imagem, o templo vivo da adorável Trindade”[3].
Somente com este presente divino podemos sentir-nos infinitamente recompensados
e também seguros da alegria que damos a Deus com a nossa fidelidade.
Quando chega o cansaço físico ou moral, quando os abalos e
dificuldades aumentam, é hora de lembrar outra vez que, “se Deus mora na nossa
alma, tudo o mais, por muito importante que pareça, é acidental, transitório.
Em contrapartida, nós, em Deus, somos o permanente”[4].
A certeza de que Deus está comigo, em mim e de que eu estou n’Ele (cfr. Jo, 6,56)
é fonte de uma segurança interior e uma esperança impossíveis de explicar
humanamente. Esta convicção vai nos tornando cada vez mais simples – como
crianças – e nos dá uma visão ampla e confiada, um interior descontraído e
alegre. Do fundo da alma brotam então a alegria e a paz, como frutos naturais
da fidelidade e da entrega. Esses frutos são tão importantes, têm tanta força
evangelizadora que São Josemaria os pedia diariamente ao Senhor na santa Missa,
para ele e para todos os seus filhos e filhas[5].
Temos um Céu dentro de nós para levá-lo a todos os lugares:
à nossa casa, ao lugar de trabalho, ao descanso, às reuniões com nossos
amigos... “Nos nossos dias, em que se nota frequentemente uma forte ausência de
paz na vida social, no trabalho, na vida familiar… é cada vez mais necessário
que os cristãos sejam, com expressão de São Josemaria, ‘semeadores de paz e de
alegria’”[6].
Sabemos por experiência que essa paz e essa alegria não são nossas. Por isso
procuramos cultivar a presença de Deus em nossos corações, para que Ele
preencha a nossa vida e para que seja Ele que comunique os seus dons aos que
nos rodeiam. E a eficácia dessa simples semeadura é certa, ainda que o seu
alcance seja imprevisível: “A paz do mundo depende talvez mais das nossas
disposições pessoais, habituais e perseverantes, por sorrir, perdoar e não nos
darmos importância, do que das grandes negociações entre os Estados, por muito
importantes que sejam”[7].
Coração firme e misericordioso
Quando deixamos que a presença de Deus crie raízes e
frutifique em nós – de certo modo, a fidelidade é isso – gradualmente
adquirimos uma “firmeza interior” com a qual se torna possível ser pacientes e
mansos diante das contrariedades, dos imprevistos, das situações desagradáveis,
dos nossos próprios limites e dos limites dos outros. São João Maria Vianney
dizia que “as nossas falhas são grãos de areia ao lado da grande montanha da
misericórdia de Deus”[8].
Essa convicção nos permite reagir de uma forma cada vez mais parecida a como
Deus reage às mesmas pessoas e circunstâncias, com mansidão e misericórdia, sem
nos preocuparmos quando não respondem às nossas previsões e gostos imediatos.
Descobrimos, em suma, que todos os acontecimentos são de alguma forma “veículos
da vontade divina e devem ser recebidos com respeito e amor, com alegria e paz”[9].
Desta forma, pouco a pouco, adquirimos uma facilidade maior para rezar,
desculpar e perdoar, como o Senhor faz, e se perdermos a paz, logo a
recuperamos.
Deus transforma nosso pobre coração em um manso e
misericordioso, a medida do seu
Às vezes, pode parecer uma fraqueza essa disposição de
cultivar a mansidão e a misericórdia em nossos corações diante das misérias
alheias que nos parecem denunciáveis ou diante da malícia de alguns que querem
nos fazer mal. Lembremo-nos, no entanto, de como Jesus repreende os discípulos
quando eles sugerem enviar um castigo do céu aos samaritanos que não O recebem
(cf. Lc 9,55). “O programa do cristão — o programa do bom
Samaritano, o programa de Jesus — é ‘um coração que vê’. Este coração vê onde
há necessidade de amor, e atua em consequência”[10].
A nossa paciente misericórdia, que não se irrita nem reclama
diante da contrariedade, torna-se assim um bálsamo com que Deus cura os
contritos do coração, cura as suas feridas (cf. Sal 147,3) e
lhes torna mais fácil e mais suportável o caminho de conversão.
Pablo Edo
Tradução: Mônica Diez
[1] Santa
Teresa de Jesus, Caminho de perfeição, cap. 34.
[2] Cfr.
S. Bernal, Mons. Josemaria Escrivá de Balaguer. Perfil do Fundador do
Opus Dei, Quadrante, São Paulo, 1978, p. 420.
[3] Santa
Teresa de Lisieux, História de uma alma, cap. 5.
[4] São
Josemaria, Amigos de Deus, n. 92.
[5] Cfr.
J. Echevarría, Recordações sobre Mons. Escrivá, São Paulo,
Quadrante.
[6] F. Ocáriz, F. Ocáriz, Homilia, 12/05/2017.
[7] Ibidem.
[8] Citado
em G. Bagnard, «El Cura de Ars, apóstol de la misericordia», Anuario de
Historia de la Iglesia 19 (2010) p. 246.
[9] São
Josemaria, Instrucción maio-1935 - 14-IX-1950, n. 48.
[10] Bento
XVI, Enc. Deus Caritas est (25/12/2005), n. 31.
Fonte: https://opusdei.org/pt-br/article/algo-grande-e-que-seja-amor-frutos-da-fidelidade/
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