Jesus Cristo e a experiência da oração
Dom Antônio de Assis
Bispo auxiliar de Belém do Pará (PA)
Na leitura dos evangelhos constatamos o fato de que Jesus
não só falava da oração, mas também dela fazia experiência e a recomendava. Sua
oração acontecia em várias circunstâncias, ambientes, a sós ou com seus
discípulos. Considerando as diversas passagens em que se fala da oração de
Jesus, não encontramos um padrão definido, nem o conteúdo das orações de Jesus,
em alguns casos sim! Mas na maioria das vezes, simplesmente se fala da
experiência da oração. As diversas referências à oração de Jesus são profundamente
significativas para nós.
Mistério de Amor e comunhão
Para Jesus a oração expressava a sua relação afetiva com
Deus Pai. Na base da oração de Jesus está o mistério do Amor e da comunhão
recíproca entre o Filho e o Pai e vice-versa. Por isso Jesus declarou: “Eu não
posso fazer nada por mim mesmo… não procuro fazer a minha vontade, e sim
a vontade daquele que me enviou.» (Jo 5,30-31.37). Jesus declara que foi
enviado pelo Pai e vivia por Ele (cf. Jo 6,57). Seus momentos de oração era
tempo reavivamento da consciência de estar acompanhado e em íntima relação com
Deus Pai que o enviou ao mundo: “não estou sozinho, mas o Pai que me enviou
está comigo” (Jo 8,16); “mas o Pai que permanece em mim, ele é que realiza suas
obras. Acreditem em mim: eu estou no Pai e o Pai está em mim” (Jo
14,10-11).
Para Jesus Cristo a oração não tem uma função utilitária,
mas sobretudo, é manifestação da consciência do seu vínculo filial e afetivo
com Deus Pai. A oração de Jesus está vinculada à sua identidade! Na verdade,
mais do que fazer orações, Jesus vivia permanentemente em estado de comunhão.
Jesus de Nazaré, por sua manifestação de relação contínua com Deus Pai e
diálogo permanente com ele, foi um homem orante!
Oração e missão
Jesus era consciente de ser Filho, Missionário, Servo, Bom
Pastor. Portanto, a sua oração estava em função da sua fidelidade de filho
obediente, missionário generoso, servo fiel e bom pastor. Por isso afirmou: “O
Pai me consagrou e me enviou ao mundo” (Jo 10,36); “Eu sou o bom pastor… assim
como o Pai me conhece e eu conheço o Pai. Eu dou a vida pelas ovelhas” (Jo
10,14.15); “o Filho do Homem não veio para ser servido. Ele veio para servir, e
para dar a sua vida como resgate em favor de muitos.» (Mt 20,28); “eu desci do
céu, não para fazer a minha própria vontade, e sim para fazer a vontade daquele
que me enviou” (Jo 6,38).
A experiência da oração aparece desde o início da sua vida
pública. Mas na sua adolescência já havia manifestado uma consciência
extraordinária, quando procurado por Maria e José, respondeu à sua mãe: «Por
que me procuravam? Não sabiam que eu devo estar na casa do meu Pai?» (Lc 2,49).
Esse zelo pela casa do seu Pai, significava o cuidado para com a oração, que
tinha no templo o espaço comunitário privilegiado. Quando adulto Jesus vai
reagir com indignação vendo o templo transformado em mercado (cf. Lc 19,46).
No batismo temos a declaração de Deus Pai revelando-lhe seu
amor predileto e recomendando aos seus ouvintes que o acolham e o escutem.
Assim descreve o evangelista São Lucas: “Jesus, depois de batizado,
estava rezando. Então o céu se abriu, e o Espírito Santo desceu sobre ele em
forma corpórea, como pomba. E do céu veio uma voz: «Tu és o meu Filho amado! Em
ti encontro o meu agrado.» (Lc 3,21-22). Sua vida pública começa com a
oração com a convicção de ser o Filho e missionário Amado de Deus Pai e impulsionado
pelo Espírito Santo (cf. Lc 4,1-4).
O evangelista Marcos nos apresenta Jesus, imediatamente após
o seu batismo, imerso numa intensa vida Missionária: acolhendo as pessoas,
ensinando, expulsando demônios, curando doentes, andando por todas as vilas,
pregando o Reino de Deus, mas reserva tempo para a oração rejeitando dessa
forma um messianismo exibicionista e populista. “De madrugada, quando ainda
estava escuro, Jesus se levantou e foi rezar num lugar deserto” (Mc 1,35). No
contexto missionário, tantas vezes pressionado pelas necessidades do povo,
Jesus prioriza a experiência da oração, sendo para ele busca de repouso,
serenidade, equilíbrio, concentração, manutenção de sua identidade. Após a
multiplicação dos pães e dos peixes, logo após despedir as multidões, Jesus foi
para o outro lado do mar e subiu um monte para rezar (cf. Mt 14,22-23; Mc
6,46).
