Proclamado por Pio XII em 1º de novembro de 1950, o dogma da
Assunção tem a sua origem na Sagrada Escritura. E em Jerusalém, ainda hoje, é
possível ver e “tocar” alguns elementos que há quase setenta e cinco anos
levaram à publicação da Constituição Apostólica Munificentissimus Deus.
por Fábio Beretta
Para os cristãos a data de 15 de agosto não é um dia de
festa como os outros. Celebra-se, de fato, a Assunção de Maria ao Céu, um dos
quatro dogmas marianos da Igreja Católica. Proclamado por Pio XII em 1º de
novembro de 1950, o dogma da Assunção tem a sua origem na Sagrada Escritura. E
em Jerusalém, ainda hoje, é possível ver e “tocar” alguns elementos que há
quase setenta e cinco anos levaram à publicação da Constituição
Apostólica Munificentissimus Deus.
Na Cidade Santa, como recorda padre Claudio Bottini,
professor emérito ainda em atividade na Faculdade de Ciências Bíblicas e
Arqueológicas do Studium Biblicum Franciscanum da Terra Santa,
“a festa da Assunção é celebrada em duas datas distintas: os cristãos
pertencentes a a Igreja Latina, a de Roma, celebra o aniversário no dia 15 de
agosto segundo o calendário habitual. Depois há os ortodoxos, mas também os
armênios, os coptas, os sírios que celebram a Assunção em um dia diferente,
segundo o Calendário Juliano”.
Para todos os cristãos da Terra Santa, sublinha o frade, a
da Assunção é “a celebração mais sentida após a da Páscoa. Nestes dias os fiéis
expressam o seu fervor e a sua fé com liturgias e procissões”. Esta grande
participação é devida, em parte, “ao clima de verão que favorece um grande
número de participantes. Mas – continua padre Bottini – em Jerusalém, essas
grandes procissões, que chamam a atenção de todos, só são vistas para os ritos
da Semana Santa e da Assunção”.
Estes atos de devoção popular se desenvolvem pelas ruas que
ligam dois pontos da cidade, ou melhor, duas igrejas: a da Dormitio
Virginis, no Monte Sião, onde a comunidade cristã acredita que Nossa
Senhora “adormeceu no sono da morte”; e a do “túmulo de Maria”, construída na
zona do cemitério do Vale do Cedron, onde segundo a tradição judaica terá lugar
o Juízo Final.
“As escavações realizadas nos anos 70 – conta o frade –
confirmam a descrição contida na narrativas da tradição e em alguns escritos
populares que remontam ao século II d.C.”. Estas escavações iniciaram após uma
enchente que alagou completamente a igreja construída no local onde, segundo a
tradição, estava o túmulo vazio de Nossa Senhora, perto do Getsêmani. Os danos
provocados pela natureza
obrigaram os greco-ortodoxos e armênio-ortodoxos,
custódios do santuário, a
desmontar todas as superestruturas que escondiam o túmulo de Maria e a realizar
trabalhos de restauração.
“Graças ao ecumenismo feito de pequenos e silenciosos gestos
– explica o professor –, os ortodoxos convidaram o padre Bellarmino Bagatti,
decano dos arqueólogos franciscanos na Terra Santa, para visitar e estudar o
túmulo e o conjunto sepulcral e arquitetônico que o rodeia. Mas Bagatti não se
limitou a examinar o monumento. Ele o 'releu' cuidadosamente à luz da
literatura antiga sobre a morte e sepultamento de Nossa Senhora".
O Novo Testamento fala de Maria pela última vez depois da
Ascensão de Jesus, apresentando-a rodeada pelos Apóstolos e pela comunidade
cristã primitiva (cf. Act 1, 14). “Nenhum texto canônico – destaca Bottini –
nos diz como Maria passou seus últimos anos e como deixou a terra. Vários
escritos intitulados Ciclo sobre a Dormição de Nossa Senhora, muito difundidos
no mundo cristão, transmitem toda uma série de informações que, quando
submetidas ao escrutínio da crítica histórica e teológica, revelam-se da maior
importância”.
Esses textos seriam “todos relacionados a um
documento original, a um protótipo judaico-cristão elaborado por volta do
século II no contexto da Igreja Mãe de Jerusalém, para a comemoração litúrgica
anual junto ao túmulo da Virgem. Na redação da Dormição atribuída ao Apóstolo
evangelista João, conhecido como o Teólogo, lê-se: «...os apóstolos
transportaram a liteira e depositaram o seu santo e precioso corpo en um túmulo
novo no Getsêmani».
