Comer vendo TV realmente faz mal?
Por Jessica Brown
BBC Future
10 de agosto de 2024
Quando o assunto é saúde, jantar em
frente à TV não traz uma imagem positiva.
Essa ideia surgiu nos Estados Unidos, no início do século
20. Ela evoca imagens de refeições com alimentos processados,
cheios de sal e aditivos, em pratos equilibrados no colo das pessoas sentadas
no sofá.
E se você escolher um tipo diferente de refeição para comer
enquanto assiste à sua série de TV favorita?
Você pode imaginar que comer um prato colorido,
repleto de legumes e grãos integrais, é um hábito saudável. Mas
será que o simples ato de comer em frente à TV elimina as escolhas positivas?
Pois existem evidências indicando que sim.
Estudos sugerem que comer habitualmente assistindo à TV não
faz bem para nós, não importa o que estivermos comendo. E aqui estão os
motivos.
Distração e memória
Os cientistas sabem há muito tempo que nosso ambiente como
um todo desempenha papel fundamental na nossa alimentação. E muitas pesquisas
indicam a relação entre assistir à TV e maior risco de obesidade,
principalmente devido ao menor nível de
exercício decorrente desse comportamento sedentário.
Mas assistir à TV também pode afetar o quanto comemos. A
distração é uma das principais teorias para explicar por que podemos comer mais
quando vemos televisão ao mesmo tempo, segundo a professora de ciências da
comunicação Monique Alblas, da Universidade de Amsterdã, na Holanda.
Isso pode ocorrer porque, quando estamos absorvidos por um
roteiro fascinante, prestamos menos atenção no que comemos. Com isso, nós não
percebemos os sinais do corpo que nos dizem que estamos satisfeitos, o que pode
nos levar a comer demais.
Existem também pesquisas que indicam que nós não nos
lembramos do que comemos em frente à TV e temos dificuldade para estimar com
precisão a quantidade de alimentos que ingerimos. Isso pode nos levar a comer
de novo mais tarde.
Alblas concluiu que as pessoas passam mais tempo comendo
quando assistem à TV durante as refeições.
Ela utilizou dados já existentes, coletados pelo Instituto
Holandês de Pesquisas Sociais. O organismo pediu às pessoas que mantivessem um
diário de tudo o que elas faziam ao longo de uma semana, incluindo comer e
assistir à TV. As pessoas registraram até o tipo de programas que estavam
acompanhando.
Enquanto analisava os dados, Alblas percebeu que as pessoas
passavam mais tempo comendo quando assistiam à TV ao mesmo tempo.
Ela também descobriu que o tempo total que os participantes
do estudo passaram comendo era maior nos dias em que eles comiam assistindo à
TV ao mesmo tempo, em comparação com os dias em que eles se alimentavam sem ver
TV simultaneamente. Para Alblas, esta conclusão sugere que eles não percebiam o
quanto estavam comendo, pois estavam distraídos.
Estas conclusões em si não demonstram que as pessoas
necessariamente comeram mais, ou quais alimentos específicos elas comeram. O
único registro foi o tempo passado comendo.
Como os resultados foram relatados pelos próprios
participantes, é claro que, se eles se perdessem em um programa particularmente
bom, talvez não se lembrassem ao certo de quanto tempo haviam passado comendo.
Mas Alblas afirma que existem pesquisas que demonstram que o
tempo passado comendo está correlacionado à ingestão de maior quantidade de
calorias.
"E pesquisas de laboratório demonstram que comer
distraído leva ao aumento do consumo de alimentos, de forma que todas as
evidências combinadas indicam que a distração desempenha papel importante
quando comemos em frente à TV", afirma ela.
Outro motivo que pode nos levar a comer mais quando
assistimos à TV é que a refeição pode não ter o mesmo sabor para nós do que
quando prestamos mais atenção ao que estamos comendo.
Isso ocorre porque podemos não ficar tão satisfeitos com a
comida quando estamos distraídos, segundo a pesquisadora de ciência de dados
Floor van Meer, do instituto Pesquisa de Segurança Alimentar de Wageningen, na
Holanda.
Van Meer pesquisou a distração enquanto nos alimentamos, no
Departamento de Psicologia Social, Organizacional e Econômica da Universidade
de Leiden, também na Holanda. Ela é neurocientista e realizou diversos estudos
sobre a atividade do cérebro humano quando comemos distraídos.
Em um dos estudos, ela solicitou aos participantes que
memorizassem um número curto ou longo enquanto comiam. E os que tentaram
memorizar números mais longos relataram que o sabor do alimento era menos doce.
Van Meer também percebeu que havia menos atividade nas
partes do cérebro associadas à percepção do sabor.
"Se você não provar o alimento da mesma forma, poderá
não ficar tão satisfeito e terá maior probabilidade de fazer um lanche logo em
seguida", segundo ela.
Mas van Meer também aponta o outro lado da moeda: para ela,
a TV pode ser uma boa forma de fazer as crianças comerem legumes e verduras,
caso elas não gostem do sabor dos alimentos.
Ela explica que existe uma teoria que diz que os seres
humanos estão sempre tentando atingir um "objetivo hedônico". Ou
seja, nós esperamos atingir certo nível de prazer durante qualquer dia ou
atividade específica. E, se não conseguirmos, iremos buscar esse prazer em
outro lugar.
Por isso, se um programa de TV não atender às expectativas,
você poderá comer mais para compensar.
O nosso estado emocional também desempenha papel importante
no nosso comportamento alimentar.
Existem pesquisas que indicam que podemos escolher menos
alimentos "hedônicos", como chocolate ou pipoca na manteiga, se
assistirmos a um programa que nos faça felizes, em comparação com algo que nos
deixe tristes.
O que comemos em frente à TV?
As pesquisas indicam que a exposição a anúncios de comida
também pode fazer as pessoas comerem mais, em geral.
Mas o que mais preocupa os pesquisadores é a associação
entre a publicidade de comida e o consumo de alimentos
ultraprocessados, que já foram relacionados à obesidade e outras doenças,
incluindo doenças cardíacas.
"As evidências indicam que mesmo a exposição rápida à
publicidade de comida pode tornar as crianças mais propensas a consumir os
alimentos anunciados – e a repetição da exposição reforça essa
preferência", afirma a pesquisadora Fernanda Rauber, do Núcleo de
Pesquisas Epidemiológicas em Nutrição e Saúde Pública da USP.
Ela concluiu que as crianças têm mais propensão a consumir
alimentos ultraprocessados em relação aos minimamente processados, quando
assistem à televisão. Isso ocorre, em parte, porque os alimentos
ultraprocessados costumam ser considerados mais convenientes para consumo em
frente à TV, segundo ela.
Mas a maior exposição aos anúncios deste tipo de alimento
também foi relacionada ao aumento do consumo. E os efeitos parecem ser
amplificados no caso de crianças que já são obesas, talvez porque elas sejam
mais sensíveis à publicidade de alimentos.
As refeições em família costumam ser associadas ao consumo
de mais frutas, legumes e verduras. Mas Rauber também concluiu que as crianças
comem mais alimentos ultraprocessados quando assistem à TV com a família.
"Neste cenário, os eventuais benefícios das refeições
em família observados em outras pesquisas são ofuscados pelos impactos
negativos da televisão ligada durante as refeições", afirma Rauber.
"Isso destaca a complexa interconexão entre os hábitos
alimentares e as influências do ambiente e reforça a necessidade de mais
pesquisas para entendermos essa dinâmica de forma abrangente."
Leia a versão
original desta reportagem (em inglês) no site BBC Innovation.
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