As crises no caminho da fé
Dom Rodolfo Luís Weber
Arcebispo de Passo Fundo (RS)
A leitura do capítulo 6 do Evangelho de São João (1 Reis
19,4-8, Salmo 33, Efésios 4,30-5,2 e João 6,41-51), que nos acompanha nestes
domingos da Liturgia dominical, iniciou meditando sobre a milagrosa
multiplicação do cinco pães e dois peixes. O evangelista registra que uma
multidão se alimentou. A seguir, Jesus convida a quantos tinha saciado a
esforçarem-se em buscar um alimento que permanece para a vida eterna. Quer
ajudar a multidão a compreender o significado daquele prodígio que realizou
saciando a fome física e depois prepara a multidão para aceitar o segundo
anúncio: “Eu sou o pão que desceu do céu”. Comer deste pão significa
alimentar-se para a vida eterna.
A multiplicação do pão para saciar a fome gerou euforia a
ponto de quererem proclamar Jesus rei. Mas, o segundo convite “eu sou o pão que
desceu do céu” gerou murmurações a respeito de Jesus. No contexto bíblico,
murmurar é uma atitude de um povo descrente. A motivação da murmuração é a
pretensão satânica de querer impor a Deus a própria lógica humana, de
enquadrá-lo nos esquemas construídos pelos humanos. “A incredulidade agora se
direciona contra a encarnação do Cristo, contra o escândalo da sua humanidade
que contradiz e torna absurda a sua proposta divina de ser “o pão descido do
céu”. A visibilidade da carne e da humanidade que deveria ser um instrumento de
graça, uma transparência da presença amorosa de Deus no meio dos homens,
torna-se para os olhos incrédulos um obstáculo que impede de intuir no “filho
de José” o Filho de Deus. O escândalo da encarnação e da cruz, porém, são a
força que derrota a sabedoria humano “murmuradora” (Cardeal Gianfranco
Ravasi).
O Livro dos Reis medita a crise vivida por Elias. Ele começa
a sua missão de profeta de forma triunfal, segundo a compreensão humana, e
pensa que isto converterá todo o povo para Deus. Mas isto não se confirma e
passa a ser perseguido pela rainha. Foge para o deserto e pede a Deus: “Agora
basta, Senhor! Tira a minha vida, pois não sou melhor que meus pais”. Esta fuga
para o deserto torna-se uma peregrinação para o início do povo de Deus.
Alimentado duas vezes pelo anjo, lhe é dito: “Levanta-te e come! Ainda tens um
caminho longo a percorrer”. Coloca-se quarenta dias pelo caminho até chegar ao
monte Horeb, também conhecido por Monte Sinai, onde Deus, por mediação de
Moisés, estabeleceu aliança com o Povo através dos dez mandamentos. Elias
alimentado com o pão, a água e a Palavra de Deus renasce como profeta, no mesmo
lugar onde nasceu o povo de Deus.
A Carta aos Efésios convida “não contristeis o Espírito
Santo”, isto é, não tornar muito triste o Espírito Santo pela incredulidade e o
pecado. “Toda amargura, irritação, cólera, gritaria, injúrias, tudo isto deve
desaparecer no meio de vós, como toda espécie de maldade”. A vida divina
oferecida pelo Espírito Santo, o pão descido do céu e a Palavra de Deus são o
fundamento da ética cristã. “Sede bons uns para com os outros, sede
compassivos; perdoai-vos mutuamente, como Deus vos perdoou por meio de Cristo.
Sede imitadores de Deus, como filhos que ele ama. Vivei no amor, como Cristo
nos amou e se entregou a si mesmo a Deus por nós, em oblação e sacrifício de
suave odor”.
Somos peregrinos no mundo rumo a Deus. Uma peregrinação na
qual estamos sujeitos a crises inesperadas, também no âmbito da fé. Porém a
divina providência oferece “o pão vivo descido do céu” para não desanimarmos. A
exortação a Elias vem dirigida a nós: “Levanta-te e come! Ainda tens um caminho
longo a percorrer”.
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