Humanos têm 'salto' de envelhecimento aos 44 e 60 anos, sugere estudo
- Author,
Giulia Granchi
- Role,
Da BBC News Brasil em Londres
- Twitter,@GranchiGiulia
- 19
agosto 2024
Um novo estudo publicado na
revista científica Nature Aging sugere que o corpo humano
passa por dois picos importantes de mudanças moleculares — algo que os autores
relacionam ao envelhecimento — um por volta dos 44 anos, e outro aos 60 anos.
A pesquisa, conduzida por um grupo da Stanford Medicine,
universidade na Califórnia, EUA, sugere que muitas de nossas moléculas e
microrganismos aumentam ou diminuem drasticamente em quantidade quando
alcançamos essas idades.
As suspeitas levantadas, aponta Claudia Kimie Suemoto,
professora de geriatria da USP (Universidade de São Paulo) não ligada à
pesquisa, podem indicar a necessidade de aumentar o cuidado de áreas
específicas da saúde em determinados estágios da vida.
Como o
estudo foi feito e quais são suas limitações
Os pesquisadores analisaram milhares de moléculas em pessoas
de 25 a 75 anos, seus microbiomas — as bactérias, vírus e fungos que
vivem no organismo humano — e colheram evidências que a abundância da maioria
das moléculas e microrganismos não muda de forma gradual e cronológica.
"Não estamos apenas mudando gradualmente ao longo do
tempo; há mudanças realmente dramáticas", disse Michael Snyder, PhD,
professor de genética e autor sênior do estudo, em uma publicação
da Universidade Stanford.
Os autores afirmam que essas grandes mudanças provavelmente
impactam nossa saúde — o número de moléculas relacionadas a doenças
cardiovasculares mostrou mudanças significativas em ambos os períodos, e
aquelas relacionadas à função imunológica mudaram em pessoas no início dos 60
anos.
Os pesquisadores monitoraram mudanças relacionadas à idade
em mais de 135.000 moléculas e microrganismos diferentes, totalizando quase 250
bilhões de pontos de dados distintos.
Os dados foram obtidos por coletas de sangue e
outras amostras biológicas dos participantes a cada poucos meses, para
viabilizar a análise de diferentes de moléculas, incluindo RNA, proteínas e
metabólitos, assim como mudanças nos microbiomas dos participantes.
"Eles descobriram que milhares de moléculas e
microrganismos passam por mudanças em sua abundância, aumentando ou diminuindo
— cerca de 81% de todas as moléculas estudadas mostraram flutuações não
lineares em quantidade, o que significa que mudaram mais em certas idades do
que em outras", diz a publicação no site da universidade.
"Quando buscaram por agrupamentos de moléculas com as
maiores mudanças em quantidade, perceberam que essas transformações ocorreram
principalmente em dois períodos: na metade dos 40 anos e no início dos 60
anos."
Suemoto, professora da USP, destaca, entre os pontos
positivos, que a análise utilizou métodos modernos e avançados, capazes de
realizar a leitura de bilhões de dados.
Mas os resultados, embora ofereçam pistas interessantes
sobre o envelhecimento humano, não podem ser considerados absolutos.
"A revista na qual o estudo foi publicado é bastante
conceituada, o que indica que o conteúdo passou por uma revisão importante. Mas
há limitações", explica Suemoto.
A professora cita o número pequeno de participantes (108
pessoas) até 75 anos (embora o envelhecimento continue após essa idade), e sua
localização restrita, apenas indivíduos que residiam no estado da Califórnia,
nos EUA, como alguma delas.
"Idealmente esse número seria muito maior, e com
populações diversas, incluindo outros países. Entendo também que isso tornaria
o estudo muito mais caro e demorado."
Outro ponto, analisa Suemoto, é o tempo de acompanhamento
dos participantes.
"Os pesquisadores analisaram dados de pessoas de
diferentes idades - entre 25 e 75 anos - durante um período médio de 1,7 anos
[o período máximo que uma pessoa foi acompanhada é de 6,8 anos]. Idealmente,
todos os participantes teriam a mesma idade, e seriam acompanhados até os 80
anos ou mais."
As pistas
que o estudo oferece
Snyder, professor de genética na Stanford, e seus colegas
foram inspirados a investigar a taxa de mudanças moleculares e microbianas pela
observação de que o risco de desenvolver muitas doenças associadas à idade não
aumenta de forma incremental com os anos.
"Por exemplo, os riscos de doenças como Alzheimer e
doenças cardiovasculares aumentam acentuadamente na velhice, em comparação com
um aumento gradual do risco para aqueles com menos de 60 anos", diz o
texto no site da universidade.
Já o grande agrupamento de mudanças na metade dos 40 anos
surpreendeu os cientistas.
A princípio, eles assumiram que a menopausa ou a
perimenopausa estava impulsionando grandes mudanças nas mulheres do estudo,
distorcendo o grupo inteiro. Mas quando separaram o grupo de estudo por sexo,
descobriram que a mudança também estava ocorrendo nos homens na metade dos 40
anos.
"Isso sugere que, enquanto a menopausa ou
perimenopausa pode contribuir para as mudanças observadas nas mulheres na
metade dos 40 anos, provavelmente há outros fatores, mais significativos,
influenciando essas mudanças tanto em homens quanto em mulheres. Identificar e
estudar esses fatores deve ser uma prioridade para futuras pesquisas",
disse Xiaotao Shen, um dos autores do estudo, ao site da Stanford.
Em pessoas na faixa dos 40 anos, foram observadas mudanças
significativas no número de moléculas relacionadas ao metabolismo de álcool,
cafeína e lipídios, bem como alterações associadas a doenças cardiovasculares,
pele e músculos.
Para os com 60 anos, as mudanças moleculares estavam mais
relacionadas ao metabolismo de carboidratos e cafeína, função renal, regulação
imunológica, doenças cardiovasculares, assim como pele e músculos.
À Stanford, Snyder sugere que algumas dessas mudanças podem
estar ligadas a fatores comportamentais ou de estilo de vida específicos desses
grupos etários, e não apenas a fatores biológicos.
Por exemplo, a disfunção no metabolismo do álcool pode ser
consequência de um aumento no consumo de álcool por
pessoas na casa dos 40 anos, uma fase frequentemente marcada por maior
estresse.
A equipe pretende investigar mais a fundo os fatores que
impulsionam essas mudanças.
"É importante replicar esses resultados em amostras
maiores e de diferentes localidades, mas saber que existem momentos de maior
vulnerabilidade pode ajudar na orientação de práticas de vida mais saudáveis,
especialmente em torno dessas idades críticas. Mesmo que estilo de vida
saudável seja importante em todas as fases da vida, talvez seja ainda mais
crucial nesses momentos", avalia a professora de geriatria Claudia Kimie
Suemoto.
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