Em outro texto preservado em siríaco, há indicações
topográficas ainda mais precisas: «Esta manhã peguem a Senhora Maria e saiam de
Jerusalém pela via que conduz à cabeceira do vale além do Monte das Oliveiras,
onde existem três grutas: uma grande externa, depois outra dentro e uma pequena
câmara interna com um banco elevado de argila na parte oriental. Vão e coloquem
a Bem-Aventurada sobre aquele banco e coloquem-na lá e sirvam-na até que eu
diga o contrário."
Ao verificar os fatos, o padre Bagatti “demonstrou que a
concordância entre documento e monumento não poderia ser maior. Com efeito, o
túmulo de Maria no Getsêmani – sublinha o professor – está localizado em uma
área de cemitério em uso no século I. Corresponde muito bem quer ao tipo de
túmulos utilizados na Palestina naquela época como aos dados topográficos
indicados nas diferentes narrativas da Dormição da Virgem, especialmente no que
diz respeito à nova câmara mortuária e à sua posição em relação às outras. O
fato de encontrar-se junto ao Horto das Oliveiras e à Gruta onde Jesus
costumava passar a noite (cf. Jo 18, 2), sugere que o anônimo discípulo
proprietário do local também acolheu ali a sepultura de Maria. O túmulo,
guardado e venerado pelos judeus-cristãos até finais do século IV, altura em
que passou para as mãos dos gentios cristãos, foi isolado dos restantes e
encerrado em uma igreja”.
Hoje, das várias igrejas construídas no local ao longo dos
séculos, «só resta a cripta que, através de uma grande escadaria de quarenta e
oito degraus, conduz ao túmulo por um desnível de cerca de quinze metros em
relação à estrada . A edícula que contém a câmara funerária com o banco rochoso
ainda visível é pouco iluminada pela luz que filtra do exterior e pelas
lamparinas a óleo. No seu interior respira-se o ambiente típico das igrejas
orientais, caracterizadas pelo forte perfume de incenso, pelas numerosas
imagens e pelas muitas velas e lamparinas a óleo”.
“Quem visita esses lugares sente algo especial dentro de si.
Ao acompanharem homens de cultura ou jornalistas a estes lugares, eles próprios
percebem, mesmo que não sejam crentes, que estão diante de algo sério. Não se
pode falar de conversões verdadeiras, mas todos ficam admirados”, revela
Bottini.
Mas como os católicos vivem a festa de 15 de agosto?
“Primeiro celebram a Missa na Basílica do Getsêmani, mais conhecida como
Basílica das Nações (a estrutura moderna celebra este ano cem anos de sua
consagração). Depois, em procissão, dirige-se à igreja do túmulo, se desce à
cripta e reza-se com cantos e hinos”. Aos olhos mais atentos não passa
desapercebido que na cripta onde está preservado o túmulo vazio existe um
nicho: “Usavam-no e o usam os muçulmanos – explica o professor –.
Anteriormente, muitos grupos religiosos islâmicos visitavam o túmulo, agora
fazem-no em privado. Também para eles Maria é uma figura importante e o nicho
está orientado para Meca.”
Também os cristãos das Igrejas Orientais vivem a festa neste
lugar: “Por oito dias, os cristãos orientais descem todos os dias à cripta,
levando crianças, idosos e pessoas com deficiência. O túmulo é decorado com
ervas aromáticas, como o basílico, e rezam diante do ícone da Dormitio que
normalmente se encontra na Basílica do Santo Sepulcro. O ícone é levado
solenemente em procissão até o túmulo e recolocado em seu lugar. E é como uma
grande festa."
Uma festa que este ano, devido à guerra que continua a
dilacerar a Terra Santa, “será em dimensão menor. Mas como no passado, a
celebração acontecerá”, conclui padre Bottini. “Já vi tantas crises neste país.
Tudo acontece em escala reduzida, mas não desaparece. Celebraremos a festa da
Assunção como celebramos a Páscoa. São momentos trágicos, mas conseguimos rezar
com maior intensidade. Nestas celebrações com maior recolhimento, como sempre
fazemos, rezaremos pelo retorno dos peregrinos e sobretudo pelas soluções de
paz. Não só em nossa casa, mas também para o mundo. E faremos isso duas vezes,
dada a dupla data dos Calendários Juliano e Gregoriano. Os homens são capazes
de coisas atrozes, mas aqui há muitas pessoas de boa vontade que continuam a
acreditar, a esperar e a rezar por um mundo melhor. É uma semente de esperança
que certamente crescerá”.
*Agência Fides
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