Após a pesca milagrosa e diversas curas, o evangelista Lucas
afirma que a “fama de Jesus espalhava-se cada vez mais, e numerosas multidões
se reuniam para ouvi-lo e serem curadas de suas doenças. Mas Jesus se retirava
para lugares desertos, a fim de rezar” (Lc 5,15-16). A oração é antídoto contra
o veneno da vaidade e da autossuficiência. Essa é uma tentação! Por isso Jesus
alertou seus discípulos dizendo: “Vigiem e rezem, para não caírem na tentação”
(Mt 26,41).
Momentos excepcionais de oração
Consciente de ser filho, missionário do Pai, e estando
sempre em profunda comunhão com Ele, percebemos, a partir dos textos dos
evangelhos, que Jesus sempre entrava em oração antes de acontecimentos
importantes e extraordinários. Vejamos alguns exemplos. Jesus rezou:
- Antes
de iniciar a sua vida pública (cf. Lc 3,21) e louva o Pai por sua missão
de servir os mais pobres (cf. Lc 10,21-23);
- Antes
da escolha dos doze apóstolos (cf. Mc 3,13-16);
- Antes
da multiplicação dos pães e dos peixes (cf. Mc 6,41);
- Antes
da Ressurreição de Lázaro (cf. Jo 11,41-43);
- Antes
da sua transfiguração (cf. Lc 9,28-29);
- Antes
de ser preso e iniciar o caminho do calvário (cf. Lc 22,44).
Advertências sobre a oração
- A
oração não deve ser ostensiva, orgulhosa, prepotente, vaidosa, mas
recheada de espírito de humildade, discreta, íntima (cf. Mt 6,5-8; 23,14
Lc 18,11);
- A
oração não é para nós uma experiência natural, mas é fruto de
aprendizagem, por isso Jesus ensina seus discípulos a rezar (cf. Lc
11,1-4);
- Na
oração do Pai Nosso Jesus nos ensina que na oração devemos nos concentrar
na identidade de Deus para louvá-lo, reconhecer nossas fragilidades e
renovar o compromisso de perdão e da fraternidade (cf. Mt 6,9ss);
- Na
parábola do juiz insensível Jesus nos apresenta a necessidade da
perseverança na oração, sem nunca desistir (cf. Lc 18,1);
- A
oração deve ser a nossa resposta ao nossos inimigos, que nos perseguem e
caluniam (cf. Lc 6,28);
- Jesus
incentiva seus discípulos a confiarem na bondade de Deus, pois através da
oração receberão o que necessitam (cf. Mt 7,7-8; 21,22);
- No
episódio da visita à casa de Marta e Maria, Jesus chama a atenção de Marta
porque estava ocupada com muitos afazeres deixando de dar a devida atenção
ao visitante amigo, ao contrário, Maria, sentou-se aos pés do Senhor, e
ficou escutando a sua palavra; Jesus elogiou a atitude de Maria dizendo:
“uma só coisa é necessária, Maria escolheu a melhor parte, e esta não lhe
será tirada.» (Lc 10,38-42).
- A
experiência da oração contribui para nossa transfiguração, ou seja, a
superação das crises, do desânimo e da frustração (cf. Lc 9,29);
- A
qualidade da oração não depende da quantidade de palavras e nem do tempo
empregado (cf. Mt 6,5-13; Lc 5,33);
- Jesus
reza por Pedro para que não esmoreça na fé diante das investidas de
Satanás (cf. Lc 22,32) e alertou os discípulos: «Rezem para não caírem na
tentação.» (Lc 22,40); e declarou que o jejum e a oração
expulsam demônios (cf. Mt 17,21);
- Jesus
ao refletir sobre o drama da cruz pede o conforto de Deus Pai: “Agora
estou muito perturbado. E o que vou dizer? Pai, livra-me desta hora? Mas
foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, manifesta a glória
do teu nome!» (Jo 12,27-28);
- Jesus
alertou seus discípulos sobre a necessidade da oração ser sinal de
compromisso de boas obras, da prática da vontade de Deus (cf. Mt
7,21);
- Na
parábola do rico insensível e o pobre Lázaro Jesus nos ensina que, após a
morte, a oração é inútil para quem nesta vida foi egoísta (cf. Lc
16,24-28).
- Jesus
orou estando crucificado em pleno sofrimento: “Pai, perdoa-lhes, porque
não sabem o que fazem.” (Lc 23,34); “Meu Deus, meu Deus, por que me
abandonaste?” (Mc 15,34); “Pai, nas tuas mãos entrego o meu espírito.” (Lc
23,46);
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
Qual é a relação entre a oração e a identidade de
Jesus?
Qual aspecto da oração de Jesus mais lhe chamou a
atenção?
O que a parábola do rico insensível e o pobre Lázaro nos
ensina sobre o sentido da vida e a oração?
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