Comer vendo TV realmente faz mal?
Por Jessica Brown
BBC Future
10 de agosto de 2024
O outro lado da distração
A relação entre assistir à televisão e comer é complexa,
mesmo quando tratamos dos efeitos da distração, isoladamente. Pesquisas também
indicam que a distração pode nos levar a comer menos – ou deixar de comer,
segundo van Meer.
A pesquisadora conta, por exemplo, que algumas escolas
primárias na Holanda decidiram reduzir a jornada escolar e fazer com que os
estudantes almocem durante as aulas.
O ensino durante o almoço costuma ser mais passivo, segundo
van Meer. Os professores leem para os estudantes ou apresentam vídeos
educativos.
Mas ela destaca que muitos pais estão observando seus filhos
voltarem para casa no final do dia com suas lancheiras cheias de comida, o que
sugere que eles estavam distraídos demais para comer.
O mesmo efeito foi encontrado em pesquisas com adultos.
Em um estudo, os participantes assistiram a dois episódios
da popular série de TV americana Friends. Um dos grupos assistiu ao
mesmo episódio duas vezes e o outro assistiu a dois episódios diferentes. E,
durante o segundo episódio, os dois grupos receberam lanches diferentes.
Os pesquisadores concluíram que as pessoas que assistiram ao
mesmo episódio duas vezes comeram 211 calorias a mais do que o grupo que
assistiu a dois episódios diferentes. Isso pode ter ocorrido porque eles
estavam menos distraídos, segundo o professor de ciências da psicologia Dick
Stevenson, da Universidade Macquarie em Sydney, na Austrália.
Em outras palavras, se o programa de TV a que estivermos
assistindo for suficientemente cativante, podemos nos esquecer de comer o
alimento que está à nossa frente. Mas, quando a TV nos aborrece, podemos comer
mais.
Em outro pequeno estudo, um grupo de participantes assistiu
a uma palestra "maçante" sobre arte na TV. Um segundo grupo assistiu
a uma série "envolvente" e um terceiro não viu televisão. Eles
receberam lanches de baixa caloria (uvas) e com alto teor de calorias
(chocolate).
Os pesquisadores concluíram que a palestra maçante
incentivou os participantes a comerem mais, enquanto o programa envolvente os
levou a comer menos, em comparação com o grupo controle, que não tinha acesso à
televisão. Em outras palavras, quanto mais tédio entre os participantes, mais
eles comiam.
Mas o interessante é que a principal mudança de consumo foi
verificada no número de uvas. A quantidade de chocolate permaneceu mais ou
menos sem alteração.
Afinal, devemos evitar comer em frente à TV?
Existem diversas teorias sobre os motivos que nos levam a
comer mais quando estamos em frente à televisão. Mas as pesquisas confiáveis
nesta área enfrentam diversas dificuldades.
Os pesquisadores costumam confiar nos diários alimentares
das pessoas e acompanhar seus hábitos de assistir à televisão. Mas elas, muitas
vezes, reduzem o consumo de alimentos não saudáveis nos seus relatórios,
segundo Fernanda Rauber.
Pelo menos no estudo de Monique Alblas, os participantes que
forneceram seus dados registravam todas as atividades do seu dia a dia, ou
seja, eles não registravam apenas as refeições ou o uso da TV, especificamente.
Os pesquisadores também estudam as pessoas comendo e
assistindo à TV em ambientes de laboratório. Mas a natureza da televisão faz
com que, em casa, fiquemos normalmente relaxados e pode ser difícil tentar
recriar este ambiente no laboratório.
"Os métodos de observação direta podem introduzir viés
de mudança comportamental, com os participantes alterando seus hábitos de
alimentação ao saberem que estão sendo observados", afirma Rauber.
Alblas defende que é preciso ter mais pesquisas em ambientes
reais, pois os nossos hábitos alimentares – e seus fatores de influência – são
muito complexos.
"Nós conhecemos algumas das formas de influência da TV
sobre a nossa alimentação, mas existem muitos processos e coisas que não
sabemos e precisam ser mais bem compreendidas", afirma ela.
A influência da TV sobre a alimentação depende de muitos
fatores, incluindo o tipo de conteúdo a que estamos assistindo, segundo Dick
Stevenson.
Ele pode alterar o nosso humor, mas também nos influencia de
forma inconsciente. Se um personagem estiver comendo na tela, por exemplo,
podemos também ser levados a comer junto com eles.
O ritmo do programa também pode fazer diferença. Um estudo
indicou que filmes de ação podem nos induzir a comer mais do que programas de
entrevistas.
E, naturalmente, o sabor dos alimentos que temos em mãos
também é importante, bem como a nossa impulsividade pessoal em relação à
comida.
A própria distração também é algo complexo. Assistir à TV
pode não causar tanta distração quanto outras atividades que realizamos
enquanto comemos – e que também podem nos levar a comer mais.
Uma análise de estudos concluiu, por exemplo, que existem
poucas evidências que indiquem que nós comemos mais quando assistimos à TV em
comparação com outras atividades, como ler, jogar videogame ou comer com os
amigos. E as pesquisas também indicam que os nossos hábitos alimentares são
complicados e quase impossíveis de entender completamente.
O certo é que existe muito mais no jantar em frente à TV do
que o simples consumo de alimentos processados com alto teor de sal e gordura.
Por isso, se você estiver se sentando à mesa em busca de uma
opção mais saudável, talvez seja melhor analisar se realmente vale a pena ter
nas mãos aquele controle remoto.
Leia a versão
original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
Nenhum comentário:
Postar um comentário